- Saúde Mental e Atenção Psicossocial
Elaine Cristina Fontes
- 25 out 2024
O desafio enfrentado pelo campo da saúde mental na infância e adolescência no Brasil persiste, destacando-se pela escassez de políticas públicas e recursos financeiros insuficientes para o cuidado e assistência ao público. Conforme indicado pela Unicef em 2019, quase 16 milhões de adolescentes entre 10 e 19 anos, na América Latina e no Caribe (ALC), foram afetados por algum transtorno mental. A pesquisa revelou que o suicídio permanece como o aspecto mais grave ligado ao sofrimento psíquico dos jovens, sendo a terceira principal causa de morte entre adolescentes de 15 a 19 anos na região em 2019, sem considerar os impactos pós-pandemia na saúde mental infantojuvenil. O Caps 2 infantojuvenil de Santo André (SP) figura nas estatísticas, evidenciando a procura expressiva pelos serviços de saúde mental infantojuvenil, especialmente nos últimos três anos. O Skcaps desponta, nesse cenário, como tecnologia de cuidado em saúde mental potente e sofisticada, com objetivos de promover a inclusão social, psicomotricidade, redução de danos, autonomia, senso de coletividade, exercício da cidadania, foco e concentração em crianças e adolescentes com sofrimento psíquico grave, que estão inseridas no Caps 2 infantojuvenil de Santo André (SP). O projeto reúne crianças e adolescentes com idades entre 4 e 18 anos que enfrentam sofrimento psíquico grave, crônico e/ou persistente, e que estão vinculados ao serviço. Adotando o modelo de atenção psicossocial, a iniciativa busca ocupar espaços, conferindo protagonismo aos usuários tanto na concepção quanto na execução do projeto. Atualmente, os encontros ocorrem quinzenalmente, no Parque Ana Brandão, que se destaca como um espaço situado em uma área de significativa vulnerabilidade social, facilitando o acesso dos usuários que residem nas proximidades. Em um primeiro momento é realizado uma roda de apresentações, alongamento físico e reconhecimento do local escolhido. É explicado a teoria sobre o skate, descoberta das bases de cada usuário para seu primeiro contato com o skate (caso necessário). A partir deste momento, inicia-se o experimento prático. Simultaneamente à prática esportiva, acontece no mesmo espaço um grupo destinado aos pais e/ou responsáveis pelas crianças e adolescentes. Durante a atividade, são oferecidas orientações, escuta ativa e suporte emocional. Em determinado momento, esse grupo se integra às atividades das crianças e adolescentes, permitindo que os pais vivenciem seus filhos em novas dinâmicas sociais, com autonomia, protagonismo e superação.
O aumento significativo nas tentativas de suicídio, automutilação, quadros de ansiedade, depressão e diversas formas de violência motivaram a equipe a buscar práticas de cuidado mais alinhadas com o público infantojuvenil, dentro dos princípios do SUS e do modelo de atenção psicossocial territorial e comunitário. A partir desse panorama, o projeto Skcaps foi concebido em 2020 com a finalidade de integrar uma prática esportiva no Projeto Terapêutico Singular (PTS) de crianças e adolescentes em sofrimento psíquico grave. Ao longo dos três anos, o Skcaps proporcionou não apenas abordar o sofrimento psíquico, mas também promover uma abordagem holística para o bem-estar, fortalecendo aspectos físicos, sociais e emocionais na jornada de recuperação do público infantojuvenil e dos seus responsáveis, que passaram a integrar os encontros, fortalecendo as relações familiares.
A prática do skate não apenas vem proporcionando o alívio do estresse e de tensões do público infantojuvenil, reduzindo ansiedades e comportamentos desafiadores, mas também ampliando as redes sociais, protagonismo, autonomia, resiliência, auxiliando no desenvolvimento da paciência, cultivando a compreensão de que cada processo tem seu tempo. Uma das experiências notáveis que vivenciamos no grupo envolveu a história de L. Uma jovem de 15 anos que estava embotada, apresentando sinais de cortes nos braços e ideação suicida não estruturada após a perda de um parente próximo por suicídio. Ao integrar o grupo, inicialmente reservada, L. gradualmente se libertou, interagindo com os demais usuários e demonstrando entusiasmo em relação à prática do skate, utilizando um equipamento emprestado pelos técnicos. Inicialmente, ela participava da pista de skate apenas durante as atividades em grupo, mas ao longo do tempo começou a frequentar o local tanto sozinha quanto acompanhada pelos pais. Estes, por sua vez, também desconstruíram a visão marginalizada que tinham do esporte, chegando até mesmo a apoiar L. em sua participação em um campeonato feminino local. L. encontrou no skate uma válvula de escape para pensamentos negativos e enxergou no esporte uma maneira saudável de lidar com sua impulsividade e exercitar o autocontrole. Ao percebermos que o skate se tornou algo vital para a usuária, decidimos presenteá-la com um equipamento próprio, reconhecendo o impacto positivo que essa prática teve em sua vida. A usuária teve alta do grupo, ao considerar que o quadro de sofrimento psíquico que levou L. a ser inserida no grupo, havia sido superado.
A implementação da prática de skate não requer necessariamente uma pista oficial; é possível adaptar espaços nos territórios de vida do usuário para realizar a atividade. Na falta de um profissional da equipe dedicado ao esporte, estabelecer parcerias é fundamental. Envolver familiares e/ou responsáveis é crucial para consolidar e fortalecer a prática, proporcionando cuidado simultâneo ao público infantojuvenil, incluindo apoio, orientações e uma escuta ativa desses membros cuidadores. Além disso, esse envolvimento cria uma oportunidade para ampliar a perspectiva sobre as crianças e adolescentes, indo além dos sintomas de adoecimento psíquico, e permitindo enxergá-los como sujeitos de superação, resiliência, paciência, entre outros atributos que se destacam durante a atividade.
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