Moradia e sono: a quem é permitido dormir melhor

Estudo recém-publicado revela que cidadãos de bairros segregados têm piores indicadores de sono, essencial para uma saúde digna

Leitura: 3 minutos
Trecho do Rio Joana no Morro do Andaraí, Rio de Janeiro / Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

A falta de capacidade de dormir bem, sonhar, lembrar e compartilhar está na origem de nossa crise socioambiental, defende o professor e neurocientista Sidarta Ribeiro. E embora o sono esteja escasso para pessoas de todas as origens, também há desigualdade no dormir. É o que mostra um estudo encabeçado por pesquisadores ligados ao Laboratório de Educação em Ambiente e Saúde da Fiocruz. Eles buscaram descobrir se o local de moradia influencia na qualidade do sono da população. Suas análises e conclusões foram publicadas na edição mais recente da Cadernos de Saúde Pública, revista ligada à Escola de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), parceira editorial de Outra Saúde.

A conclusão principal é de que moradores de zonas residenciais segregadas têm, de fato, índices piores. Têm mais chance de dormir uma quantidade de tempo insuficiente, ter privação de sono e sonolência diurna. Os pesquisadores entrevistaram mais de 9,9 mil pessoas, servidoras públicas e aposentadas de seis capitais brasileiras, de estados do Nordeste, Sudeste e Sul. Definiram a “segregação residencial” com base nos indicadores de renda, tamanho da família e composição étnico-racial.

O estudo menciona os riscos à saúde da falta de sono, “tal qual problemas cognitivos, psicossociais e cardiometabólicos, além de aumentar o risco de condições específicas como diabetes mellitus, doenças cardiovasculares e obesidade”. Segundo seus cálculos, há um dado preocupante que independe do local de moradia do cidadão: 49,6% de todos os entrevistados dormem menos de 6 horas por dia, uma duração considerada insuficiente. Os indivíduos que vivem em vizinhanças de alta segregação socioeconômica avaliados dormiram, em média, 14 minutos a menos que aqueles em baixa segregação.

Mas há outros indicadores relevantes para avaliar a qualidade do sono, que foram utilizados na pesquisa. Foram eles, além da duração do sono em horas: frequência das queixas de insônia, privação do sono (a discrepância entre as horas de sono dormidas e as necessárias para se recuperar) e sonolência diurna. Os pesquisadores avaliaram que tem problemas de sono o indivíduo que afirma resultados ruins em duas das quatro categorias.

É aí que se mostra a diferença social da qualidade do sono. Aqueles que vivem em bairros segregados têm maior prevalência de sono de curta duração: são 53,7%, ante os 49,6% entre o total de entrevistados. A desigualdade também é racial, pois entre os pretos, são 58,6% os que dormem menos de 6 horas. Os moradores de bairros com piores indicadores sociais também têm mais privação de sono (53,9% ante 41,1% nos bairros mais ricos) e sonolência diurna (48,3%, enquanto 40,6% dos mais abastados).

Embora não fosse o objetivo do estudo, os pesquisadores elencam alguns dos motivos para a desigualdade. O ambiente social é um deles: “o medo do crime e violência pode aumentar a ansiedade ou outros aspectos psicológicos, tendo potencial de levar à desregulação do sistema nervoso simpático, levar à hiperexcitação e vigilância e reduzir o tempo disponível para dormir”.

O ambiente físico onde vivem os cidadãos também influencia, enquanto “englobador da arquitetura e do planejamento da cidade como a conectividade das ruas, calçadas, áreas residenciais e comerciais, disponibilidade de alimentos saudáveis e espaços sociais”. Ele afeta a mobilidade urbana, a prática de atividade física e a coesão social – fatores importantes para melhorar o sono.

O estudo reforça a necessidade de pensar a reforma urbana das cidades para a diminuição da iniquidade urbana, tema sensível em época de campanha de eleições municipais. “Políticas públicas de saúde poderiam prover recursos para melhorar a saúde do sono nas populações mais vulneráveis, melhorar as condições ambientais de moradia, além de reduzirem as desigualdades socioeconômicas que são tão evidentes no Brasil”.

Por Gabriela Leite, do site Outra Saúde (publicado em 22/7/2024).

Gostou? Compartilhe clicando abaixo

Tags

Você pode se interessar também