A integração das MTCI nos cenários de APS tem se mostrado uma ferramenta poderosa para aprimorar a qualidade do cuidado e ampliar as perspectivas clínicas de profissionais de saúde em formação. No Brasil, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PNPIC) apoia a inclusão dessas práticas desde 2006, embora a implementação ainda seja desigual (BRASIL, 2018). Esta experiência ocorreu em uma Clínica da Família localizada em uma área central e densamente povoada do Rio de Janeiro, marcada por vulnerabilidade social e alta demanda por cuidados relacionados à saúde mental e dor. O ambulatório foi implementado em novembro de 2024 por um médico preceptor do Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade (SMS-RJ), com formação formal em MTC pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e certificado como instrutor no curso “Acupuntura para Médicos da Atenção Primária” (AMAB), promovido pela UFSC e pelo Ministério da Saúde (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA, 2024). A equipe incluiu residentes médicos e residentes multiprofissionais em enfermagem, fisioterapia e educação física. O serviço ofereceu semanalmente acupuntura, auriculoterapia, moxabustão e ventosaterapia, com cada turno estruturado para receber até três usuários. As sessões incluíam anamnese compartilhada, raciocínio clínico e procedimentos terapêuticos supervisionados. Pacientes com dor musculoesquelética também eram encaminhados para programas de atividade física e grupos terapêuticos já existentes (para dor cervical, lombar, de ombro e joelho) dentro da unidade de APS.
A Atenção Primária à Saúde (APS) enfrenta alta demanda por condições crônicas como dor, insônia, ansiedade e cefaleias. A resposta convencional, frequentemente centrada na medicalização, não consegue abordar as dimensões subjetivas e sociais do adoecimento. A falta de espaços estruturados para o ensino e prática das Medicinas Tradicionais, Complementares e Integrativas (MTCI) também dificulta sua aplicação por profissionais em formação. Diante desse desafio, a equipe conseguiu agendar apenas três avaliações por semana. Embora as Diretrizes Curriculares Nacionais de Medicina no Brasil recomendem uma formação médica integral e humanizada (BRASIL, 2014), as práticas integrativas ainda ocupam lugar marginal nos currículos médicos, frequentemente tratadas como tópicos optativos sem integração real à prática clínica. Além disso, a integração da Medicina Tradicional Chinesa (MTC) ao cuidado convencional ainda enfrenta obstáculos como a escassez de evidências científicas robustas, resistência institucional, barreiras regulatórias e falta de padronização na formação profissional (WHO, 2023; MAYO CLINIC, 2024; UNIVERSITY OF MINNESOTA, 2024).
Outra barreira encontrada foi o manejo dos retornos, já que o cuidado em MTC pode requerer de 8 a 10 visitas de acompanhamento dependendo da cronicidade da condição do paciente. Para lidar com esse problema, o preceptor — que também atuava como supervisor de apoio do programa de residência — optou por usar a agenda do ambulatório de MTCI exclusivamente para avaliações iniciais, durante as quais o plano terapêutico seria definido em colaboração com o paciente, os residentes de Medicina de Família e Comunidade e a equipe multiprofissional. Ficou então estabelecido que os retornos seriam realizados pelos próprios residentes durante os turnos de atendimento programados da Equipe de Saúde da Família. Para garantir autonomia e segurança, o preceptor permanecia disponível para observar e discutir os retornos em todas as equipes de saúde da família. Essa estratégia se mostrou eficaz para expandir o acesso às consultas de MTCI na unidade de saúde e para multiplicar o conhecimento e a familiaridade com essas práticas.
Essa iniciativa demonstrou o valor pedagógico e clínico das MTCI nos ambientes de formação em APS. O ambulatório aprimorou o raciocínio clínico, a escuta ativa e a abordagem centrada na pessoa. A prática colaborativa com residentes multiprofissionais favoreceu o planejamento terapêutico integral (FEUERWERKER; SENA, 2002). A formação prático-teórica e a atividade clínica supervisionada promoveram um aprendizado situado, enraizado nos contextos reais de vida e nas necessidades locais de saúde. Usuários relataram alívio sintomático e sensação de acolhimento e cuidado. Como resultado, um novo programa de capacitação para enfermeiros da Área Programática 1.0 está sendo desenvolvido em parceria com a Coordenação de MTCI da SMS-RJ para expandir e sustentar o cuidado integrativo.
Recomenda-se que ambulatórios semelhantes sejam implementados em outras unidades de APS, garantindo capacitação adequada, supervisão e integração com as redes locais. Profissionais estratégicos como enfermeiros e equipes multiprofissionais devem ser priorizados para a formação, garantindo capilaridade e sustentabilidade. A consolidação das MTCI na formação em saúde demanda investimento em pesquisa, regulamentação clara e apoio institucional (WHO, 2023; BRASIL, 2018).
The integration of TCIM in PHC settings has proven to be a powerful tool to enhance care quality and broaden clinical perspectives of health professionals in training. In Brazil, the National Policy on Integrative and Complementary Practices in Health (PNPIC) has supported the inclusion of such practices since 2006, although implementation remains uneven (BRASIL, 2018). This experience took place at a Family Health Clinic located in a central and densely populated area of Rio de Janeiro, marked by social vulnerability and high demand for mental health and pain-related care. The outpatient clinic was implemented in November 2024 by a physician preceptor of the Family and Community Medicine Residency Program (SMS-RJ), with formal training in TCM from the Fluminense Federal University (UFF) and certified as an instructor in the “Acupuncture for Primary Care Physicians” course (AMAB), promoted by UFSC and the Brazilian Ministry of Health (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA, 2024). The team included medical residents and multiprofessional residents in nursing, physiotherapy, and physical education. The service provided acupuncture, auriculotherapy, moxibustion, and cupping therapy weekly, with each shift structured to receive up to three users. Sessions included shared anamnesis, clinical reasoning, and supervised therapeutic procedures. Patients with musculoskeletal pain were also referred to existing physical activity programs and therapeutic groups (for cervical, lumbar, shoulder, and knee pain) within the PHC unit.
Primary Health Care (PHC) faces high demand for chronic conditions such as pain, insomnia, anxiety, and headaches. The conventional response, often centered on medicalization, fails to address the subjective and social dimensions of illness. The lack of structured spaces for the teaching and practice of Traditional, Complementary, and Integrative Medicine (TCIM) also hampers its application by professionals in training. Given this challenge, the team was able to schedule only three assessments per week. Although Brazil’s National Curriculum Guidelines call for comprehensive and humanized medical education (BRASIL, 2014), TCIM practices still occupy a marginal place in medical curricula, often addressed as elective topics without real integration into clinical practice. Furthermore, the integration of Traditional Chinese Medicine (TCM) into conventional healthcare still faces obstacles such as the scarcity of robust scientific evidence, institutional resistance, regulatory barriers, and a lack of standardized professional training (WHO, 2023; MAYO CLINIC, 2024; UNIVERSITY OF MINNESOTA, 2024).
Another barrier encountered was managing follow-up appointments, as TCM care may require 8 to 10 follow-up visits depending on the chronicity of the patient’s condition. To address this issue, the preceptor—who also served as the support supervisor for the residency program—chose to use the TCIM outpatient clinic schedule exclusively for initial evaluations, during which the therapeutic plan would be defined in collaboration with the patient, Family and Community Medicine residents, and the interprofessional team. It was then established that follow-up visits would be conducted by the residents themselves during the scheduled care shifts of the Family Health Team. To ensure autonomy and safety, the preceptor remained available to observe and discuss the follow-up visits within all family health teams. This strategy proved effective in expanding access to TCIM consultations in the health unit and in multiplying knowledge and familiarity with these practices.
This initiative demonstrated the pedagogical and clinical value of TCIM in PHC training environments. The outpatient clinic enhanced clinical reasoning, active listening, and a person-centered approach. The collaborative practice with multiprofessional residents fostered comprehensive therapeutic planning (FEUERWERKER; SENA, 2002). Practical-theoretical training and supervised clinical activity promoted situated learning, rooted in real-life contexts and local health needs. Users reported symptomatic relief and feeling welcomed and cared for. As a result, a new training program for nurses in Programmatic Area 1.0 is being developed in partnership with the TCIM Coordination Office of SMS-RJ to expand and sustain integrative care.
It is recommended that similar outpatient clinics be implemented in other PHC units, ensuring proper training, supervision, and integration with local networks. Strategic professionals such as nurses and multiprofessional teams should be targeted for training to ensure capillarity and sustainability. The consolidation of TCIM in health education demands investment in research, clear regulation, and institutional support (WHO, 2023; BRASIL, 2018).