Este é um relato de experiência sobre uma intervenção de musicoterapia realizada com adolescentes em conflito com a lei, que estavam cumprindo medidas socioeducativas restritivas e privativas de liberdade, internados em um Centro de Atendimento Socioeducativo (CASE), vinculado ao Instituto Nacional de Erradicação da Privação Escolar e Social (INEPES) e à Secretaria de Estado da Justiça e Reintegração Social de Santa Catarina, Brasil. A intervenção teve como objetivo promover o bem-estar pessoal e o conforto psicoespiritual aos estudantes. A musicoterapia é o uso da música para ajudar a alcançar uma mudança específica no comportamento, sentimentos ou fisiologia dos seres humanos.¹ Em relação ao conteúdo da intervenção, algumas músicas foram pré-selecionadas pelos pesquisadores e outras foram sugeridas pelos próprios estudantes. Vale ressaltar que as músicas tinham estruturas variadas, compreendendo diferentes estilos, ritmos e tons, com andamentos moderados e pouca variabilidade; a maioria estava em modo maior, com harmonia simples e consonância. O método de apresentação musical foi ao vivo, em um volume agradável. Quanto aos materiais da intervenção, foram utilizadas vozes humanas masculinas e femininas, piano digital e violão acústico. Em alguns encontros, os estudantes tentaram tocar instrumentos de percussão como cajón ou pandeiro meia-lua. As estratégias de intervenção foram a escuta e a recriação musical, organizadas em sessões mensais interativas em grupo, com duração média de 60 minutos ao longo de um período de um ano. É importante enfatizar que o primeiro autor (enfermeiro, músico e pesquisador na área de musicoterapia como intervenção de enfermagem) e o segundo autor (músico) são responsáveis pela intervenção. A fidelidade do tratamento, que garante as condições de controle, foi atribuída à avaliação de sete profissionais que acompanharam os socioeducadores.²
Adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas que privam e restringem a liberdade estão sujeitos a problemas como ansiedade, isolamento social e sofrimento espiritual, visto que o período de internação pode variar de seis meses a três anos, com avaliações a cada seis meses. Nesse contexto, a enfermagem pode utilizar as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS). De fato, no âmbito da Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE), a musicoterapia é sugerida para diagnósticos de enfermagem como ansiedade, isolamento social e sofrimento espiritual, com o objetivo de alcançar resultados de enfermagem como bem-estar pessoal e conforto psicoespiritual.³ Ao valorizar os direitos humanos dos estudantes socioeducativos, na tentativa de contribuir para o processo de superação, promovendo cidadania e alcançando a liberdade assistida, o projeto converge com o eixo de intervenção Socioterapêutica do Programa Intereducacional para o manejo integral da ressocialização e reintegração social de adolescentes em conflito com a lei⁴, o que é fundamental para seu sucesso no processo de mudança e na construção de um projeto de vida.
Durante o projeto, foram realizadas dez sessões de musicoterapia, envolvendo de 12 a 18 estudantes socioeducativos por sessão, todos do sexo masculino, com idades entre 15 e 20 anos. Gradualmente, o clima de alegria e descontração tomou conta do ambiente, perceptível através da troca de olhares, sorrisos e postura corporal, que se tornava menos rígida a cada música; através das batidas de mãos ou palmas, acompanhando o ritmo da música. É importante registrar a interação dos estudantes socioeducativos no processo de escolha das músicas, respeitando a apreciação coletiva, sempre escolhendo canções que a maioria conhecia, gostava e podia cantar junto com os músicos. Eles escolheram músicas peculiares a essa fase do ciclo de vida, como músicas sertanejas, que falam de amor ou decepções amorosas, ou músicas que retratam sua realidade social (a maioria desconhecida dos músicos); músicas que despertavam emoções ligadas a memórias passadas, quando se viam olhos marejados; ou músicas gospel, quando podiam expressar sua espiritualidade e esperança por dias melhores. Ao final das sessões, agradeciam por estarmos com eles e pela música. Também pediram que as sessões fossem realizadas semanalmente. De acordo com a avaliação dos sete profissionais do CASE, a musicoterapia pode contribuir para o processo de alcançar a liberdade assistida; reduzir a ansiedade; favorecer a interação e integração social; promover saúde mental e bem-estar; despertar autoestima e autoconhecimento; promover conforto psicoespiritual; estimular criatividade, comunicação e expressividade; favorecer a superação das dificuldades enfrentadas; aumentar as chances de conquista da liberdade assistida e evitar reincidências; promover inclusão social, garantir igualdade de oportunidades e reduzir desigualdades nos resultados; ampliar o acesso à arte e à cultura; contribuir para uma mudança positiva no comportamento dos internos socioeducativos. Para um dos profissionais, “a música os torna mais sensíveis e felizes. Isso abre um caminho para pensamentos positivos e os torna pessoas melhores, pois alivia o estresse e acalma a mente”. Os profissionais também acreditam que o projeto contribuiu para o próprio bem-estar deles.
Os resultados apresentados sugerem que a musicoterapia promoveu bem-estar pessoal e conforto psicoespiritual aos socioeducadores e profissionais; pode estimular outras iniciativas; e contribuir para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como “Saúde e bem-estar”, “Redução das desigualdades” e “Arte, Cultura e Comunicação”, que visam assegurar uma vida saudável e promover saúde mental e bem-estar para todos; promover inclusão social, garantir igualdade de oportunidades e reduzir desigualdades nos resultados; e assegurar pluralidade e liberdade cultural, democratização da arte e comunicação inclusiva para todos.⁵
This is an experience report about a music therapy intervention carried out with adolescents in conflict with the law, who were serving restrictive socio-educational measures and depriving them of their liberty, admitted to a Socio-Educational Assistance Center (SEAC), linked to the National Institute for the Eradication of School and Social Deprivation (NIESSD) and the State Secretariat for Justice and Social Reintegration of Santa Catarina, Brazil. The intervention aimed to promote personal well-being and psycho-spiritual comfort to the students. Music therapy is the use of music to help achieve a specific change in the behavior, feelings or physiology of human beings.1 Regarding the content of the intervention, some songs were pre-selected by the researchers and others were suggested by the students themselves. It is worth noting that the songs had varied structures, comprising different styles, rhythms and tones, with moderate tempos and little variability; most were in major mode, simple harmony and consonance. The musical presentation method was live, at a pleasant volume. Regarding the intervention materials, male and female human voices, digital piano and acoustic guitar were used. In some meetings, the students tried to play percussion instruments such as cajon or half-moon tambourine. The intervention strategies were listening to and recreating music, organized in monthly interactive group sessions lasting an average of 60 minutes over a period of one year. It is important to emphasize that the first author (nurse, musician and researcher in the area of music therapy as a nursing intervention) and the second author (musician) are responsible for the intervention. The fidelity of the treatment, which ensures control conditions, was attributed to the evaluation of seven professionals who monitored the socio-educators.2
Adolescents serving socio-educational measures that deprive and restrict freedom are subject to problems such as anxiety, social isolation and spiritual suffering, given that the period of internment can vary from six months to three years, with assessments every six months. In this context, nursing can use Integrative and Complementary Health Practices (ICHP). In fact, within the scope of the Nursing Care Systematization (NCS), music therapy is suggested for nursing diagnoses such as anxiety, social isolation and spiritual suffering, with the aim of achieving nursing outcomes such as personal well-being and psycho-spiritual comfort.3 By valuing the human rights of socio-educational students, in an attempt to contribute to their overcoming process, promoting citizenship and achieving assisted freedom, the project converges with the Socio-therapeutic intervention axis of the Intereducational Program for the comprehensive management of the resocialization and social reintegration of adolescents in conflict with the law4, which is fundamental for their success in the process of change and in the construction of a life project.
During the project, ten music therapy sessions were held, involving 12 to 18 socio-educational students per session, all male, aged between 15 and 20. Gradually, the atmosphere of joy and relaxation took over the environment, noticeable through the exchange of glances, smiles and body posture, which became less rigid with each song; through the tapping of hands or clapping, following the rhythm of the music. It is important to record the interaction of the socio-educational students in the process of choosing the songs, respecting the collective appreciation, always choosing songs that the majority knew, liked and could sing along with the musicians. They chose songs that were peculiar to this phase of the life cycle, such as country songs, which talk about love or disappointments in love, or songs that portray their social reality (most of which were unknown to the musicians); songs that aroused emotions linked to past memories, when we could see eyes filled with tears; or gospel music, when they could express their spirituality and hope for better days. At the end of the sessions, they would thank us for being with them and for the music. They also asked for the sessions to be held weekly. According to the assessment of the seven SEAC professionals, music therapy can contribute to the process of achieving supervised freedom; reduce anxiety; favor social interaction and integration; promote mental health and well-being; awaken self-esteem and self-knowledge; promote psycho-spiritual comfort; stimulate creativity, communication and expressiveness; favor overcoming the difficulties faced; increase the chances of supervised freedom being achieved and avoid reoccurrences; promote social inclusion, guarantee equal opportunities and reduce inequalities in results; expand access to art and culture; contribute to positive change in the behavior of socio-educational inmates. For one of the professionals, “music makes them more sensitive and happy. This opens a path for positive thoughts and makes them better people, as it relieves stress and calms their minds”. The professionals also believe that the project contributed to their own well-being.
The results presented suggest that music therapy promoted personal well-being and psycho-spiritual comfort to socio-educators and professionals; they can stimulate other initiatives; and contribute to the achievement of Sustainable Development Goals (SDG) such as “Health and well-being”, “Reduction of inequalities” and “Art, Culture and Communication”, which aim to ensure a healthy life and promote mental health and well-being for all; promote social inclusion, guarantee equal opportunities and reduce inequalities in results; and ensure plurality and cultural freedom, democratization of art and inclusive communication for all.5
