Introdução: A obra de Nise da Silveira se destaca como uma contribuição significativa e transformadora para a psiquiatria brasileira. Nise enfatizou a relação intrínseca entre a criatividade e as artes, ressaltando o valor terapêutico das atividades expressivas (Silveira, 1981; 1992). Sua pesquisa trouxe à luz os dramas vividos por sujeitos psicóticos, que, por meio da criatividade e do acompanhamento terapêutico adequado, conseguiram ressurgir como seres humanos capazes de produzir e criar obras de arte significativas. Nise observou que a sedação promovida por neurolépticos não constituía uma verdadeira cura, pois frequentemente resultava em indivíduos entorpecidos e sem laços socioafetivos. Desde o início de seu trabalho, demonstrou preocupação com as altas taxas de reinternações, que indicam a falência do sistema psiquiátrico brasileiro (Melo; Ferreira, 2013). Desde a década de 1970, alternativas ao modelo tradicional de hospício começaram a surgir, influenciadas pelas ideias e práticas de Nise. A reforma psiquiátrica brasileira, inspirada em modelos italianos, não apenas busca a desinstitucionalização, mas também a re-humanização do atendimento psiquiátrico. Este movimento promove a integração dos pacientes na sociedade e visa reduzir a estigmatização associada aos transtornos mentais.
Justificativa: A hospitalização psiquiátrica pode ser uma experiência angustiante e, muitas vezes, agravar os sintomas dos pacientes. Nesse contexto, a arteterapia emerge como uma abordagem inovadora e eficaz, criando um espaço de expressão não verbal que ajuda os pacientes a lidarem com suas emoções, além de desenvolverem habilidades de enfrentamento. Projetos como o Mosaico demonstram o papel essencial das atividades terapêuticas como instrumentos de gestão e cuidado integral no Sistema Único de Saúde (SUS), proporcionando uma melhor qualidade de vida para os pacientes e contribuindo para a sustentabilidade dos serviços de saúde.
Objetivo: O principal objetivo deste estudo é demonstrar o impacto terapêutico do Projeto Mosaico na melhoria do comportamento dos pacientes psiquiátricos, com foco específico na redução de comportamentos desorganizados e no aumento do bem-estar emocional. Destacamos a importância desse projeto como uma ferramenta de promoção e prevenção da saúde mental no contexto do SUS. O estudo também visa evidenciar a necessidade de estratégias contínuas de estimulação, e ao integrar a arteterapia como uma ferramenta essencial, busca-se promover a expressão emocional e fortalecer a saúde mental dos indivíduos. Além disso, o projeto procura explorar intervenções que contribuam para a construção de uma perspectiva de vida sólida e integradora após a alta hospitalar, promovendo assim a reintegração social e a qualidade de vida a longo prazo.
Metodologia
Caracterização do Projeto: O Projeto Mosaico é uma intervenção voltada para a promoção da saúde mental e estimulação cognitiva por meio de atividades artísticas, aplicada em um serviço de psiquiatria. Seu principal objetivo é melhorar a qualidade de vida, habilidades cognitivas e a expressão emocional dos participantes, integrando arte, terapia ocupacional e estímulo cognitivo de forma dinâmica e inovadora.
População-Alvo: Os participantes são usuários dos serviços de saúde mental que enfrentam transtornos como esquizofrenia, transtornos de humor, de personalidade, entre outros. O projeto foi estruturado para atender às necessidades específicas deste grupo, respeitando suas individualidades e promovendo um ambiente acolhedor.
Procedimentos: O trabalho foi realizado em dois encontros diários de 2 horas cada, ao longo de 3 meses, com grupos de até 8 participantes, garantindo uma atenção personalizada e uma interação significativa entre todos.
3.1. Acolhimento e Integração: O acolhimento ocorre de forma natural, permitindo que os participantes compartilhem espontaneamente seu estado emocional e suas expectativas tanto no início quanto durante as atividades, criando um ambiente seguro e de confiança.
3.2. Atividade Artística e Estimulação Cognitiva: As atividades combinam propostas estruturadas e momentos de livre expressão, abrangendo pintura, colagem, escultura e mosaico, integradas com exercícios de estimulação cognitiva, incluindo memória, atenção e resolução de problemas. A criatividade é explorada de maneira guiada ou espontânea, conforme as necessidades individuais dos participantes, sempre com o objetivo de maximizar a expressão pessoal.
3.3. Reflexão e Compartilhamento: Reflexões e compartilhamentos surgem de forma espontânea ao longo do processo, permitindo que os participantes expressem suas percepções e os desafios enfrentados, sem interrupções que comprometam a dinâmica do grupo.
3.4. Materiais Utilizados: Os materiais para as atividades incluíram uma variedade de insumos artísticos, como papéis coloridos, tintas, pincéis, tesouras, cola, EVA, papelão, palitos, materiais recicláveis, telas para pintura, biscuit, massinha de modelar, entre outros. Dinâmicas voltadas à estimulação cognitiva eram realizadas por meio de atividades impressas, como caça-palavras, jogo do stop, cruzadinhas, desenhos espelhados, exercícios de completar frases e identificação de formas geométricas.
3.5. Avaliação dos Resultados: A avaliação dos impactos das atividades foi realizada de forma qualitativa, por meio de relatos verbais, observações diretas e análise das produções artísticas dos participantes.
3.6. Análise dos Trabalhos Artísticos: Durante a apresentação no evento, serão exibidos os trabalhos artísticos desenvolvidos pelos participantes, representando o progresso cognitivo e a expressão emocional, servindo não apenas como uma ferramenta terapêutica, mas também como uma forma de autorrepresentação.
A ideia do Projeto surgiu após a mudança de espaço do Pronto Atendimento em Saúde Mental para a ala psiquiátrica do Hospital de Urgência de São Bernardo do Campo, São Paulo. Com essa mudança de espaço, notou-se que os pacientes ficavam em ambiente hostil, composto por paredes brancas, cercadas por grades de ferro, sem atividades e ociosos, o que resultava em heteroagressividade e alto indice de irritabilidade por parte dos pacientes.
Os resultados observados nas oficinas de arteterapia do Projeto Mosaico, voltadas para o tratamento de transtornos mentais, têm sido notáveis. Pacientes relataram uma melhora significativa no autocontrole, permitindo-lhes expressar sentimentos de maneira mais funcional e adequada. Essa expressão emocional saudável se traduziu na descoberta de habilidades artísticas que muitos desconheciam, enriquecendo suas vidas e incentivando o planejamento de carreira.
Além disso, a autoestima dos participantes foi aprimorada, uma vez que a valorização de suas criações gerou um senso de realização e autoconfiança. O desenvolvimento de habilidades cognitivas, como atenção, memória, resolução de problemas e funções executivas, também se tornou evidente, promovendo a capacidade de realizar tarefas de forma mais eficiente e com maior autonomia.
O projeto também resultou em melhorias significativas no ambiente de trabalho, tanto para a equipe quanto para os pacientes. É possível observar uma diminuição nas ocorrências de heteroagressividade, agitações psicomotoras, enfrentamentos e depredações do espaço, promovendo um ambiente mais seguro e harmonioso. A socialização entre os pacientes, facilitada pelo ambiente colaborativo das oficinas, contribuiu para a criação de laços de apoio mútuo, enquanto a escuta terapêutica permitiu que se sentissem ouvidos e acolhidos em suas experiências.
Em resumo, os resultados do Projeto Mosaico evidenciam a arteterapia como uma abordagem transformadora e eficaz para o tratamento de transtornos mentais. A integração de práticas artísticas e terapêuticas não só melhora a qualidade de vida dos participantes, mas também contribui para a construção de uma sociedade mais inclusiva e respeitosa com as diversas vivências relacionadas à saúde mental.
Importantes pontos a se destacar para possíveis implantações: criar projeto e documentação pautados nas leis antimanicomiais e humanitárias; articulação com a coordenação da instituição; educação permanente para equipe; formação da equipe psiquiatrica em relação a manejo dos pacientes e necessidades das atividades terapêuticas, intersetorialidade com CAPS para seguimento do cuidado.
R. Joaquim Nabuco, 380 - Centro, São Bernardo do Campo - SP, Brasil
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