Conviver com lesões dermatológicas, especialmente feridas, pode acarretar mudanças significativas na vida do indivíduo (BEDIN et al. 2014). Assim, as demandas dessa população são multidimensionais, exigindo dos profissionais uma abordagem holística no cuidado. A literatura aponta efeitos positivos das Práticas Integrativas em Saúde (PIS) em condições frequentemente identificadas entre pessoas com feridas, como dor, alterações de humor e padrões de sono. No Brasil, a auriculoterapia se destaca entre as PIS incluídas na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) devido à maior abrangência dos programas de capacitação e consequente maior disponibilidade no Sistema Único de Saúde (SUS). Enfermeiros e técnicos de enfermagem, por sua vez, são as categorias profissionais que mais frequentemente cuidam de pessoas com feridas e também têm representação significativa entre os auriculoterapeutas nos serviços de saúde do SUS. Embora as PIS sejam desenvolvidas em um cenário multidisciplinar, vale destacar que, no Brasil, a Enfermagem as reconhece como prática integrante de seu escopo profissional, regulamentando-as com exigências correspondentes de capacitação (Resolução COFEN nº 739, de 5 de fevereiro de 2024; MILDEMBERG et al. 2023). Assim, as instituições de ensino representam um importante mediador no processo de transferência do conhecimento para a prática clínica baseada em evidências. Diante disso, este estudo objetivou relatar as contribuições do Centro de Medicina Chinesa do Instituto Confúcio da Universidade Federal de Goiás (UFG), vinculado ao Ambulatório de Práticas Integrativas em Saúde (PIS) da Faculdade de Enfermagem (FEN) da mesma instituição. Esse programa mantém, como ação de extensão, um curso de formação em auriculoterapia que, excepcionalmente, contemplou estudantes de pós-graduação lato sensu em Enfermagem Dermatológica com Ênfase no Cuidado a Pessoas com Feridas.
O desenvolvimento de produções técnico-científicas, quando associado a atividades vivenciais sobre a temática, é considerado relevante para reduzir lacunas entre aspectos teóricos e prática clínica. Isso foi possível para o grupo de pós-graduandos que desenvolveram seu trabalho final sobre os efeitos da auriculoterapia na abordagem terapêutica de pessoas com feridas. No âmbito da prática profissional, a Resolução nº 736/2024 do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) estabelece diretrizes para a sistematização do cuidado. Já a organização da assistência no PIS (Programa Individual de Prevenção de Agravos à Saúde) representa um desafio tanto para garantir o acompanhamento equitativo dos indivíduos, com a produção de indicadores e respectivas contribuições para a implementação da PNPIC, quanto para fornecer subsídios à prática clínica baseada em evidências. Dessa forma, produções técnico-científicas relacionadas ao cuidado em PIS são essenciais e precisam ser ao mesmo tempo operacionais e fundamentadas em referenciais teórico-filosóficos adequados.
Paralelamente à revisão integrativa da literatura, o grupo de pós-graduandos realizou formação em auriculoterapia no AmbPIS/Centro de Medicina Chinesa (MTC) do Instituto Confúcio da UFG, com carga horária correspondente à Resolução COFEN nº 739, de 5 de fevereiro de 2024. Fundamentos da MTC e a implementação da auriculoterapia compuseram um dos módulos do curso de especialização, e o componente prático foi realizado em atendimentos a indivíduos acompanhados no AmbPIS, sob supervisão de um dos terapeutas com ampla formação e integração com o Instituto Confúcio da UFG. A revisão integrativa seguiu as recomendações do PRISMA Statement, utilizando as bases BVS, MEDLINE-PubMed (National Library of Medicine), CINAHAL, Web of Science e EMBASE. Foram incluídos estudos primários em português, inglês e espanhol, com recorte temporal de 10 anos, conduzidos apenas com seres humanos e que descrevessem intervenções entre pessoas com feridas. Apenas dois estudos atenderam aos critérios de inclusão: um estudo piloto realizado entre mulheres submetidas à episiotomia na Croácia e um estudo de caso de um homem com úlceras decorrentes de anemia falciforme em Campinas, São Paulo, Brasil. Os protocolos de auriculoterapia apresentados variaram entre os estudos, com exceção do ponto “Shen Men”. No estudo de Jaić et al. (2019), três pontos foram estimulados com agulhas semipermanentes, enquanto sete foram estimulados no caso clínico relatado por Benites et al. (2023). Nas discussões realizadas com base na literatura e na prática clínica, compreendem-se os seguintes princípios para a implementação da auriculoterapia em pessoas com feridas (JAIC et al., 2019; BENITES et al., 2023; CHEN et al., 2025):
1. Atentar para o diagnóstico energético que sinaliza deficiência de Yin e Yang, estagnação de Qi e sangue, deficiência de baço (terra) e rim (água), especialmente em casos de feridas crônicas.
2. Verificar a relevância de estimular pontos que interfiram no sistema nervoso autônomo, refletindo nas repercussões fisiológicas e psicológicas do indivíduo.
3. Realizar acompanhamento com escalas validadas para avaliar dor, qualidade de vida, qualidade do sono e prurido.
4. Verificar a relevância dos objetivos terapêuticos de tonificação das funções renal e esplênica.
Dados da literatura sugerem que a auriculoterapia e/ou acupuntura auricular devem ser consideradas no cuidado a pessoas com feridas, especialmente para o manejo da dor e suas repercussões. Esses achados representam um ponto de partida para o desenvolvimento de protocolos clínicos de auriculoterapia voltados à população com feridas, contexto em que a assistência ainda é incipiente. As atividades práticas realizadas no Centro de MTC/AmbPIS, alinhadas à literatura técnico-científica sobre a temática, contribuíram para o desenvolvimento de competências técnicas, sobretudo no que se refere à ênfase no raciocínio clínico baseado nos princípios da MTC, o que a distingue de outros programas de formação em auriculoterapia já conhecidos.
Living with dermatological lesions, especially wounds, can lead to significant changes in an individual's life (BEDIN et al. 2014). Therefore, the demands of this population are multidimensional, requiring a holistic approach from professionals providing care. The literature points to the positive effects of Integrative Health Practices (IHPs) on health conditions frequently identified among people with wounds, such as pain, mood changes, and sleep patterns. In Brazil, auriculotherapy stands out among the IHPs included in the National Policy for Integrative and Complementary Practices (PNPIC) due to the greater scope of training programs and consequent greater availability within the Unified Health System (SUS). Nurses and nursing technicians, in turn, are the professional categories that most frequently care for people with wounds and their significant representation among auriculotherapists in SUS health services. Although ISPs are developed within a multidisciplinary setting, it is worth noting that, in Brazil, Nursing recognizes them as a practice that comprises its scope of practice, regulating them with corresponding training requirements (COFEN Resolution No. 739, February 5, 2024; MILDEMBERG et al. 2023). Therefore, educational institutions represent an important mediator in the process of transferring knowledge to evidence-based clinical practice. Thus, this study aimed to report the contributions of the Center for Chinese Medicine of the Confucius Institute of the Federal University of Goiás (UFG), linked to the Outpatient Clinic for Integrative Health Practices (PIS) of the School of Nursing (FEN) of the same institution. This program maintains, as an outreach activity, a training program for auriculotherapists. This program, exceptionally, addressed lato sensu graduate students in Dermatological Nursing with an Emphasis on Care for People with Wounds.
The development of technical-scientific productions, when combined with experiential activities on the topic, is considered relevant to bridge gaps between theoretical aspects and clinical practice. This was possible for the group of graduate students who developed their final project on the effects of auriculotherapy in the therapeutic approach to people with wounds. Regarding professional practice, Resolution No. 736/2024 of the Federal Council of Nursing (COFEN) establishes guidelines for the systematization of care. Meanwhile, the organization of care in PIS (Individual Health Injury Prevention Program) poses a challenge, both to ensure equitable monitoring of individuals, with the production of indicators and respective contributions to the implementation of the PNPIC (National Health Policy), and to provide support for evidence-based clinical practice. Therefore, technical-scientific productions related to care in PIS (Individual Health Injury Prevention Program) are essential and need to be both operational and grounded in appropriate theoretical and philosophical frameworks.
Concurrently with an integrative literature review, the group of postgraduate students underwent auriculotherapy training at the AmbPIS/Center for Chinese Medicine (TCM) of the Confucius Institute of UFG, with a workload corresponding to COFEN Resolution No. 739, February 5, 2024. Fundamentals of TCM and the implementation of auriculotherapy comprised one of the modules of the specialization course, and the practical component was carried out in consultations with individuals followed at AmbPIS, under the supervision of one of the therapists with extensive training and integration with the Confucius Institute of UFG. The integrative review followed the recommendations of the PRISMA Statement, using the BVS, MEDLINE-PubMed (National Library of Medicine), CINAHAL, Web of Science, and EMBASE databases. Primary studies in Portuguese, English, and Spanish, with a 10-year time frame, conducted only with humans, and describing interventions among people with wounds were included. Only two studies met the inclusion criteria: a pilot study conducted among women undergoing episiotomy in Croatia and a case study of a man with ulcers due to sickle cell anemia in Campinas, São Paulo, Brazil. The auriculotherapy protocols presented varied across the studies, with the exception of the "Shen Men" acupoint. In the study by Jaić et al. (2019), three acupoints were stimulated using semi-permanent needles, while seven were stimulated in the clinical case reported in the study by Benites et al. (2023). In the discussions held based on the literature and clinical practice, the following principles for implementing auriculotherapy among people with wounds are understood (JAIC et al., 2019; BENITES, et al., 2023; CHEN et al., 2025): 1-pay attention to the energy diagnosis that signals Yin and Yang deficiency, Qi and blood stagnation, spleen (earth) and kidney (water) deficiency, especially in cases of people with chronic wounds; 2-verify the relevance of stimulating acupoints that intervene in the autonomic nervous system, which reflect the physiological and psychological repercussions of the individual; 3-perform monitoring using validated scales to assess pain, quality of life, sleep quality, and pruritus; 4-verify the relevance of the therapeutic goals of toning renal and splenic function.
Literature data suggest that auriculotherapy and/or auricular acupuncture should be considered in the care of people with wounds, especially for pain management and its repercussions. These findings represent a starting point for developing clinical auriculotherapy protocols for the population with wounds, a context in which care is still in its infancy. The practical activities carried out at the TCM Center/AmbPIS, aligned with technical and scientific literature on the topic, contributed to the development of technical competencies, especially regarding the emphasis on clinical reasoning based on TCM principles, which distinguishes it from other known auriculotherapy training programs.
