A Ilha de Maré, localizada na Baía de Todos-os-Santos, é habitada por uma população majoritariamente quilombola que historicamente remonta às raízes de escravizados afro-brasileiros. A ilha é vulnerável aos impactos ambientais da industrialização, especialmente à poluição do ar, ao aumento das temperaturas e à frequência crescente de ondas de calor, que agravam desafios de saúde já existentes. A população local enfrenta significativas desigualdades socioeconômicas e acesso limitado aos serviços de saúde. Essas vulnerabilidades fazem da comunidade um contexto ideal para a implementação de uma abordagem interdisciplinar de saúde planetária.
A iniciativa foi desenvolvida por estudantes de medicina por meio de uma parceria entre o Projeto PlanetAR e a comunidade local. Durante três dias, os estudantes interagiram com moradores, trabalhadores locais e profissionais de saúde, imergindo nas realidades cotidianas da vida na ilha. O modelo educacional envolveu diferentes atores, incluindo estudantes de escolas públicas e profissionais de saúde. Oficinas foram realizadas para educar os participantes sobre os impactos da poluição do ar e das ondas de calor na saúde, além de discutir soluções e estratégias de adaptação em um contexto prático.
Métodos
A estratégia educacional combinou oficinas voltadas a diferentes segmentos da comunidade: estudantes de escolas e profissionais de saúde. Essas oficinas foram adaptadas às necessidades e níveis de compreensão de cada grupo.
Oficinas com Estudantes da Escola: As sessões foram planejadas para serem interativas e envolventes, utilizando materiais lúdicos e visuais para ajudar os jovens a compreender a relação entre mudanças climáticas e saúde. Temas como poluição do ar e ondas de calor foram apresentados por meio de jogos, desenhos e dramatizações, permitindo que os estudantes expressassem suas preocupações e ideias de forma criativa. Essas oficinas estimularam a consciência e promoveram um senso de empoderamento para defender melhorias ambientais e de saúde em sua comunidade.
Oficinas com Profissionais de Saúde: As sessões para trabalhadores da saúde focaram nos impactos práticos da poluição do ar e das ondas de calor na saúde. Os estudantes trabalharam junto aos profissionais para discutir desafios específicos no manejo de pacientes durante eventos extremos de calor. Os temas incluíram ajuste de doses de medicamentos durante ondas de calor, manejo da desidratação e uso de equipamentos de proteção para pacientes vulneráveis. Essas oficinas buscaram ampliar a capacidade de resposta dos profissionais locais diante de emergências de saúde relacionadas ao clima.
Envolvimento Comunitário: Um dos elementos centrais dessa experiência foi a integração da comunidade ao longo de todo o processo. Os moradores foram incentivados a participar das oficinas, compartilhar experiências pessoais e oferecer contribuições sobre como os sistemas de saúde locais poderiam se preparar melhor para riscos climáticos à saúde. Isso permitiu que os estudantes vissem a aplicação prática de seus conhecimentos em um contexto real e fomentou um senso de responsabilidade compartilhada.
As principais questões trabalhadas pelos estudantes foram os riscos à saúde causados pela poluição do ar, pelas ondas de calor e por outros fenômenos relacionados às mudanças climáticas que afetam desproporcionalmente comunidades marginalizadas, como a Ilha de Maré. Esses problemas são agravados pelas atividades industriais na região, pelo acesso insuficiente aos serviços de saúde e pela falta de conscientização dos moradores sobre como as mudanças climáticas impactam a saúde.
Poluição do Ar: A comunidade é exposta a altos níveis de poluição atmosférica devido às atividades industriais próximas, o que contribui para doenças respiratórias e outros problemas de saúde.
Ondas de Calor: A crescente frequência de ondas de calor agrava condições cardiovasculares e respiratórias, especialmente em populações vulneráveis como idosos, crianças e pessoas com doenças crônicas.
Mudanças Climáticas: Os impactos mais amplos, incluindo elevação do nível do mar e eventos climáticos extremos, também ameaçam a saúde e os meios de subsistência dos moradores. O papel dos estudantes de medicina foi conscientizar sobre esses problemas, criar espaços de diálogo e propor soluções práticas, sobretudo no contexto das adaptações em saúde para mitigar os impactos das mudanças climáticas.
As oficinas tiveram impacto significativo tanto na comunidade local quanto nos estudantes de medicina. Entre os principais resultados, destacam-se:
Maior Conscientização: Houve aumento da compreensão entre estudantes da escola e profissionais de saúde sobre os riscos da poluição do ar e das ondas de calor. Os estudantes foram capazes de articular a relação entre esses fatores ambientais e condições específicas de saúde, como asma, infecções respiratórias e insolação.
Desenvolvimento de Estratégias de Mitigação: Estudantes de medicina apresentaram estratégias para reduzir os riscos de saúde associados às mudanças climáticas, incluindo recomendações para políticas públicas, adaptações comunitárias e medidas individuais de proteção.
Troca de Conhecimentos: As oficinas permitiram uma troca de saberes entre estudantes e profissionais locais, fortalecendo a capacidade dos trabalhadores da saúde para lidar com desafios climáticos, como ajuste de medicação em pacientes durante ondas de calor.
Empoderamento da Comunidade Local: Moradores expressaram maior confiança em gerir sua saúde diante dos desafios ambientais, e muitos manifestaram interesse em continuar participando de iniciativas relacionadas à saúde e clima.
Com base na experiência deste projeto educacional imersivo, algumas recomendações foram feitas para a educação médica e o engajamento comunitário em saúde climática:
Integração da Saúde Planetária na Educação Médica: É fundamental incorporar princípios de saúde planetária nos currículos médicos, permitindo que os estudantes compreendam as complexas relações entre saúde humana, meio ambiente e mudanças climáticas.
Fortalecimento do Envolvimento Comunitário: Projetos futuros devem continuar priorizando o engajamento comunitário, garantindo que os moradores não sejam apenas receptores de informação, mas participantes ativos na identificação e implementação de soluções.
Expansão das Abordagens Educacionais: A combinação de oficinas teóricas e práticas é eficaz, mas futuras iniciativas poderiam incluir outras áreas, como os impactos das mudanças climáticas na saúde mental, doenças de veiculação hídrica e doenças transmitidas por vetores.
Advocacy em Políticas Públicas: Estudantes e profissionais de saúde devem ser incentivados a defender políticas que reconheçam as mudanças climáticas como determinantes da saúde, incluindo regulação da poluição, melhoria da infraestrutura de saúde para lidar com emergências climáticas e promoção da equidade em saúde.
Este relato resume os esforços práticos e educacionais realizados por estudantes de medicina para enfrentar os impactos das mudanças climáticas na saúde em uma comunidade quilombola no Brasil. Os resultados destacaram a importância do aprendizado baseado na comunidade e da educação interdisciplinar no enfrentamento desse desafio global.
Ilha de Maré, located in the Bay of All Saints, is home to a predominantly Quilombola population that historically traces its roots to Afro-Brazilian slaves. The island is vulnerable to the environmental impacts of industrialization, especially air pollution, rising temperatures, and increasing frequency of heat waves, which exacerbate pre-existing health challenges. The local population faces significant socioeconomic inequalities and limited access to healthcare services. These vulnerabilities make the community an ideal context for the implementation of an interdisciplinary planetary health approach.
The initiative was developed by medical students through a partnership between the PlanetAR Project and the local community. Over a three-day period, students interacted with residents, local workers, and healthcare professionals, immersing themselves in the daily realities of life on the island. The educational model involved various stakeholders, including public school students and healthcare professionals. Workshops were held to educate participants on the health impacts of air pollution and heat waves, while also discussing solutions and adaptation strategies in a practical context.
Methods
The educational strategy employed a combination of workshops aimed at different segments of the community: school students and healthcare professionals. These workshops were tailored to the specific needs and understanding levels of each group.
1. Workshops with School Students: The sessions were designed to be interactive and engaging, using playful and visual materials to help young students understand the link between climate change and health. Topics such as air pollution and heat waves were presented through games, drawings, and role-playing activities, allowing students to express their concerns and ideas creatively. These workshops fostered awareness and promoted a sense of empowerment among students to advocate for environmental and health improvements in their community.
2. Workshops with Healthcare Professionals: The sessions for healthcare workers focused on the practical impacts of air pollution and heat waves on health. Students worked alongside professionals to discuss the specific challenges of managing patients during extreme heat events. Topics included adjusting medication doses during heatwaves, managing dehydration, and the use of protective equipment for vulnerable patients. These workshops aimed to enhance the capacity of local healthcare providers to respond to climate-related health emergencies.
3. Community Involvement: One of the core elements of this experience was the integration of the community throughout the process. Residents were encouraged to participate in the workshops, share their personal experiences, and provide valuable insights into how local healthcare systems could be better prepared for climate-related health risks. This helped students see the practical application of their knowledge in a real-world context and fostered a sense of shared responsibility.
The primary issues addressed by the students were the health risks posed by air pollution, heat waves, and other climate-related phenomena that disproportionately affect marginalized communities, such as those living on Ilha de Maré. These issues are compounded by the area's industrial activities, inadequate access to health services, and a lack of awareness among residents about how climate change impacts health.
1. Air Pollution: The community is exposed to high levels of air pollution due to nearby industrial activities, which contribute to respiratory diseases and other health problems.
2. Heat Waves: The increasing frequency of heatwaves exacerbates cardiovascular and respiratory conditions, particularly among vulnerable populations such as the elderly, children, and people with pre-existing health conditions.
3. Climate Change: The broader impacts of climate change, including sea level rise and extreme weather events, further threaten the health and livelihoods of residents on the island. The medical students’ role was to raise awareness about these issues, create spaces for dialogue, and propose practical solutions, particularly in the context of healthcare adaptations to mitigate the health impacts of climate change.
The workshops had a significant impact on the local community and medical students alike. Some of the key outcomes included:
1. Enhanced Awareness: There was a notable increase in awareness among school students and healthcare professionals about the health risks posed by air pollution and heat waves. Students were able to articulate the relationship between these environmental factors and specific health conditions such as asthma, respiratory infections, and heatstroke.
2. Development of Mitigation Strategies: Medical students presented strategies to reduce health risks associated with climate change, including recommendations for public health policies, community-based adaptations, and individual protective measures.
3. Knowledge Exchange: The workshops provided an opportunity for knowledge exchange between students and local healthcare professionals. This collaboration enhanced the capacity of healthcare workers to handle climate-related health challenges, such as adjusting medication doses for patients during heatwaves.
4. Empowered Local Community: Residents expressed increased confidence in managing their health in the face of environmental challenges, and many indicated a desire to continue participating in climate-related health initiatives.
Based on the experience of this immersive educational project, several recommendations were made for both future medical education and community engagement in climate health:
1. Integrating Planetary Health into Medical Education: It is essential to integrate planetary health principles into medical curricula, enabling students to develop a comprehensive understanding of the complex relationships between human health, the environment, and climate change.
2. Strengthening Community Involvement: Future projects should continue to prioritize community engagement, ensuring that local residents are not only recipients of information but active participants in identifying and implementing solutions.
3. Expanding Educational Approaches: The combination of theoretical and practical workshops is effective, but future initiatives could benefit from expanding into other areas of healthcare, such as mental health impacts of climate change, waterborne diseases, and vector-borne diseases related to climate shifts.
4. Policy Advocacy: Medical students and healthcare professionals should be encouraged to advocate for public policies that address climate change as a determinant of health. This could include better regulation of pollution, improving healthcare infrastructure to handle climate-related emergencies, and promoting health equity.
This report summarizes the practical and educational efforts undertaken by medical students to address climate change impacts on health in a Quilombola community in Brazil. The outcomes highlighted the importance of community-based learning and interdisciplinary education in addressing the global challenge of climate change.