O estudo tem por finalidade a descrição de uma experiência de cuidado em saúde mental de alta complexidade em decorrência de várias situações de vulnerabilidades, propõem também o fortalecimento da rede e a reflexão sobre a qualificação do acolhimento, bem como a construção do PTS (Projeto Terapêutico Singular) envolvendo a intersetorialidade. Em sua prática diária, o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas (CAPS-ad) busca atender os usuários de forma singular valorizando a história da pessoa e suas necessidades. Neste estudo de caso a UBS (Unidade Básica de Saúde), solicita ao Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas (CAPS-ad) apoio para o manejo de um caso complexo. A ação se desenvolveu no segundo semestre de 2016 quando a epidemia de dengue encontrava-se em fase latente, se instalou uma situação de alerta neste território, segundo relato da UBS um morador vinha causando transtorno à comunidade, acumulando em sua residência lixo orgânico e recicle em grande quantidade. Sendo este um usuário psicótico que há mais de 2 anos estava desassistido pela rede de saúde, por ser considerado violento, agressivo, usuário de drogas e de difícil relacionamento. Recebeu da UBS a informação que o usuário residia sozinho e tinha algumas características peculiares, andava sempre pintado com tinta verde, puxando um carrinho de mão feito de madeira, acompanhado de três cachorros bem cuidados, caminhava dia e noite trazendo entulhos para sua residência e quando estava em casa fazia do local um moco onde usuários de drogas psicoativas reuniam-se para o uso. O primeiro contato foi realizado através de busca ativa, quando avistado um indivíduo com as mesmas características, os profissionais envolvidos tem a sutileza de abordá-lo com um olhar generalista. Através da percepção do zelo que este usuário mantinha com seus animais entendeu-se que uma das estratégias de aproximação seria acolher e cuidar também de seus cachorros, pois foi através desta estratégia que o vínculo foi se formando. A partir da relação com os animais ocorreu a aproximação e iniciou-se um processo de cuidado diferenciado, respeitando o direito do usuário. Quando se tem a percepção que a baixa exigência no acolhimento e a alta qualidade de ofertas e serviços constituem uma ferramenta fantástica e consegue mapear estratégias de cuidado baseadas em uma das diretrizes do SUS, a equidade. Percebe-se que muitas vezes na busca por resultados passa-se despercebido o sofrimento psíquico do indivíduo e a sua demanda de cuidado. Desta forma através da singularidade das ações observa-se que as necessidades do sujeito são legitimadas e não as necessidades das instituições. Neste estudo identificou-se que a comunidade e os demais serviços da rede tinham um único direcionamento de ações, o acumulo de lixo, sem pactuar ações com o usuário. Qualquer que seja a iniciativa, dentro ou fora do serviço.
As experiências vivenciadas no SUS (Sistema Único de Saúde), possibilitam reflexões sobre a relação terapêutica e, em especial nos Centros de Atenção Psicossocial em que a equipe de referência tem o papel de desenvolver as ações no território, discutir o projeto terapêutico singular com intuito de fortalecer o vínculo com o usuário atendido. Neste relato, apresentar-se-á através de tecnologia de baixa exigência um modelo de cuidado diferenciado. A rede de saúde apresenta frequentemente situações que envolvem abandono, estigmas, baixo acesso a serviço de saúde e assistência, além de baixa adesão ao projeto terapêutico. A fragmentação da rede contribui com a dificuldade em desenvolver ações para os casos mais complexos em saúde mental. Precisa-se compreender que a experiência da doença não é apenas uma questão orgânica, mas uma vivencia complexa de sofrimento, onde o serviço de saúde deve fazer parte do processo de coprodução do cuidado de modo que exista disponibilidade dos profissionais para a escuta e acolhimento valorizando a singularidade do sujeito. É difícil definir a solução certa para situações complexas, entretanto, elas expressam uma característica comum apresentam tensão entre a necessidade da pessoa que sofre e a necessidade de se manter a harmonia da ordem social.
Em saúde mental a ferramenta de trabalho é o Projeto Terapêutico Singular, porém jamais encontra resultados estáticos da mesma forma, não existe PTS sem vínculo. Com laços estabelecidos e sem pré-conceitos conseguiu-se antecipar a crise e negociar novas estratégias de cuidado que sempre estarão em construção no nosso processo de trabalho tendo como objetivo maior oferecer saúde e melhorar a qualidade de vida do usuário, dentro da sua singularidade. De acordo com Saraceno (2001) os desafios são grandes, mas não se pode perder de vista que as características relacionais consistem em instrumentos de trabalho na saúde mental como a escuta, a troca de afetividade, a solidariedade e a flexibilidade, por exemplo, e não funcionam como receitas embora sejam ferramentas importantes, são difíceis de serem padronizadas. (SARACENO, 2001). Se a tarefa é construir propostas com os usuários que tem a ver com intervenções diretas em suas vidas pessoais e que, portanto, precisam fazer sentido a ponto de levá-los a investir nisso, é preciso conhecê-los bem. É preciso acolhê-los bem. E acolhimento tem a ver com disponibilidade para cuidar (ARAÚJO, 2014). Isso leva a desafios, pois o tratamento deixa de ser a exclusão em espaços de violência e mortificação para tornar-se criação de possibilidades concretas de sociabilidade e subjetividade através do vínculo.
CADASTRO
ATUALIZAÇÃO