Introdução
Este relato de experiência tem como objetivo apresentar o método de abordagem híbrida desenvolvido e aplicado pelo Núcleo de Práticas Integrativas e Comunitárias em Saúde (Npics Brasil), entre os anos de 2015 e 2025, especialmente nas vivências de estágio de estudantes da Unesulbahia inseridos na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) de Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália, bem como nas atividades da Comunidade Online Npics. Tal método se consolidou como uma prática transdisciplinar que articula os saberes sistêmicos de Bert Hellinger, a Comunicação Terapêutica na Enfermagem, a Comunicação Não Violenta (CNV) e a Terapia Comunitária Integrativa (TCI), respondendo de forma inovadora às necessidades da saúde pública.
Contexto e Justificativa
Frente aos desafios da clínica ampliada e da formação em saúde nos territórios, a prática do Npics Brasil partiu da constatação de que os métodos convencionais de ensino-aprendizagem precisavam ser ressignificados para dar conta da complexidade da vida, do sofrimento e dos vínculos humanos. Assim, entre supervisões, vivências em roda, constelações pedagógicas, escutas clínicas e encontros online, foi sendo tecido um percurso metodológico que promoveu a fusão entre o saber técnico-científico e a sabedoria relacional e sistêmica.
Metodologia da Experiência
A abordagem híbrida do Npics Brasil fundamenta-se em três pilares:
A Prática Presencial Sistêmica – realizada nos CAPS, NASF, CEJUSC e Unidades Básicas de Saúde, onde os estudantes aplicavam escuta terapêutica com base na CNV, desenvolviam rodas de TCI e experienciavam a prática das constelações em grupo e em duplas supervisionadas;
A Formação e Supervisão Online – através da Comunidade Npics (via grupos de WhatsApp, lives, videoconferências), com estudos dirigidos sobre as obras de Bert Hellinger, Rosenberg e Adalberto Barreto, além da troca de experiências interterritoriais;
A Integração com o Território e a Espiritualidade – os estágios se desenvolviam também em espaços de espiritualidade, acolhimento e justiça restaurativa, buscando um cuidado que fosse integral, centrado na história e na ancestralidade dos sujeitos atendidos.
Resultados e Vivências
Ao longo de dez anos, os relatos dos estudantes e profissionais envolvidos evidenciaram ganhos significativos na qualidade do vínculo com os usuários, no desenvolvimento da empatia profissional, no manejo do sofrimento psíquico e no fortalecimento da rede de apoio comunitária.
Experiência com os Estudantes da Unesulbahia
Nos campos de estágio supervisionado, os estudantes eram inicialmente apresentados às “Ordens do Amor” (pertencimento, hierarquia e equilíbrio), aplicadas como referencial para compreender os fenômenos vivenciados nos atendimentos. Muitos relataram que, pela primeira vez, conseguiram “ver o outro além da doença”, compreendendo a importância de seu lugar na história familiar e social.
Casos emblemáticos incluem escutas com mães em luto, homens em processo de desintoxicação, jovens em crise suicida – todos beneficiados por um cuidado que integrava palavra, silêncio, presença e espiritualidade.
Experiência na Comunidade Online
Durante a pandemia de COVID-19 e nos anos subsequentes, o espaço virtual tornou-se um potente laboratório de cuidado e formação. Rodas online de TCI, constelações pedagógicas em grupo, lives temáticas e grupos de apoio interprofissionais passaram a compor o cotidiano da prática, ampliando o alcance das metodologias integrativas.
Estudantes relatavam sentir-se acolhidos e transformados, mesmo a distância. Profissionais da atenção básica passaram a buscar o Npics como espaço de escuta e suporte emocional diante das demandas da linha de frente.
Análise Sistêmica
A fusão entre as práticas de Hellinger, Rosenberg e Barreto não se deu de forma teórica, mas experiencial. A escuta fenomenológica do constelador se encontrava com a linguagem empática da CNV, que, por sua vez, fluía na roda coletiva da TCI. O método híbrido desenvolvido favoreceu:
A restauração de vínculos interrompidos entre usuários e seus contextos familiares;
O reconhecimento de exclusões e o retorno simbólico ao pertencimento;
A formação de profissionais de saúde com visão ampliada do cuidado, integrando ciência, espiritualidade e cultura.
Considerações Finais
O método de abordagem híbrida do Npics Brasil representa uma inovação sistêmica no cuidado em saúde e na formação de profissionais. A vivência de uma escuta que acolhe a história, a ancestralidade e o sofrimento coletivo permitiu que o cuidado superasse a técnica e tocasse o humano.
Essa experiência evidencia a potência das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) no SUS quando aliadas à escuta ativa, ao amor do espírito e à força das redes comunitárias. O que começou como estágio se tornou caminho de vida para muitos – incluindo este que escreve.
Referências
HELLINGER, Bert. A Simetria Oculta do Amor: sobre as configurações sistêmicas na terapia familiar. São Paulo: Cultrix, 2000.
HELLINGER, Bert. Ordens do Amor: um guia para o trabalho com constelações familiares. São Paulo: Atman, 2001.
HELLINGER, Bert. A Fonte Não Precisa Perguntar pelo Caminho. São Paulo: Atman, 2003.
HELLINGER, Bert. As Ordens da Ajuda. São Paulo: Atman, 2007.
HELLINGER, Bert. O Amor do Espírito. São Paulo: Atman, 2006.
HELLINGER, Bert. Paz Começa na Alma. São Paulo: Atman, 2004.
HELLINGER, Bert. As Raízes do Amor. São Paulo: Atman, 2005.
HELLINGER, Bert. Constelações Familiares: a cura pelo amor. São Paulo: Atman, 2001.
HELLINGER, Bert. Reconciliação – Um Caminho para Curar Relacionamentos. São Paulo: Atman, 2008.
HELLINGER, Bert. No Centro Sentimos Leveza. São Paulo: Atman, 2006.
ROSENBERG, Marshall B. Comunicação Não Violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São Paulo: Ágora, 2015.
BARRETO, Adalberto. Terapia Comunitária Integrativa: passo a passo. Petrópolis: Vozes, 2011.
MOURA, L. O. et al. A comunicação terapêutica no cuidado de enfermagem: uma revisão integrativa. Revista Enfermagem UERJ, Rio de Janeiro, v. 28, e49546, 2020. Disponível em: https://www.epublicacoes.uerj.br/index.php/enfermagemuerj/article/view/49546. Acesso em: 26 maio 2025.
BALZER, F. et al. Comunicação terapêutica: uma estratégia essencial ao cuidado de enfermagem. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 74, n. 3, p. e20200829, 2021. DOI: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0829.
FERNANDES, M. A. et al. Empatia e comunicação na prática de enfermagem: um estudo qualitativo. Revista Latino-Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 27, e3169, 2019. DOI: https://doi.org/10.1590/1518-8345.3273.3169.
NOGUEIRA, R. M. et al. Comunicação terapêutica em enfermagem: revisão integrativa da literatura. Cogitare Enfermagem, Curitiba, v. 26, e72795, 2021. DOI: https://doi.org/10.5380/ce.v26i0.72795.
MONTEIRO, C. F. S. et al. Comunicação eficaz no cuidado de enfermagem: revisão sistemática. Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, v. 34, eAPE01021, 2021. DOI: https://doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO01021.
ROSENBERG, Marshall B. Vivendo a Comunicação Não Violenta: valores espirituais na prática diária. São Paulo: Ágora, 2016.
ROSENBERG, Marshall B. Ser humano nas relações: comunicação não violenta na prática. São Paulo: Ágora, 2018.
BARRETO, Adalberto. Terapia Comunitária Integrativa: um diálogo com as diferenças. Petrópolis: Vozes, 2013.
BARRETO, Adalberto; QUEIROZ, Zenilda L. Terapia Comunitária Integrativa: construindo redes solidárias. Fortaleza: UFC, 2009.
GARRIGA, Joan. O Amor que nos Faz Bem. São Paulo: Planeta, 2015.
STAM, Jan Jacob. O Espírito da Constelação Familiar. São Paulo: Atman, 2014.
CASTILLO, Carola. Constelações Familiares: Um Caminho de Cura. Caracas: El Hilo de Ariadna, 2011.
BECK, Judith S. Terapia Cognitivo-Comportamental: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 2021.
ALCOÓLICOS ANÔNIMOS. Os Doze Passos e as Doze Tradições. Rio de Janeiro: JUNAAB, 2001.
Forum Jutahy Fonseca, Santa Cruz Cabrália - BA, Brasil
CADASTRO
ATUALIZAÇÃO