- Gestão de Serviços e Sistemas de Saúde
Danyelle Siu lan de Souza Negrão,
- 03 set 2024
Amapá
Apesar dos múltiplos conceitos de Redução de Danos (RD), como relatado no excelente “DROGAS E REDUÇÃO DE DANOS: uma cartilha para profissionais de saúde” (São Paulo, 2008, pg11), e apesar dos constantes ataques de descrédito, ela é uma estratégia fundamental, para efetuarmos as ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, abrangendo a promoção e a proteção da saúde, a prevenção e/ou redução de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, e a manutenção da saúde com o objetivo de desenvolver uma atenção integral que impacte positivamente na situação de saúde das coletividades como preconizado pelo MS, para toda a APS.
Cientes que a mais de 20 anos as ações de RD no Município foram iniciadas, “A partir de junho de 2002, o município de Santo André organizou suas primeiras ações de redução de danos, tendo como público principal as crianças e adolescentes em situação de exploração sexual que, na sua grande maioria, o fazem em troca de facilidades para se conseguir cocaína e crack” (Silva, 2009) e de que há 10 anos, a Unidade de RD, se tornou a Unidade de Consultório na Rua.
Baseamo-nos, no conceito de RD como: Uma estratégia de saúde pública, pautada no princípio da ética do cuidado, que visa diminuir as vulnerabilidades de risco social, individual e comunitários, decorrentes de comportamentos nocivos, reconhecendo o usuário em suas singularidades e construindo com ele estratégias, focadas na defesa de suas vidas, efetivamente incorporada nas ações do cotidiano do cuidado. Reconhecendo cada Munícipe em sua singularidade e garantindo seus direitos de cidadão uma vez que os mantém como protagonista, e o serviço atuando como fortalecedor de novas atitudes de vida, no qual o vínculo é encarado como estratégia primando à autonomia.
Efetuar, garantir e perpetuar, o cuidado em saúde, dos munícipes em situação de rua, do município de Santo André SP, tendo como norteadora a Política de Redução de Danos. Que nos facilita garantir a universalidade de acesso, integralidade de assistência, preservação da autonomia das pessoas, a assistência à saúde sem preconceitos ou privilégios e com equidade, o direito à informação, o estabelecimento de prioridades pela epidemiologia e com a participação dos munícipes atendidos.
Sustentar o cuidado em uma via de mão dupla, com usuário procurando o serviço e/ou o serviço realizando a busca ativa dele no território. Sempre mantendo e fortalecendo os vínculos culturais e comunitários dos usuários, seguindo a lógica de território e rede do conceito de Clínica Ampliada.
E assim garantir a Equidade e expandir o acesso ao Sistema Único de Saúde, da população de maior vulnerabilidade do município.
Metodologia:
Desde a implantação como Programa de RD, com os profissionais focando no cuidado em liberdade e no desejo dos atendidos, seguindo uma abordagem de baixa exigência, que aceita, reconhece e estimula o protagonismo e a emancipação dos usuários, assim criando uma forte parceria.
Baseamos os atendimentos em tecnologias leves (Merhy, 2002), sem a obrigatoriedade de fornecimento inicial dos dados pessoais, mas garantindo os constantes encontros até que a confiança se estabeleça e o/a munícipe aceite fornecer esses dados. Ou aceitando realizar cuidados difíceis, como um pré-natal na rua, mas convidando a gestante a participar como protagonista desse processo e informando sempre de forma clara, objetiva e sem julgamentos os riscos implicados.
No CR o próprio processo de construção do PTS, é realizado seguindo a baixa exigência, com metas simples e de fácil realização e que se inicia com o diálogo de questões básicas de saúde, como acesso a água potável. O que muitas vezes é feito enquanto oferecemos água para beber.
O levantamento do histórico da pessoa, também não é obrigatório para o cuidado, sendo uma conseqüência de uma boa aliança, e muitas vezes a Planilha de Cadastro Individual do E-sus, leva meses para ser plenamente preenchida.
As parcerias com outros serviços são fundamentais, ampliando as possibilidades de acesso a cuidados que vão além da saúde, diminuindo a exclusão social e possibilitando o encontro com outras formas de cuidados. Possuímos fluxogramas de atendimento conjunto com o CAPS AD e com o Hospital da Mulher, realizamos visitas constantes aos usuários durante as internações nas UPAS, e fortes parceria com o Centro Pop, onde realizamos regularmente atendimentos, a todos que desejarem, aproveitando para fazer educação em saúde nesses dias.
Os resultados quantitativos, de uma experiência tão ampla, são difíceis de definirmos, mas utilizando os Registros do SISAB / E-SUS, para levantamentos das informações, podemos citar os seguintes dados:
Foram registradas na Rua, 137 consultas de Pré Natal, 317 coletas para baciloscopia de TB, 307 atendimentos para testagem de ISTS, e um foco significativo nas avaliações de uso de álcool 6.439, outras drogas 7.849, saúde mental 4.580 e tabagismo 4.518, refletindo o comportamento dos nossos atendidos e a dura realidade das ruas. Além disso tivemos 15 consultas de avaliação de obesidade, o que desmistifica a ideia de que todos na rua só sofrem de desnutrição e nos demonstra que a baixa qualidade de alimentação também pode trazer problemas.
É possível compreendermos que pelo vinculo de confiança e reconhecimento do direito a acesso a saúde, estabelecido ao longo dos últimos 10 anos, o número de Atendimento Individual e Atividades Coletivas segue em crescimento, pois não houve um aumento do número de pacientes atendidos, afinal nossos números de Cadastro Individual se mantêm relativamente estável e não tivemos grandes oscilações em números de funcionários. E mesmo em 2023, em que tivemos demora no cadastro dos profissionais novos, os números das atividades coletivas permanecem e os números de participantes aumentam, pois não tivemos troca dos Redutores de Danos que são os principais responsáveis pelas atividades de educação em saúde.
Além disso temos o fato que em 10 anos, nunca um trabalhador da equipe sofreu qualquer violência física, pois o vinculo e a proximidade com os usuários do serviço, sempre foram conquistado pelo respeito mútuo, estabelecido nos atendimentos, respeitando os desejos dos munícipes e o limite de atuação dos trabalhadores.
Mesmo com as mudanças de gestão, podemos compartilhar nossa experiência de manter a Redução de Danos como Política Norteadora do cuidado, dos munícipes em Situação de Rua em nossa cidade, só mantida pelo comprovado acesso, qualidade e efetivação do cuidado.
É sabido que essas estratégias são passiveis de serem replicadas por qualquer unidade de saúde, de forma integral na atenção primária e com pequenas adaptações para unidade de atenção secundária, hospitalares e de urgência.
Concluímos que evitando julgamentos morais e oferecendo uma variedade de políticas e de procedimentos que visam à redução das consequências prejudiciais dos comportamentos de risco, a Unidade de Consultório na Rua, focada na Redução de Danos, busca garantir a reinserção dos usuários em seus núcleos sociais, melhorando sua qualidade de vida e o acesso a direitos fundamentais, realizando parcerias com as redes de cuidado e com os munícipes, inclusive realizando ações no território partindo da necessidade e a pedido dos pacientes, mantendo assim, o processo de construção de estratégias mais seguras, adaptáveis e eficazes de autogestão e autocuidado, necessariamente incluindo o protagonismo e a emancipação do usuário, que é conhecedor de si mesmo e do seu território.
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