- Educação, Informação e Comunicação em Saúde
Maria do Socorro Melo Brandão
- 05 nov 2024
Escolas são instituições que possuem diversas funções sociais, sendo espaços de aprendizado e convivência diretamente impactados pela pandemia da COVID-19. Compreendendo que ações integradas e interinstitucionais favorecem ambientes escolares saudáveis, foi priorizada pela Gestão Municipal, no período de transição das atividades letivas remotas para presenciais, a criação de uma estratégia de promoção e vigilância da saúde. Inicialmente concebido como Núcleo de Vigilância Escolar de COVID-19 (NUVEC), foi reformulado a partir do controle das taxas de transmissão do Sars-CoV-2, passando por redirecionamento de ações e assumindo a denominação atual de NEPS. Objetiva-se relatar a experiência do NEPS no enfretamento da hesitação vacinal e implementação das coberturas vacinais junto à comunidade escolar da rede municipal de ensino. Os dados foram coletados de cartões de vacina apresentados nos atos da matrícula escolar 2023 e da plataforma de gestão educacional (SAGRES), sendo consolidados em planilha Excel paralela. O NEPS é vinculado às diretrizes da Secretaria Municipal de Educação (SEMED) e orientado tecnicamente pela Secretaria Municipal de Saúde (SESAU) para executar ações de promoção e vigilância da saúde junto a 36 unidades escolares municipais, 5634 alunos e 850 trabalhadores da educação, possuindo 10 eixos de atuação. Dentre seus objetivos específicos, destacam-se as ações de enfrentamento à hesitação vacinal com estratégias de divulgação de informações (formações continuadas, diálogos formativos, reuniões, comunicados, telefonemas, envio de mensagens por aplicativo e elaboração de posts para redes sociais) e vacinação nas escolas (articulação, divulgação, mobilização, checagem vacinal, administração dos imunobiológicos, registro vacinal e monitoramento criterioso de eventos supostamente atribuíveis à vacinação – ESAVI), contribuindo, inclusive, com indicadores do Programa Saúde na Escola (PSE). O NEPS possui como marco conceitual, a Política Nacional de Promoção da Saúde e como estratégia norteadora de planejamento ágil, o método SCRUM. Os resultados preliminares das primeiras intervenções em 04 escolas priorizadas na zona urbana (2387 alunos matriculados), dão conta de 706 cartões avaliados, 339 alunos vacinados e 106 recusas para vacinas contra COVID-19, imunobiológico responsável pela maior parte das hesitações. O menor número de recusas (13), ocorreu nas unidades escolares em que uma parte dos pais/responsáveis (230), foi previamente contatada para esclarecimentos e mobilização. O percentual de cartões não apresentados, diminuiu de 61% para 48% e o percentual de cartões totalmente regulares com esquema vacinal completo, considerando todas as vacinas indicadas pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI) para a faixa etária, aumentou de 7,8% para 18,4%. Em 2023, até o presente momento, o NEPS elaborou e instituiu Procedimentos Operacionais Padronizados e Instruções de Trabalho (06); realizou reuniões intersetoriais para construção de planos de ação (08); elaborou informes epidemiológicos e comunicados (03); contribuiu para a redação de decretos (02) e realizou formações para diferentes categorias profissionais, tendo incluído o tema da vacinação nas oportunidades pertinentes (04). A prática cotidiana das equipes SESAU, SEMED e Unidades Escolares, por meio de vínculo e interlocução direta, permitiu reconhecer fragilidades das coberturas vacinais e elaborar uma agenda anual para fortalecimento das ações de imunização na perspectiva da promoção da saúde dos ambientes escolares.
A vacinação é considerada a principal estratégia de prevenção de diversas doenças infecciosas responsáveis por vitimar milhares de pessoas até a metade do século passado ao redor do mundo, tais como varíola, poliomielite, síndrome da rubéola congênita, coqueluche, sarampo, dentre outras. Seja do ponto de vista coletivo ou individual, estar com o calendário vacinal atualizado, incluindo as doses de reforço recomendadas nos calendários básicos de rotinas ou pelas campanhas, é a medida de proteção específica mais eficiente que existe para indivíduos e coletividade, influenciando na manutenção de ambientes escolares seguros. De acordo com a pesquisa nacional sobre cobertura vacinal, seus múltiplos determinantes e as ações de imunização nos municípios brasileiros, executada de março a dezembro de 2021 (CONASEMS, 2023), a hesitação emerge como um elemento de compreensão das coberturas vacinais insatisfatórias, havendo vários fatores que contribuem para a decisão de se vacinar ou não, tais como barreiras de acesso (horários e locais de salas de vacina), a desinformação e os movimentos anti-vacinas, os quais interferem nos mecanismos de confiança, complacência e conveniência. No que diz respeito às consequências da pandemia para as coberturas vacinais na Bahia, os resultados da pesquisa corroboram com o experenciado em Amargosa, a exemplo de maior circulação de notícias falsas sobre vacinas e diminuição da procura. Como aspectos positivos, melhorias das estruturas de armazenamento dos imunobiológicos e melhor capacidade operacional para execução da vacinação de rotina, foram verificados no município de Amargosa e na respectiva Regional de Saúde. O estudo sugere que dentre outras estratégias, sejam direcionadas ações para aumentar conhecimento da população alvo considerando planos de comunicação focados em transmitir informações científicas sobre os benefícios da vacinação, desmistificando os efeitos adversos (CONASEMS, 2023). Deste modo, a partir dos resultados da Pesquisa Imuniza-SUS, é possível uma melhor compreensão da hesitação, recusa e quedas nas coberturas vacinais, com melhor orientação das ações que possam controlar e reverter esse fenômeno, inclusive no município de Amargosa.
O processo de implantação do NEPS decorreu da implementação de um projeto aplicativo orientado pela metodologia da problematização com elaboração de um plano de intervenção a partir de um problema identificado: a insuficiência, no âmbito da Secretaria Municipal de Educação, de estruturação mínima para o desenvolvimento de ações permanentes de promoção e vigilância da saúde junto à comunidade escolar. A construção da proposta considerou o Planejamento Estratégico Situacional como “método para planejar cenários e planos para enfrentar problemas ou aproveitar oportunidades existentes numa dada realidade” (CALEMAN, 2016, p. 11), possibilitando criar estratégias para alterar a realidade anteriormente descrita. Diante do percurso metodológico, a proposta de intervenção foi apresentada aos gestores, sendo acatada. O NEPS possui como eixo, a Educação e Formação com incentivo à atitude permanente de aprendizagem sustentada em processos pedagógicos problematizadores, dialógicos, libertadores, emancipatórios e críticos com produção e disseminação de conhecimentos e saberes (BRASIL, 2017). Possui como diretriz, o estímulo à articulação interinstitucional e intersetorial, com a maior parte do tempo de trabalho destinado para implementar ações. Possui como característica importante a capacidade de adaptação no decorrer do processo, tendo em vista requisitos dinâmicos e entregas de resultados em partes (Sprints). Atualmente, o NEPS funciona em uma sala na estrutura administrativa da Secretaria Municipal de Educação (SEMED). Sua equipe é composta por 01 enfermeira, 01 técnica em enfermagem, 01 profissional bacharel em direito e é assessorada por uma sanitarista e epidemiologista com formação e experiência nas áreas da vigilância em saúde, gestão pública e direito sanitário. O núcleo conta com a seguinte estrutura administrativa: disponibilidade de veículo com motorista compartilhado, 03 notebooks, 01 impressora, 02 celulares de uso institucional, acesso às plataformas de tramitação eletrônica de processos (1doc) e de gestão escolar (SAGRES), além de apoio quando necessário de profissionais de comunicação e assessoria jurídica. A equipe NEPS é orientada tecnicamente pelas diretrizes da Secretaria Municipal de Saúde (SESAU), especialmente no que diz respeito às ações de imunizações que são sempre planejadas e executadas respeitando o calendário letivo escolar e em conjunto com a equipe técnica da VIEP/SESAU, tendo como apoiadores fundamentais, os gestores das unidades escolares. Entre os meses de meses de novembro de 2022 e fevereiro de 2023, foi possível avaliar o registro vacinal de rotina e de campanhas de cada aluno, visando analisar a regularidade vacinal no contexto da matrícula 2023, tendo em vista a Portaria Conjunta SESAB/SEC Nº 01 de 29 de agosto de 2018 que dispõe sobre a obrigatoriedade da apresentação da carteira/cartão de vacinação em creches e escolas, em todo o território do Estado da Bahia para efetivação das matrículas nas unidades escolares. Foram analisados 2570 cartões de vacina, com destaque para a baixa regularidade vacinal dos alunos (11,2%, considerando o total de alunos matriculados e 22,3%, se considerarmos o universo de cartões apresentados para checagem). Os registros foram organizados em banco de dados Excel e os achados apontaram para uma imperativa necessidade de priorização das estratégias de intensificação vacinal nas unidades escolares municipais em 2023. Acredita-se que o déficit preocupante na imunização das crianças tenha sido fortemente influenciado pela pandemia e pela politização equivocada do tema vacinas por parte de alguns governantes, fato amplamente discutido pela comunidade científica no país. A devolutiva da situação vacinal de cada criança matriculada na rede municipal de ensino foi feita através de listagens de alunos que não apresentaram os cartões de vacina, alunos com situação vacinal regular e com situação vacinal irregular, além das análises de indicadores de cobertura vacinal enviadas para cada gestor escolar via plataforma de tramitação eletrônica de processos. Cada escola emitiu comunicados para pais/responsáveis de alunos que não apresentaram cartões de vacina no prazo estabelecido; certificados de vacinação com reforço positivo para aqueles com situação regular e declaração de alerta de checagem vacinal para aqueles com pendências de vacinas indicadas para a respectiva faixa etária, recomendando o comparecimento imediato à USF de referência. Os vacinadores foram orientados a carimbar e datar os cartões de vacina, assim que atualizados e os pais/responsáveis a entregarem nova cópia atualizada do cartão na unidade escolar, o mais oportunamente possível. As listagens de checagem vacinal contendo informações de nome e cartão SUS foram remetidas para a Coordenação do Programa Saúde na Escola (PSE) da SESAU para que fossem lançadas como ações do referido programa.
A publicação de Silva et. al (2023), ao sintetizar estudos sobre hesitação no contexto da vacinação contra COVID-19, concluiu que práticas de educação em saúde que envolvam, além dos profissionais de saúde, escolas e lideranças da comunidade são fundamentais para promover melhor compreensão dos benefícios da vacinação, combater a hesitação vacinal e melhorar a aceitação na população em geral. A escola tem apresentado, ao longo do tempo, diversas significações da sua função social, missão e organização. Atualmente apresenta-se como um espaço social no qual são desenvolvidos processos de ensino-aprendizagem que articulam diversos saberes e novas concepções de práticas educativas em saúde, considerando determinantes sociais de saúde-doença, atores sociais e o território. As ações apresentadas parecem simples, mas demandam planejamento, monitoramento e avaliação continuada, além de motivação e apropriação de novos processos de trabalho integrados entre diferentes instituições. O engajamento de servidores, estudantes e pais/responsáveis com a responsabilização pelo autocuidado, implica em criar condições para acolher demandas, facilitar o acesso e promover as ações priorizadas. É importante destacar que a proposta do NEPS é viável e tem considerável potencial para contribuir positivamente com a transformação da realidade, com melhor gerenciamento dos riscos e das informações divulgadas, melhoria das coberturas vacinais e das condições de saúde da comunidade escolar. O acesso à saúde e à educação, enquanto direitos humanos, são fundamentais para o exercício da cidadania. O estímulo às ações integradas e intersetoriais favorecem a implantação de Escolas Promotoras de Saúde, as quais, a partir de uma visão crítica da saúde, possibilitam a opção por estilos de vida mais saudáveis, integrando os aspectos biopsicossociais e culturais por parte da comunidade escolar (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE, 1996). REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Saúde. Escolas Promotoras de Saúde: experiências do Brasil / Ministério da Saúde, Organização Pan-Americana da Saúde. – Brasília: Ministério da Saúde, 2007. 304 p. BRASIL. Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS). Portaria de Consolidação nº 2, de 28 de setembro de 2017. BRASIL. Ministério da Educação. Programa Saúde nas Escolas. Disponível em: Acesso em out 2022 CONASEMS. Pesquisa nacional sobre cobertura vacinal, seus múltiplos determinantes e as ações de imunização nos territórios municipais brasileiros. Disponível em: Acesso em 14 abr 2023 FOGGETTI, C.. Gestão ágil de projetos. São Paulo: Perason Education do Brasil, 2014. GALHARDI C. Fake news e hesitação vacinal no Brasil [Fake news and vaccine hesitancy in Brazil]. Cien Saude Colet. 2023 Mar;28(3):962. Portuguese. doi: 10.1590/1413-81232023283.00182023. PMID: 36888879. IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Brasileiro de 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2012. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ba/amargosa Acesso em 14 abr 2023 ORGANIZACÍON PANAMERICANA DE LA SALUD. Escuelas promotoras de salud: modelo y guía para la acción. OPS/OMS: Washington, DC, 1996. (HSP/SILOS-36). SILVA GM et. al. COVID-19 vaccination challenges: from fake news to vaccine hesitancy. Cien Saude Colet. 2023 Mar;28(3):739-748. Portuguese, English. doi: 10.1590/1413-81232023283.09862022. Epub 2022 Sep 24. PMID: 36888858. SUCCI RCM. Recusa de vacina – o que precisamos saber. J Pediatr (Rio J). 2018 Nov-Dez;94(6):574-581. DOI: 10.1016/j.jped.2018.01.008. EPub 2018 Abr 12. PMID: 29654748.
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