O que um jogo de futebol americano tem a ver com uma unidade hospitalar? Como as práticas integrativas e complementares em saúde, com destaque para o escalda-pés, ajudam na redução de doenças crônicas não trasmissíveis, em uma pequena cidade da Paraíba? Essas e outras perguntas foram respondidas por profissionais da saúde pública que participaram do lançamento da Comunidade de Práticas de Qualidade em Saúde, Segurança do Paciente e Atenção Especializada (QSAE) da Plataforma IdeiaSUS Fiocruz, realizado no dia 29 de agosto, na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro. A iniciativa da IdeiaSUS Fiocruz, que tem a coordenação de Victor Grabois, também coordenador executivo do Centro para Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente (Proqualis) da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), e de Mariana Vercesi de Albuquerque, chefe do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde da Ensp/Fiocruz, consiste em um espaço de diálogo e compartilhamento de saberes, conhecimentos e tecnologias para apoiar e fortalecer profissionais e usuários do Sistema Único de Saúde (SUS).
Por meio de uma analogia ao futebol americano, Pablo Quesado, assessor da direção do Centro Hospitalar do Instituto Nacional de Infectologia da Fundação Oswaldo Cruz (INI/Fiocruz) para gestão hospitalar, apresentou a experiência de implantação de um Huddle de segurança no Centro Hospitalar do INI. A proposta está pautada em sete regras: encontros rápidos; com começo e término no horário; sem distrações; realizados em pé; fazem parte de uma rotina diária; há alinhamento de propósito; e envolve todo o time. “O huddle tem como propósito melhorar a assistência no serviço de saúde, possibilitando o gerenciamento de problemas pontuais no setor de emergência, otimizando fluxos internos, ampliando a qualidade assistencial e a segurança do paciente”, destacou Quesado. “Tal qual o futebol americano, a ideia é tomar o território. Por isso que precisa ser multidisciplinar, envolver toda a equipe”, acrescentou.
Os resultados alcançados, depois de seguir quatro etapas de implantação, incluindo até um huddle on-line, foram: informação estruturada que permitiu avaliação de cenários; sistematizada e em tempo real; acesso e transparência à informação; gerenciamento dos riscos assistenciais e administrativos, engajamento da equipe multiprofissional para a resolução de problemas; e gestão eficiente de recursos com possibilidade de antecipação de perspectivas.
Fortalecimento do cuidado
Uma estratégica mais simples, mas não de menor impacto ou menos importante, foi apresentada pelo médico de família e comunidade da Unidade Básica de Saúde Mutirão I, em Cajazeiras, na Paraíba, José Olivandro Duarte de Oliveira, que emocionou todos ao falar sobre a utilização de escalda-pés com pacientes com doenças crônicas não transmissíveis, como a diabetes. “Isso é um trabalho de muitas mãos, que envolve equipe e comunidade”, frisou. A prática faz uso de plantas medicinais reconhecidas cientificamente, e algumas são levadas para a unidade de saúde pela própria comunidade usuária. “O trabalho foi construído a partir de uma rede de apoio em saúde, se dá por meio de um processo participativo e solidário, com variedade de recursos terapêuticos e é interprofissional. Está pautado no saber popular e numa escuta acolhedora”, indicou. Segundo Oliveira, o trabalho resultou na redução avassaladora de intercorrências. “Hoje, temos uma só pessoa tratando de pés diabéticos”, exemplificou.
Taciana Malheiros, subsecretária de Atenção à Saúde de Belo Horizonte, por sua vez, falou sobre a regulação assistencial na Rede de Atenção à Saúde de Belo Horizonte (MG), que conta com 596 equipes de saúde da família, 80 academias da cidade, 314 equipes de saúde bucal, 152 centros de saúde, oito laboratórios de pronto atendimento, nove unidades de pronto atendimento, 31 unidades especializadas próprias, dois hospitais gerais da rede própria, 24 hospitais contratualizadas, 53 unidades especializadas contratadas e 16 centro de referência em saúde bucal, além de 20 mil trabalhadores. A regulação, segundo Malheiros, lança mão de algumas diretrizes, entre elas: fortalecimento dos processos na Atenção Primária e articulação com a Atenção Especializada; contratualização de linhas de cuidado; regulação regionalizada; protocolos bem definidos; e uso da telessaúde. “A regulação vai além dos complexos reguladores. Passa pela atenção especializada, inclui regulação da urgência e pré-hospitalar, alta complexidade ambulatorial, rede hospitalar, fluxo de central de internação e integração da rede”, detalhou.
O encontro contou também com a participação do professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e gerente de risco do Hospital das Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Ricardo Kuchenbecker, que falou sobre a construção do programa de apoio psicossocial em saúde no trabalho para o enfrentamento da Covid-19 no HCPA. A unidade, com 229 mil m2, conta com 860 leitos, 88 CTI para adulto, 142 consultórios, 17 unidades de ensino da UFGRS, 23 laboratórios do Centro de Pesquisa Clínica e 15 laboratórios do Centro de Pesquisa Experimental. Segundo Kuchenbecker, entre 2020 e 2023, os atendimentos para Covid-19 somaram: mais de 4,5 mil pessoais no CTI; mais de 4,4 mil em enfermarias; 9,5 mil atendimentos na emergência; 16 mil atendimentos presenciais; e mais de 36 mil atendimentos a funcionários.
A construção do programa se pautou na ideia de comunidades de práticas, entendendo que a aprendizagem é inerente à natureza humana, consiste na primeira e principal habilidade para negociar novos significados e, fundamentalmente, é experimental e social. Envolve as ideias de grupos de indivíduos, tema ou propósito comum, construção de relações de confiança, compartilhamento de conhecimentos tácitos, práticas comuns de trabalho, conhecimento coletivo compartilhado e saber-fazer coletivo. “O hospital sempre trabalhou com rodas de conversa. Mas eram uniprofissionais, eram enfermeiras falando com enfermeiras, médicos com médicos. Essa lógica muda para grupos de mediação e, na sequência, grupos de apoio multiprofissionais”, realçou, afirmando que o trabalho multiprofissional reduz a sensação de vulnerabilidades.
Diretora de Atenção à Saúde (FeSaúde) da cidade de Niterói (RJ), a psicóloga sanitarista Stefânia Soares, discorreu sobre a organização do atendimento domiciliar em saúde bucal para pessoas restritas ao leito, refletindo sobre o sentido de segurança do paciente ao considerar os atributos da Atenção Primária à Saúde. De acordo com Soares, a garantia e a segurança do paciente através do apoio e da sistematização dos atendimentos domiciliares em saúde bucal se dá por meio da formação dos profissionais da rede de atenção à saúde. “A visita domiciliar é uma forma de atenção em saúde coletiva, voltada para o atendimento do indivíduo e da família, visando maior equidade da assistência em saúde”, sublinhou.
IdeiaSUS Fiocruz é SUS
A Plataforma IdeiaSUS Fiocruz é parte integrante da estratégia institucional de compromisso da Fiocruz com a defesa do SUS. Para isso, vem desenvolvendo ações colaborativas com instâncias de governo, instituições de saúde pública e a sociedade civil, buscando potencializar as práticas de saúde vivenciadas no cotidiano do SUS.
A Comunidade de Práticas de Qualidade em Saúde, Segurança do Paciente e Atenção Especializada (QSAE), que tem a parceria do Proqualis, centro colaborador instalado no Departamento de Administração e Planejamento em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Daps/Ensp/Fiocruz), visa ser um espaço de encontros, construção e intercâmbio de experiências e conhecimentos, comprometido com o fortalecimento das diversas dimensões do campo da Qualidade em Saúde, com foco na Segurança do Paciente e na Atenção Especializada, enquanto políticas prioritárias do Ministério da Saúde. As práticas apresentadas no evento passam a fazer parte desse espaço.
Por Katia Machado (IdeiaSUS Fiocruz)