RESUMO
Este artigo apresenta um relato de experiência formativa voltado à capacitação de agentes comunitários de saúde (ACS) em Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS), com ênfase em ações voltadas à promoção da saúde mental, ao autocuidado e à redução do uso de psicotrópicos no município de Santa Cruz Cabrália–BA. O percurso formativo, realizado entre 2018 e 2024, integrou saberes da educação popular, auriculoterapia, shiatsu, toque sistêmico, reflexoterapia, florais e constelação familiar, com fundamentação teórica baseada na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS. A metodologia adotada foi qualitativa, baseada na observação participante e registros em prontuário. Os resultados apontam a consolidação de uma nova práxis no cuidado em saúde, protagonizada por agentes comunitários formados como educadores terapêuticos e facilitadores de cuidado não medicalizante. Conclui-se que experiências como esta ampliam a resolutividade da Atenção Básica e fortalecem o SUS enquanto sistema orientado pela integralidade e pelo cuidado ampliado.
Palavras-chave: Práticas Integrativas e Complementares em Saúde; Agentes Comunitários; Saúde Mental; Educação Popular; SUS.
ABSTRACT
This article presents a report on the formative experience of training community health agents (CHAs) in Integrative and Complementary Health Practices (ICHP), with an emphasis on mental health promotion, self-care, and reduction of psychotropic drug use in the municipality of Santa Cruz Cabrália, Bahia, Brazil. The training process, developed between 2018 and 2024, integrated knowledge from popular education, auriculotherapy, shiatsu, systemic touch, reflexology, flower essences, and family constellation, with theoretical foundations based on Brazil’s National Policy on Integrative and Complementary Practices in the Unified Health System (SUS). The methodology was qualitative, using participant observation and clinical records. Results show the consolidation of a new care praxis led by CHAs trained as therapeutic educators and facilitators of non-medicalizing care. We conclude that such experiences enhance the effectiveness of primary health care and strengthen SUS as a system guided by integrality and expanded care.
Keywords: Integrative and Complementary Health Practices; Community Health Agents; Mental Health; Popular Education; SUS
1. Introdução
As Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS), regulamentadas pela Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) desde 2006 e ampliadas pelo Ministério da Saúde em 2017, vêm se consolidando como importantes estratégias de cuidado integral no Sistema Único de Saúde (SUS) (BRASIL, 2018). No contexto da Atenção Básica, os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) desempenham papel estratégico na articulação entre saberes populares, saúde mental e práticas integrativas, especialmente em territórios vulnerabilizados.
Entre os anos de 2018 e 2024, o município de Santa Cruz Cabrália–BA implementou uma proposta inovadora de formação continuada para três ACS – identificados aqui pelas iniciais A.J., L.G. e R.M. – por meio de um projeto especial realizado pelo Npics Brasil, em parceria com o Fórum da Comarca de Cabrália e a Prefeitura Municipal. Essa formação teve como base os princípios da educação popular em saúde (VASCONCELOS, 2008), da atenção psicossocial (BRASIL, 2013) e das ordens do amor conforme Bert Hellinger (2012), priorizando o cuidado com os cuidadores, o matriciamento multiprofissional e a não medicalização da vida (AGUIAR; CASTRO, 2021).
Dessa forma, o presente artigo tem por objetivo relatar a experiência formativa em PICS desses três ACS, destacando suas contribuições para o manejo ampliado de transtornos mentais comuns como ansiedade e depressão, e seu impacto sobre a redução do uso de psicotrópicos no município. A formação integrou saberes científicos, tradicionais e comunitários, com base em autores como Barreto (2021), Rosenberg (2006), Belasco (2019) e Lima (2020), além de cursos certificados por instituições como o CEJUSC, o CONAFLOR e o próprio Npics Brasil.
2. Metodologia
Este estudo é de natureza qualitativa, com delineamento de relato de experiência. A produção dos dados ocorreu por meio da observação participante, anotações em prontuários clínicos, supervisões formativas e registros reflexivos elaborados pelo autor na condição de enfermeiro responsável, terapeuta e facilitador dos cursos ministrados.
Foram considerados documentos oficiais (certificados, ementas, roteiros didáticos, relatórios de supervisão) e registros de campo em encontros promovidos entre 2018 e 2024. As identidades dos ACS foram resguardadas, utilizando-se apenas suas iniciais.
O estudo encontra-se em conformidade com os princípios éticos da Resolução CNS nº 510/2016, ainda que, por se tratar de relato de experiência, não envolva diretamente sujeitos em situação de vulnerabilidade ética.
3. Resultados e Discussão
3.1 Formação e Matriciamento Inicial
A formação dos ACS teve início no processo de matriciamento com o CAPS e Nasf, que os capacitou para o manejo clínico de transtornos mentais comuns, incluindo estratégias não farmacológicas de cuidado. Neste primeiro ciclo, os agentes foram capacitados em educação popular em saúde (VASCONCELOS, 2008), atenção psicossocial e práticas de acolhimento, segundo as diretrizes do Manual de Matriciamento em Saúde Mental (BRASIL, 2013).
3.2 Curso de Autocuidado com PICS e Abordagem Sistêmica
Na segunda etapa, os ACS foram acolhidos no Curso de Autocuidado com as PICS, no qual puderam experienciar práticas como constelação familiar sistêmica (HELLINGER, 2012), meditação guiada, auriculoterapia, shiatsu e imposição de mãos. Os conteúdos foram fundamentados na abordagem de Adalberto Barreto (2021) e na Comunicação Não Violenta de Marshall Rosenberg (2006), promovendo um processo de autocuidado e transformação pessoal.
Posteriormente, os ACS participaram de um curso de auriculoterapia ministrado pela professora Lucileia Datrino, fundamentado nas obras de (BELASCO, 2020), Nogier (2002) e Huang (2004). Concomitantemente, receberam aulas de abordagem integrativa e sistêmica, baseadas no conceito de toque sistêmico e nos cinco elementos.
3.3 Qualificação Clínica Complementar
Na sequência, os profissionais participaram do curso de reflexoterapia clínica com o professor Sérgio Toscano, ampliando a capacidade de intervenção em queixas comuns na Atenção Primária à Saúde (APS), como cefaleias, insônia, dores musculares e distúrbios gastrointestinais. Duas das ACS, L.G. e R.M., cursaram a Formação em florais de Bach, certificados pelo CONAFLOR, com base nos estudos de Lima (2020), e concluíram módulos de constelação familiar sistêmica com o autor do presente artigo, e com as professoras Sandra Lage e Maria Aparecida Dionízio.
3.4 Impacto na Atenção Básica e Redução de Psicofármacos
Os agentes tornaram-se referências em cuidado integrativo nas Unidades de Saúde da Família da Coroa Vermelha, do Centro e da Tânia Guerrieri. No período pós-pandêmico, passaram a realizar ações intersetoriais em escolas e comunidades, com forte articulação com o CAPS e Cejusc. Houve uma notável redução na prescrição de psicotrópicos nas áreas em que atuaram, substituindo-se parte da demanda medicamentosa por práticas de escuta qualificada, rodas de cuidado, atendimentos com auriculoterapia e aplicação de florais (AGUIAR; CASTRO, 2021; BARRETO, 2021).
A formação foi orientada pelas ordens do amor de Hellinger (2012), valorizando os princípios de pertencimento, hierarquia e equilíbrio, o que fortaleceu a atuação dos ACS como cuidadores sistêmicos dentro das equipes. A escuta ativa e a mediação de conflitos foram aprimoradas com base na Comunicação Não Violenta (ROSENBERG, 2006), o que resultou em maior adesão dos usuários aos processos terapêuticos e menor reincidência de crises.
4. Considerações Finais
A experiência formativa dos três ACS em Santa Cruz Cabrália mostra que a qualificação em Práticas Integrativas e Complementares, quando aliada à educação popular, ao matriciamento em saúde mental e aos saberes tradicionais, fortalece a autonomia das equipes de Atenção Básica e amplia o cuidado em saúde mental de forma ética, resolutiva e não medicalizante.
O reconhecimento desses agentes como educadores terapêuticos evidencia o potencial transformador da formação em PICS no SUS, principalmente quando pautada pela integralidade, intersetorialidade e pelas ordens do amor como fundamento ético e sistêmico do cuidado.
Referências
AGUIAR, A. C.; CASTRO, E. D. de. Saúde Mental e Não Medicalização da Vida. São Paulo: Hucitec, 2021.
BARRETO, A. Terapia Comunitária Integrativa. Fortaleza: Gráfica LCR, 2021.
BELASCO, Isabel Cristina; BELASCO JÚNIOR, Domingos. Acupuntura Auricular Básica. Ilhéus – BA: Clube de Autores, 2020.
BRASIL. Ministério da Saúde. Práticas Integrativas e Complementares: Política Nacional. Brasília: MS, 2018.
BRASIL. Ministério da Saúde. Manual de Matriciamento em Saúde Mental. Brasília: MS, 2013.
HELLINGER, B. Ordens do Amor. Petrópolis: Vozes, 2012.
HUANG, L. Auriculoterapia: Princípios e Aplicações Clínicas. São Paulo: Roca, 2004.
LIMA, A. S. Florais no SUS: Caminhos da Terapêutica Popular. Salvador: EDUFBA, 2020.
NOGIER, P. Auriculoterapia. São Paulo: Andrei, 2002.
ROSENBERG, M. Comunicação Não Violenta: Técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São Paulo: Ágora, 2006.
VASCONCELOS, E. M. Educação Popular em Saúde: A Formação do Sujeito Crítico. São Paulo: Hucitec, 2008.
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