- Promoção da Saúde
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- 31 out 2024
Ainda persiste o desafio enfrentado pelo campo da Saúde Mental na Infância e Adolescência no Brasil, evidenciado pela escassez de Políticas Públicas e pela falta de recursos financeiros adequados para o cuidado e assistência a essa faixa etária. O cenário contraria os expressivos índices já demarcados pela OMS e UNICEF, que indicaram um aumento significativo de crianças e adolescentes com quadros associados a algum tipo de sofrimento psíquico de 2019 a 2023. Essa preocupação torna-se ainda mais evidente quando se analisa o indicador de raça, revelando um quadro alarmante da saúde mental infantojuvenil negra no país. A análise desse cenário ainda demanda a consideração dos determinantes sociais de saúde, que estão intrinsecamente associados aos agravos em saúde e são de difícil acesso para essa população. Em consequência, observamos a correlação entre o racismo e o sofrimento psíquico. Em 2021, após uma abordagem truculenta pela polícia a um adolescente preto do CAPS 2 infantojuvenil de Santo André (SP), em plena luz do dia, na presença da equipe e outros adolescentes, sob justificativa que eles se encontrava de moletom, o debate sobre o racismo ressurgiu de forma contundente na equipe. Esse incidente evidenciou a escassez de diretrizes no campo da Política Pública em Saúde Mentais relacionadas a esse tema. Os profissionais pretos, que já haviam vivenciado experiências semelhantes, perceberam a necessidade de estabelecer um espaço psicossocial voltado para o debate, escuta, acolhimento, empoderamento, resgate de história e cultura africana, bem como orientações específicas para os adolescentes negros inseridos no serviço, o que levaria a criação do Grupo Terapêutico Escurecendo Ideias. O grupo se reúne a cada quinze dias no CAPS 2 infantojuvenil, podendo também ocorrer em locais dentro do território de circulação e vivência dos usuários. Ou ainda, pode ser realizado em pontos culturais e artísticos como museu, parques, praças, dentre outros locais elencados pelos participantes. Os familiares e responsáveis são participantes ativos, compreendendo que, em sua maioria, atravessaram e/ou atravessam as mesmas questões de suas crianças e adolescentes. O trabalho é exclusivamente conduzido por profissionais pretos do serviço, o que garante de imediato identidade e representatividade para os participantes. Durante os encontros, são explorados temas relacionados à história e cultura africanas, utilizando diversas formas de expressão, como discussões sobre o cotidiano, atividades no território, exibição e análise de filmes, vídeos e literatura do povo preto. Algumas atividades visam promover uma ressignificação a partir do espelho, na busca de ressaltar a beleza e fortalecer a autoestima, como as atividades pontuais das oficinas de cabelo e maquiagem, nas quais se coloca em destaque as tranças e o cabelo black power como expressões poderosas da identidade e da estética afrodescendente. Há ainda, a participação de convidados que compartilham história e experiências. Este processo proporciona trocas e diálogos sobre as vivências diárias.
No campo da saúde mental, a urgência em abordar a pauta do racismo é incontestável, dada a complexidade das questões envolvidas. A realidade da população preta é marcada por violência e desigualdades múltiplas, estigmas e preconceitos que reverberam diretamente em questões do sofrimento psíquico. Experiências de discriminação e preconceito podem desencadear quadros de estresse, ansiedade, depressão, ideação suicida e abuso de drogas (lícitas e ilícitas). Ignorar este cenário implica em desassistir esta população, não oferecendo suporte adequado para o cuidado. Quando se trata de crianças e adolescentes, o racismo pode ter impacto significativo no desenvolvimento psicológico, emocional e das habilidades sociais, proporcionando consequências negativas e distorções na imagem e autoestima, perdurando por anos. O Grupo Escurecendo Ideias tem como objetivo criar um ambiente, a partir das diretrizes do modelo de atenção psicossocial e dos direitos humanos, dedicado à troca de ideias, atenção, apoio, fortalecimento da identidade e reconexão com a história e cultura africanas. O intuito é proporcionar um espaço seguro e inclusivo, fortalecimento e protagonismo da identidade e da autoestima, e enfrentamento de situações adversas, como aquelas relacionadas ao racismo e discriminação.
Os resultados desse trabalho vêm sutilmente surtindo efeitos na autoestima, no fortalecimento da identidade e na saúde mental dos participantes. A criação de um espaço conduzido exclusivamente por profissionais pretos proporciona identificação ,representatividade, ambiente de acolhimento seguro e troca enriquecedora. Além disso, as atividades como debates, passeios e oficinas de beleza têm se mostrado profícuas na promoção do empoderamento e no enfrentamento ao racismo. O grupo contribui para a construção de redes de apoio e amizades, promovendo um ambiente de aprendizado compartilhado e de desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais. Entre as experiências exitosas, destaca-se da adolescente P., 15 anos. Inicialmente, P. enfrentava desafios consideráveis, incluindo a dependência química dos pais, a sua ida para o abrigo, além do uso de substâncias psicoativas. Ao integrar o grupo, P. encontrou um ambiente que fortaleceu sua autoestima, a partir da identificação com profissionais e nas rodas de conversas com outros usuários que compartilhavam experiências semelhantes. O grupo promoveu o senso de pertencimento por meio de visitas a museus, teatros e salões de beleza afro. Destaca-se o desenvolvimento de um projeto de vida junto com P., mostrando um compromisso com seu crescimento pessoal. O avanço terapêutico foi observado a partir do envolvimento ativo, inclusive ajudando novos usuários que se juntaram ao grupo. Os resultados positivos extrapolaram o âmbito do grupo, refletindo-se em melhorias escolares, participação em cursos e a conquista de um emprego como jovem aprendiz.
O Grupo Escurecendo Ideias não se limitou à intervenção terapêutica diante do sofrimento psíquico, mas também se destacou por promover o empoderamento, ao oferecer um ambiente seguro, pautado na identidade e representatividade proporcionadas por profissionais exclusivamente pretos. Esse ambiente seguro se tornou fundamental para o fortalecimento e ampliação do repertório de recursos psíquicos, através da história e cultura do provo preto contada por iguais, promovendo o o enfrentamento de situações adversas, reconhecimento, orgulho e autoestima, apresentando-se como prática exitosa facilmente replicável em outros serviços de saúde mental no país.
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