Desde 2023, um projeto de saúde intercultural vem sendo implementado, articulando a medicina ancestral Mapuche do território Pewenche de Icalma (Região da Araucanía, Chile) com a saúde mental ocidental. Este projeto busca construir pontes de diálogo e trabalho colaborativo, permitindo que diferentes perspectivas complementares convirjam para uma abordagem conjunta da saúde mental.
A medicina Mapuche entende que os sintomas emocionais e mentais precedem as doenças físicas, sendo, portanto, uma medicina que possui um significado preventivo em saúde, pois atua antes que o desequilíbrio manifestado se espalhe pelo corpo e se estabeleça como uma doença física.
Levar essa medicina aos espaços da saúde mental ocidental permitiu que pessoas Mapuche e não-Mapuche tivessem acesso a processos de cura que vão além do alívio dos sintomas, com um foco espiritual, em um processo cujo propósito final é a reconexão da pessoa com seu espírito, permitindo-lhe habitar a dimensão transcendente.
Durante 2024, 19 pessoas de Santiago foram atendidas em um esforço coordenado entre psiquiatria, psicologia e medicina Mapuche. O atendimento em saúde foi realizado tanto em um centro de saúde mental na cidade de Santiago como na cidade de Icalma, na ruka da machi e do lawenche (curandeiros espirituais Mapuche). A medicina Mapuche é uma medicina da terra, que a Machi e o Lawenche realizam com elementos da terra, os quais se conectam com a espiritualidade. Por essa razão, uma parte importante dos tratamentos são cerimônias realizadas no território da machi, envolvendo a família do paciente, bem como a comunidade da machi.
Os casos são abordados por meio de encaminhamentos de pacientes, coordenando intervenções sucessivas em psicologia, psiquiatria e medicina Mapuche, conforme as necessidades.
O acompanhamento dos casos é realizado por meio de reuniões onde convergem diversas perspectivas. Trabalhamos juntos para sistematizar de forma abrangente três casos que apresentaram progressos significativos e receberam alta:
Uma paciente de 27 anos diagnosticada com depressão endógena
Um paciente de 16 anos diagnosticado com autismo e transtorno obsessivo-compulsivo
Um paciente de 13 anos diagnosticado com psicose
O Chile enfrenta uma demanda significativa em saúde mental, e os tratamentos convencionais são limitados em proporcionar uma verdadeira cura para os conflitos das pessoas, expressos em um conjunto de sintomas que constituem os chamados transtornos de saúde mental.
A medicina Mapuche é uma medicina espiritual e da terra, com um sistema de saberes ancestrais para o diagnóstico e tratamento de doenças e para alcançar o bem-estar da pessoa, não apenas o alívio dos sintomas. Essa medicina entende que ninguém se cura sozinho, por isso incorpora a dimensão familiar e comunitária em práticas concretas. Todos precisamos nos sentir apoiados pelos vínculos dos quais fazemos parte.
Esse conhecimento amplia a visão da saúde mental ocidental, fornecendo uma ordem de energia e linhagens e apoiando processos profundos que permitem a cura dos indivíduos e a reconexão com a força vital e o espírito.
Em primeiro lugar, construímos um modelo colaborativo que integrou saúde mental e medicina ancestral Mapuche. Esse modelo possibilitou o diálogo entre disciplinas e saberes, incluindo a espiritualidade e a perspectiva ancestral sobre conflitos expressos em sintomas mentais, emocionais e espirituais nas pessoas.
Reconhecer e definir as áreas de atuação de cada prática e gerar espaços de coordenação permitiu a coconstrução de diagnósticos que complementam as perspectivas da psiquiatria, da psicologia e da medicina Mapuche. Os tratamentos foram organizados e complementados da seguinte forma: psicológicos, para os aspectos emocionais e mentais; manejo psiquiátrico, para sintomas invasivos e debilitantes; e com a medicina Mapuche atuando nos aspectos energéticos e espirituais, incluindo a ancestralidade para a ordenação das linhagens e permitindo que as pessoas retornem às suas raízes e força essencial. O acompanhamento das intervenções foi realizado por meio de reuniões clínicas mensais, que nos permitiram examinar todo o processo de tratamento, trocar perspectivas e compreender que todos estamos olhando para a mesma pessoa a partir de diferentes perspectivas e entendimentos. Isso deu origem a novas compreensões, uma vez que o processo de restauração do equilíbrio emocional, mental e espiritual em uma pessoa é um processo complexo que requer diversas intervenções, onde o apoio familiar é um fator determinante para a sustentação do tratamento.
Gostaríamos de incorporar outros profissionais de saúde mental que atualmente estão em tratamento com a medicina Mapuche, pois a experiência direta nos permite compreender sua profundidade e suas contribuições para o trabalho em saúde mental.
Buscamos tornar os tratamentos sustentáveis, para que pessoas Mapuche e não-Mapuche, de diferentes territórios e sem recursos financeiros, possam acessar, sustentar os tratamentos e receber as diferentes formas de cuidado que a medicina ancestral Mapuche envolve. Essa abordagem atua do indivíduo à família e comunidade, exigindo múltiplas ações e atores.
Os tratamentos podem durar vários meses ou até um ano, e envolvem diversas cerimônias e técnicas terapêuticas que requerem a participação de inúmeras pessoas, o que implica custos elevados, muitas vezes inacessíveis para muitas famílias.
Como se trata de uma medicina profundamente conectada à terra, é urgentemente necessário dispor de locais de cultivo para plantas, ervas e árvores utilizadas nos tratamentos.
Since 2023, an intercultural health project has been implemented, articulating ancestral Mapuche medicine from the Pewenche territory of Icalma (Araucanía Region, Chile) with Western mental health. This project seeks to build bridges of dialogue and collaborative work, allowing different and complementary perspectives to converge for a joint approach to mental health.
Mapuche medicine understands that emotional and mental symptoms precede physical illnesses, so it is a medicine that has a preventive meaning in health, as it works before the manifested imbalance spreads to the body and establishes itself as a physical illness.
Bringing this medicine to Western mental health spaces has allowed Mapuche and non-Mapuche people to access healing processes that go beyond symptom relief, with a spiritual focus, in a process whose ultimate purpose is the reconnection of the person with their spirit, allowing them to inhabit the transcendent dimension.
During 2024, 19 people from Santiago were treated in a coordinated effort between psychiatry, psychology, and Mapuche medicine. Health care was provided both in a mental health center in Santiago city and in Icalma town, in the ruka of the machi and the lawenche (Mapuche spiritual healers). Mapuche medicine is a medicine of the land, which the Machi and Lawenche perform with earth elements, which connect with spirituality. For this reason, an important part of the treatments are ceremonies held in the machi's territory, involving the patient's family, as well as the machi's community.
Cases are addressed through patient referrals, coordinating successive interventions in psychology, psychiatry, and Mapuche medicine, according to requirements.
Case follow-up is carried out through meetings where diverse perspectives converge. We worked together to comprehensively systematize three cases that have shown significant progress and have been discharged:
A 27-year-old patient diagnosed with endogenous depression
A 16-year-old patient diagnosed with autism and obsessive-compulsive disorder
A 13-year-old patient diagnosed with psychosis
Chile faces a significant demand for mental health, and conventional treatments are limited in providing real healing for people's conflicts, expressed in a set of symptoms that constitute the so-called mental health disorders.
Mapuche medicine is a spiritual and a land medicine, with a system of ancestral knowledge for the diagnosis and treatment of illnesses and for achieving a person's well-being, not just symptom relief. This medicine understands that no one heals alone, so it incorporates the family and community dimension into concrete practices. We all need to feel supported by the bonds we are part of.
This knowledge broadens the view of Western mental health, providing an order of energy and lineages and supporting profound processes that allow the healing of individuals and the reconnection with life force and spirit.
Primarily, we built a collaborative model that integrated mental health and ancestral Mapuche medicine. This model has enabled dialogue between disciplines and knowledge, including spirituality and the ancestral perspective on conflicts expressed in mental-emotional and spiritual symptoms in people.
Recognizing and defining the areas of expertise for each practice and generating spaces for coordination, has allowed for the co-construction of diagnoses that complement the perspectives of psychiatry, psychology, and Mapuche medicine. The treatments were ordered and complemented as follows: psychological, for emotional and mental aspects; psychiatric management, for invasive and debilitating symptoms; and with Mapuche medicine working on the energetic and spiritual aspects, including ancestry for the ordering of lineages and allowing people to return to their roots and essential strength. Follow-up of the interventions was done through monthly clinical meetings, that allowed us to examine the entire treatment process, exchange perspectives, and understand that we are all looking at the same person from different perspectives and understandings. This has given rise to new understandings, since the process of restoring emotional, mental, and spiritual balance in a person is a complex process that requires various interventions, where family support is a determining factor in sustaining treatment.
We would like to incorporate other mental health professionals who are currently undergoing treatment with Mapuche medicine, as direct experience allows us to understand its depth and it´s contributions to mental health work.
We seek to make the treatments sustainable, so that Mapuche and non-Mapuche people, from different territories and without financial resources, can access, sustain the treatments and receive the different forms of care that Mapuche ancestral medicine involves. This approach works from the individual to the family and community, requiring multiple actions and actors.
The treatments can last several months or even a year, and involve various ceremonies and treatment techniques that require the participation of numerous people, which entails high costs, often unaffordable for many families.
Because this is a medicine deeply connected to the land, it is urgently necessary to have cultivation sites for plants, herbs, and trees used in the treatments.