Práticas integrativas e cultura de paz na educação: o caso de Santa Cruz Cabrália na voz dos educadores

Resumo
Este artigo apresenta um relato de experiência sobre a introdução das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) na rede municipal de educação de Santa Cruz Cabrália (BA), articuladas com o Programa Saúde na Escola (PSE) e o movimento de Cultura de Paz e Justiça Restaurativa. A partir de registros digitais, orais e memoriais, destaca-se o protagonismo de professores, gestores e terapeutas que integraram ações de cuidado emocional e práticas como os florais de Bach, meditação, terapia comunitária integrativa e constelação familiar no cotidiano escolar. O relato da professora Angélica Piedade Lyrio, com mais de 30 anos de atuação na cidade, é utilizado como base fenomenológica para refletir sobre os impactos sistêmicos da inclusão das PICS na educação pública.
Palavras-chave: Práticas Integrativas, Educação, Cultura de Paz, Saúde Escolar, Relato de Experiência, Inclusão.

1. Introdução
O município de Santa Cruz Cabrália, localizado no sul da Bahia, tornou-se referência no uso ampliado das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS), articulando educação, saúde e cultura de paz desde 2012, ano da implantação do Programa Saúde na Escola (PSE). A iniciativa foi conduzida por uma equipe interprofissional que atuava na Atenção Básica e no CAPS, e contou com o apoio da Secretaria Municipal de Educação, lideranças comunitárias e núcleos do Sistema de Justiça Restaurativa (como o CEJUSC).
Desde o início, o foco foi o cuidado integral, não apenas físico, mas emocional e relacional. As práticas adotadas extrapolaram os limites convencionais da saúde, alcançando também o cotidiano escolar, com destaque para a introdução de florais, meditação, rodas de escuta, constelações familiares e atendimento a alunos com necessidades especiais.
Neste contexto, a voz da professora Angélica Piedade Lyrio, atuante na rede há mais de 30 anos, representa não apenas uma memória institucional, mas um testemunho afetivo e pedagógico sobre a evolução das práticas de cuidado na escola. Seu depoimento, registrado em podcast e transcrito neste artigo, revela os sentidos e alcances dessa experiência singular de educação e saúde integradas.

2. A Experiência na Voz da Professora: Um Olhar Sistêmico
“Para me apresentar, posso dizer que estou na profissão certa, pois amo muito ser professora”, afirma Angélica. Em seu relato, ela demonstra como sua vivência como educadora em Cabrália foi profundamente entrelaçada com os processos de inovação pedagógica e inclusão sistêmica promovidos pelas PICS.
Ao comentar sobre a parceria com Diego da Rosa Leal e a equipe dos Projetos especiais e CAPS, em 2012, no início do PSE, Angélica destaca o papel da persistência e visão:
“Você foi a pessoa principal para iniciar todo esse processo… conseguiu articular, agregar, puxar, trazer, buscar e persistir. E hoje percebemos um alcance como o que temos hoje.”
Para a professora, o projeto não apenas introduziu ferramentas de cuidado emocional, mas gerou um novo paradigma de convivência nas escolas:
“Existem tantas pessoas ainda precisando desse cuidado que você ajudou a organizar nesse sistema e que ainda não conhecem… quanto mais pessoas alcançarmos, melhor.”
Sua fala resgata o propósito original das práticas integrativas: alcançar quem sofre, muitas vezes em silêncio, com sobrecarga emocional, exclusão e invisibilidade. Como profissional da sala de recursos multifuncionais e do AEE (Atendimento Educacional Especializado), Angélica integra diariamente práticas de escuta, empatia e conexão:
“Para você conseguir essa relação, essa interação, você precisa investir em conexão.”
Ela também afirma que autoconhecimento e inclusão são palavras-chave de sua prática docente. A proposta de cultura de paz, portanto, emerge como resposta concreta aos desafios do cotidiano escolar – especialmente quando envolve alunos neurodivergentes, com deficiência intelectual ou histórico de trauma.
Ao final do podcast, Angélica deixa uma mensagem profunda:
“Imaginem um mundo onde todo mundo se preocupa em cuidar do outro; quem vai ficar sem ser cuidado?”
Essa ética do cuidado, que se traduz em práticas como a comunicação integrativa, sistêmica, compassiva, empática, a escuta ativa, os florais e a conexão entre profissionais, revela o núcleo do movimento de cultura de paz em Cabrália.

3. A Educação que Floresce: O Relato da Professora Alessandra Alves
A trajetória das PICS na educação de Santa Cruz Cabrália ganha ainda mais profundidade na voz da professora e assistente social Alessandra Alves, ex-diretora de escola e atual coordenadora da Fundação Meu Lar. Seu depoimento evidencia o impacto direto do uso dos florais de Bach no cotidiano escolar e comunitário, especialmente após a formação recebida no curso promovido em parceria com a professora Lizete Maria de Paula, referência nacional no campo.
“Diego, é uma história bonita. E começou com a sua persistência quando você me chamou para fazer esse curso, que ninguém acreditava e ninguém entendia o que que era o curso de Floral. […] Mas quando foi iniciado o curso e que a gente viu ‘a Fadinha’, […] ela começou a dizer que aquela essência de flores faria milagre… e fazia.”
O relato de Alessandra revela não apenas o efeito subjetivo do cuidado, mas a evidência empírica da transformação de comportamentos em alunos e colegas da escola onde atuava:
“Eu cansei de aplicar [os florais] em alunos, nos colegas. E no dia seguinte, todo mundo queria um pouco do floral. ‘É a água milagrosa’, era assim que eles falavam.”
Além dos efeitos calmantes e reguladores da ansiedade, a professora reforça o impacto terapêutico e mobilizador das essências florais sobre a expressão emocional e o posicionamento pessoal:
“Tomei um floral que a Lizete indicou, porque eu estava muito calada. […] Em uma semana eu falei tudo que estava preso. […] Ele modifica mesmo, Diego. Tanto ele tranquiliza, quanto ele nos posiciona.”
Esse depoimento contribui de forma poderosa para a validação popular e profissional das PICS como tecnologias de cuidado emocional no ambiente escolar, especialmente em contextos de vulnerabilidade social, pós-trauma e agitação psíquica entre estudantes.

4. Metodologia
Este artigo adota o método do relato de experiência com abordagem fenomenológica, amparado em fontes orais, digitais, registros audiovisuais e memoriais institucionais do território de Santa Cruz Cabrália (BA). A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas em formato de podcast, com professores da rede pública de ensino envolvidos diretamente na implantação e aplicação das Práticas Integrativas e Complementares de Saúde (PICS) no ambiente escolar.
Os depoimentos da professora Angélica Piedade Lyrio, com mais de 30 anos de atuação, e da professora Alessandra Alves, também assistente social e ex-gestora escolar, constituem o material empírico central deste estudo. Ambos foram transcritos integralmente e utilizados como fontes primárias de análise.
A metodologia inclui ainda uma abordagem de história oral temática, arquivada digitalmente, na qual os relatos individuais são compreendidos dentro do contexto coletivo de transformação social, promovida pelo alinhamento entre o Programa Saúde na Escola (PSE), o CEJUSC/Npics, o CAPS e a Secretaria Municipal de Educação.

5. Discussão
A experiência de Santa Cruz Cabrália evidencia a potência das PICS enquanto tecnologias leves e relacionais no campo da educação, contribuindo significativamente para o cuidado emocional, a redução de conflitos e a construção de uma cultura de paz no ambiente escolar.
5.1 Educação, Saúde e Cuidado: Um Campo de Convergência
Como ensina Paulo Freire, a educação libertadora pressupõe o reconhecimento do outro como sujeito da sua própria cura. Isso se realiza quando o professor se compromete com a escuta, a acolhida e o estímulo ao autoconhecimento – exatamente como ilustrado nos relatos das professoras Angélica e Alessandra.
Além disso, práticas como o uso dos florais de Bach, a escuta ativa, a imposição de mãos e a constelação familiar escolar dialogam com o que Adalberto Barreto define como “tecnologias comunitárias de cuidado”, desenvolvidas para responder às dores existenciais com leveza, circularidade e pertencimento.
5.2 Práticas Integrativas como Pontes de Inclusão
No relato de Alessandra, destaca-se a transformação de alunos com ansiedade e agitação a partir do uso dos florais. Esse efeito coincide com os estudos da Plataforma Brasil que validam o uso terapêutico das PICS no campo da saúde mental escolar (SILVA et al., 2021; BARBOSA & FRAGA, 2022).
A abordagem sistêmica de Bert Hellinger, amplamente adotada nos círculos restaurativos e nas constelações familiares escolares em Cabrália, também se mostra presente na postura pedagógica das professoras entrevistadas, que integram inclusão, espiritualidade e práticas de autocuidado em seu fazer docente.
5.3 A Escola como Território de Cura
Os depoimentos revelam que a escola, longe de ser apenas um espaço de ensino-aprendizagem, é um verdadeiro território terapêutico quando se permite a atuação conjunta de profissionais da educação, da saúde e da justiça.
A cultura de paz não é um discurso, mas uma prática diária que se manifesta em gestos, intervenções e escutas – seja na distribuição de florais, seja no acolhimento dos alunos neurodivergentes, seja no afeto compartilhado nas salas de aula.

6. Considerações Finais e Recomendações

A experiência relatada em Santa Cruz Cabrália representa uma inovação no campo da gestão pública intersetorial, mostrando que é possível integrar educação, saúde mental e justiça restaurativa com base em práticas acessíveis, seguras e culturalmente significativas.
Recomendações principais:
Institucionalizar formações permanentes para professores em práticas integrativas reconhecidas pelo SUS.
Ampliar o diálogo com a comunidade religiosa, como forma de combater preconceitos e ampliar a aceitação de práticas como os florais, a imposição de mãos, a constelação familiar, a medicina tradicional chinesa, entre outras Pics.
Criar núcleos de Cultura E Paz nas escolas, articulados com o CEJUSC, CAPS e Secretaria de Saúde.
Registrar e divulgar os relatos de professores como fontes válidas de inovação pedagógica e clínica.
Investir em pesquisas longitudinais para avaliar os efeitos das PICS sobre a saúde mental e o desempenho escolar.

Referências
BARBOSA, S. M.; FRAGA, T. L. O uso dos florais de Bach em escolas públicas: uma abordagem integrativa da saúde mental. Revista Brasileira de Práticas Integrativas, v. 7, n. 2, 2022.
BARRETO, A. Terapia Comunitária Integrativa: uma construção coletiva. Fortaleza: Gráfica LCR, 2013.
BACH, E. Cura-te a Ti Mesmo. 3. ed. São Paulo: Pensamento, 2019.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Paz e Terra, 2014.
HELLINGER, B. A Simetria Oculta do Amor. Cultrix, 2010.
MINISTÉRIO DA SAÚDE (Brasil). Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS – PNPIC: ampliação do acesso. 2. ed. Brasília, 2018.
MORIN, E. A Cabeça Bem-Feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Bertrand Brasil, 2022.
PRANIS, K. The Little Book of Circle Processes: A New/Old Approach to Peacemaking. Revised ed. Harrisonburg, VA: Good Books, 2014.
SILVA, A. R. et al. Práticas Integrativas no contexto escolar: experiências em territórios de vulnerabilidade. Cadernos de Saúde Pública, v. 37, n. 11, 2021.
UNESCO. Manual de Cultura de Paz e Não-Violência. Brasília: UNESCO Brasil, 2019.
ZEHR, H. The Little Book of Restorative Justice. Revised & Updated ed. Harrisonburg, VA: Good Books, 2015.

autor Principal

Diego da Rosa Leal

npicscabralia@gmail.com

Enfermeiro Terapeuta Sistêmico

Coautores

Autor: Diego da Rosa Leal Coautores: Angélica Piedade Lyrio e Alessandra Alves

A prática foi aplicada em

Todo o Brasil

Esta prática está vinculada a

Forum Jutahy Fonseca, Santa Cruz Cabrália - BA, Brasil

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Instituição Pública

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Diego da Rosa Leal

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22 jul 2025

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