A judicialização da Saúde é um fenômeno crescente no Sistema Único de Saúde (SUS), com impactos diretos na gestão, no orçamento e na organização da assistência. No município de Prata-PB, observou-se a necessidade de fortalecer a capacidade de resposta técnica e humanizada frente às demandas judiciais, muitas vezes desproporcionais à realidade local. Inspirado pelo projeto de dissertação do curso de Mestrado em Políticas Públicas em Saúde, em desenvolvimento na Fiocruz Brasília, o município implantou uma estratégia de mediação sanitária intra-SUS, com o objetivo de construir soluções pactuadas entre usuários, gestores e profissionais de saúde, evitando ou minimizando a judicialização, e qualificando sua condução quando inevitável. Aplicada dentro do próprio sistema, sem a ingerência de agentes externos, a mediação intra-SUS amplia o acesso, fortalece a corresponsabilidade e valoriza o protagonismo dos sujeitos do SUS, promovendo decisões compartilhadas, técnicas e dialogadas. A estratégia é apoiada por ações de educação permanente, com uso de protocolos clínicos e evidências científicas, e tem fortalecido a articulação intersetorial e o uso racional dos recursos do SUS. Esse projeto surgiu da compreensão de que a integração da pesquisa científica como parte essencial do serviço resulta na produção de conhecimento diretamente aplicável à realidade da gestão e do cuidado. A experiência reafirma que é possível enfrentar a judicialização com ética, escuta qualificada, pactuação e foco na resolutividade e sustentabilidade do cuidado. Apresentar a implantação da mediação sanitária intra-SUS como estratégia de gestão das demandas judiciais de saúde no município de Prata-PB. Reduzir ou evitar a judicialização por meio de um diálogo entre representantes da gestão do SUS e o usuário, sem a participação de agentes externos, em busca de alternativas terapêuticas baseadas em evidências científicas e disponíveis na rede SUS. Fortalecer o protagonismo dos sujeitos do sistema — usuários, gestores e profissionais — na construção dialogada de soluções. Integrar os setores da Secretaria Municipal de Saúde em torno de um fluxo pactuado, com apoio da educação permanente. Contribuir para o desenvolvimento de práticas inovadoras, resolutivas e sustentáveis na gestão do cuidado em saúde. Trata-se de um relato de experiência da instalação de um Núcleo de Mediação Sanitária em um município de pequeno porte localizado na região Nordeste, com o objetivo de reduzir a judicialização da saúde. A experiência foi estruturada a partir da análise das demandas judiciais de medicamentos no município, que evidenciou fragilidades na comunicação entre setores, ausência de protocolos clínicos e baixa resolutividade assistencial. A partir desse diagnóstico, implantou-se um fluxo de mediação sanitária intra-SUS, envolvendo a assistência farmacêutica, a atenção básica, a regulação, o setor jurídico e a gestão municipal.
O aumento da judicialização da saúde em Prata-PB evidenciou fragilidades na resposta institucional e apontou a necessidade de fortalecer o diálogo técnico e humanizado com os usuários do SUS. A ausência de protocolos clínicos, a baixa integração entre setores e a desorganização no atendimento às demandas judiciais impulsionaram a criação de um Núcleo de Mediação Sanitária, como oportunidade de aperfeiçoar a gestão e promover soluções pactuadas, sustentáveis e baseadas em evidências.
Em janeiro de 2025, foi implementado um projeto piloto de mediação sanitária por meio da instalação de um Núcleo de Mediação no município de Prata – PB, formalmente instituído por meio de portaria (Portaria nº 030/2025). O núcleo foi estruturado com o objetivo de reduzir a judicialização da saúde e organizar as respostas às demandas assistenciais, e, nesse primeiro momento, circunscrito às demandas de acesso a medicamentos e exames/procedimentos. A equipe do núcleo é multiprofissional, composta por médico, enfermeiro, farmacêutico, assistente social e apoio jurídico. O Núcleo funciona de 8h às 13, de segunda à sexta-feira. O fluxo de atendimento é caracterizado pela demanda espontânea do usuário, que se dirige ao Núcleo para relatar sua situação. Após a escuta qualificada do usuário, realizada pelo assistente social, a demanda é e encaminhada para análise técnica dos demais profissionais do núcleo.
No caso de demandas por medicamentos, a solução passa pela verificação da possibilidade de substituição terapêutica com base nos protocolos clínicos; a localização do insumo na rede municipal ou estadual; e a viabilidade de acesso por meio da regulação. Para exames e procedimentos, busca-se a oferta na rede contratualizada ou regulada, verificando alternativas dentro do próprio SUS. Quando a demanda não pode ser solucionada por meio da rede pública, o assistente social agenda uma reunião entre o gestor municipal de saúde e o usuário, para a realização da mediação propriamente dita. Esse momento consiste em um diálogo direto, em que se avaliam os limites do sistema, as possibilidades administrativas e técnicas de atendimento à solicitação, e busca-se um consenso entre as partes, evitando-se o acionamento judicial.
Desde sua implantação, o núcleo já realizou mais de 80 atendimentos, sendo 45 referentes a medicamentos e 35 a exames e procedimentos. O gestor já participou de 15 audiências de mediação, das quais cerca de 90% resultaram em resoluções pactuadas com os usuários, sem necessidade de judicialização. Ainda são necessários avanços para que a comunidade compreenda o funcionamento do núcleo e se aproprie deste espaço. A adesão é voluntária, e a gestão reconhece a importância de investir na capacitação contínua dos profissionais que atuam como mediadores, garantindo uma abordagem qualificada, empática e resolutiva. Um ponto positivo da iniciativa foi a reorganização da força de trabalho: profissionais que antes atuavam de forma pulverizada no atendimento às demandas judiciais foram reunidos no núcleo, fortalecendo a resposta institucional à judicialização e promovendo maior integração entre os setores envolvidos.
Observou-se, ainda, que a partir da criação do Núcleo, lacunas de formação profissional quanto ao uso dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas passaram a ser abordadas com maior intencionalidade. Isso impulsionou a realização de encontros de educação permanente, como reuniões técnicas, rodas de conversa e oficinas voltadas à valorização das evidências científicas na prática clínica, ao uso racional de medicamentos e à conduta adequada diante das demandas da população.
A implantação da mediação sanitária no município resultou em maior organização da resposta às demandas, qualificação técnica das análises, fortalecimento do uso de protocolos clínicos e redução de judicializações evitáveis. Casos que anteriormente eram encaminhados diretamente ao Judiciário passaram a ser resolvidos por meio de pactuação direta com os usuários. A experiência também fortaleceu a integração entre os setores da saúde e o jurídico, estimulando uma atuação mais técnica, horizontal e resolutiva. A educação permanente ampliou o envolvimento das equipes e reforçou o uso racional dos recursos. Além disso, a mediação sanitária contribuiu para a humanização do cuidado, ao promover a escuta ativa, o diálogo e a corresponsabilização dos atores envolvidos. A institucionalização do núcleo representa um importante passo para a consolidação de práticas inovadoras e sustentáveis no SUS, reforçando o compromisso com a equidade e a eficiência na gestão pública da saúde.
A experiência desenvolvida no município de Prata-PB evidencia que é possível enfrentar os desafios da judicialização da saúde a partir de uma abordagem pautada na ética, na técnica e no diálogo qualificado, mesmo em contextos marcados pela escassez de recursos e limitações estruturais. A mediação sanitária intra-SUS consolidou-se como uma estratégia potente de cuidado, planejamento e gestão, capaz de articular diferentes setores, reduzir litígios desnecessários e promover soluções pactuadas. Ao valorizar o protagonismo dos sujeitos do SUS, fomentar a tomada de decisão compartilhada e integrar ações de educação permanente baseadas em evidências clínicas, a iniciativa contribuiu diretamente para a qualificação da atenção, a racionalização do uso dos recursos públicos e o fortalecimento do SUS enquanto sistema público, resolutivo e sustentável. Além disso, o vínculo entre prática e conhecimento científico — a partir da aplicação de evidências no cotidiano da gestão municipal — reforçou o potencial transformador da articulação entre teoria e prática na formulação de soluções legítimas, contextualizadas e duradouras. A experiência de Prata-PB, portanto, revela-se não apenas replicável, mas também inspiradora para outros territórios que buscam caminhos inovadores e democráticos para qualificar a resposta pública às demandas em saúde.
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