Resumo
Este artigo apresenta um relato de experiência interdisciplinar realizado entre os anos de 2017 e 2024, no município de Santa Cruz Cabrália (BA), no atendimento de uma díade mãe-filho em contexto de vulnerabilidade psíquica, emocional e social. O caso clínico retrata a experiência de M., uma criança autista de 2 anos, rejeitado pela mãe, L., que apresentava histórico de transtornos mentais severos, ideação suicida, surtos psicóticos e tentativas de suicídio. A intervenção combinada da Psicologia Transpessoal (Lucineide Araújo) com a Abordagem Quântica Restaurativa (Relacional) Integrativa Sistêmica (AQRIS, desenvolvida por Diego Leal) gerou um processo restaurativo profundo no vínculo familiar. A experiência envolveu escuta sensível, toque terapêutico, mediação fenomenológica, práticas de cuidado energético e articulação com a rede CAPS, NPICS Brasil e CRAM. Os resultados demonstraram a reconstrução do vínculo entre mãe e filho, melhora global da qualidade de vida, redução do uso de psicotrópicos e reinserção da criança no ambiente escolar.
Palavras-chave: Práticas Integrativas; Psicologia Transpessoal; AQRIS; Autismo; Transtornos Mentais; Saúde da Família.
Abstract
This article presents an interdisciplinary case report conducted between 2017 and 2024 in the municipality of Santa Cruz Cabrália (Bahia, Brazil), involving the therapeutic care of a mother-child dyad in a context of severe psychological, emotional, and social vulnerability. The clinical case concerns M., a 2-year-old autistic child rejected by his mother, L., who had a history of severe mental disorders, suicidal ideation, psychotic episodes, and multiple suicide attempts. The combined intervention of Transpersonal Psychology (Lucineide Araújo) and the Quantum Relational Integrative Systemic Approach (AQRIS, developed by Diego Leal) generated a profound restorative process in the family bond. The experience included sensitive listening, therapeutic touch, phenomenological mediation, energetic care practices, and articulation with local public and volunteer care networks (CAPS, NPICS Brasil e CRAM). The results demonstrated a significant restoration of the mother-child bond, improvement in overall quality of life, reduced use of psychotropic medications, and the child’s reintegration into the school environment.
Keywords: Integrative Practices; Transpersonal Psychology; AQRIS; Autism; Mental Disorders; Family Health.
1. Introdução
O avanço das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) no Sistema Único de Saúde (SUS) tem permitido abordagens mais humanas, holísticas e efetivas para o cuidado de populações vulneráveis. No cruzamento entre o sofrimento psíquico e a fragmentação dos vínculos familiares, surgem experiências potentes de transformação, sobretudo quando se adota uma perspectiva interdisciplinar que une psicologia, espiritualidade e energia vital.
Este artigo tem como objetivo relatar uma experiência real de atendimento envolvendo uma mãe com transtornos psiquiátricos graves e seu filho, autista, que vivia em contexto de rejeição materna. O cuidado foi viabilizado em espaços como o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e o Centro de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM), com apoio da rede comunitária e do Núcleo de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (NPICS) Brasil.
2. Fundamentação Teórica
2.1 Psicologia Transpessoal e os Fundadores da Psicodinâmica Corporal
A Psicologia Transpessoal tem raízes na obra de Wilhelm Reich, pioneiro na leitura do corpo como expressão psíquica, e na visão energética do ser humano. Reich foi precursor ao identificar que bloqueios emocionais são inscritos na musculatura corporal (a “couraça muscular”) e que o toque terapêutico e a respiração são caminhos de liberação dessas memórias reprimidas (REICH, 2005).
Com base nessa tradição, autores como Stanislav Grof (respiração holotrópica), Ken Wilber, Roberto Assagioli (Psicossíntese) e Jean-Yves Leloup ampliaram o olhar para o sagrado e para as dimensões não ordinárias da consciência.
No Brasil, a psicologia transpessoal tem se fortalecido nos últimos anos com obras de:
Sílvia Monteiro (2021) – que defende a espiritualidade como eixo do cuidado psicológico.
Ana Cecília Magalhães (2020) – com estudos de casos clínicos baseados na interface entre trauma, energia e regressão.
Vitor Hugo Franklin (2019) – que atua com constelações familiares integradas à abordagem corporal e transpessoal.
Edgard Armond (revisitado nas novas edições da Federação Espírita Brasileira) – influente na espiritualização do cuidado.
2.2 A Abordagem AQRIS e o Toque Sistêmico de Leal
A abordagem AQRIS (Abordagem Quântica Restaurativa – Relacional – Integrativa e Sistêmica), desenvolvida por Diego da Rosa Leal, propõe uma escuta fenomenológica profunda, alinhada às ordens do amor de Bert Hellinger, integrando meditação, toque energético e constelação silenciosa. O Toque Sistêmico é baseado em três pilares: presença amorosa, não-intenção e abertura para o campo morfogenético. A atuação ocorre nos níveis físico, emocional e transgeracional.
Essa abordagem dialoga com os princípios da fenomenologia de Goethe, Jung e Jakob Stam, oferecendo um cuidado que permite à alma se mover no tempo e no espaço em direção à reconciliação.
3. Método
Trata-se de um relato de experiência com base em observação participante, diário clínico e reuniões de equipe interprofissional. A escuta fenomenológica foi o principal recurso metodológico. Os nomes dos sujeitos foram abreviados para garantir o sigilo ético, conforme normas da Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde.
4. Relato do Caso
4.1 Caracterização Inicial (2017)
M., menino de 2 anos, com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista, sem vínculo paterno e rejeitado pela mãe, L., mulher em grave sofrimento psíquico, com histórico de diversas crises psiquiátricas, tentativas de suicídio, uso de antipsicóticos e crises de agressividade. O contexto familiar era desestruturado, com ausência de rede de apoio e risco grave de ruptura do vínculo materno-filial.
4.2 Intervenções Realizadas (2017–2024)
Psicologia Transpessoal (Lucineide Araújo):
Realizou escuta simbólica, sessões com imaginação ativa, ancoragem corporal e fortalecimento do arquétipo materno. Utilizou recursos da espiritualidade cristã, regressão espontânea, diário emocional e técnicas de respiração profunda.
AQRIS e Toque Sistêmico (Diego Leal):
Sessões silenciosas, com imposição de mãos e escuta fenomenológica do campo. Permitiu, em diversas sessões, a emersão de imagens sistêmicas e o início de processos de reconciliação entre L. e seus pais, abrindo espaço interno para acolher o filho. Trabalhou-se com a figura do pai excluído, a ancestralidade, o campo de pertencimento e o lugar de M. na linhagem.
Articulação de Rede para o suporte familiar (CAPS e NPICS, para a atenção e cuidado familiar e CRAM e voluntariado, para as singularidades de L.):
Foi realizada uma pactuação entre os serviços para garantir escuta contínua, redução da medicalização e ações de empoderamento familiar.
5. Resultados
Entre os avanços observados ao longo do período, destacam-se:
Reconstrução do vínculo afetivo entre mãe e filho.
L. reduziu os medicamentos psicotrópicos, com supervisão médica.
M. passou a frequentar regularmente a escola e demonstrar melhor aceitação de regras e frustrações.
A família relatou melhora significativa na qualidade de vida, na comunicação afetiva e no convívio social.
6. Discussão
O caso ilustra a potência da integração entre saberes ancestrais, energéticos e psicoterápicos modernos. A psicologia transpessoal e o toque sistêmico se mostraram eficazes em acessar níveis profundos de memória corporal e transgeracional. A atuação intersetorial e voluntária, como se observou no apoio da rede privada e do NPICS Brasil, foi essencial para a sustentação do processo terapêutico.
Esse relato corrobora os achados de Monteiro (2021) e Franklin (2019) sobre a importância da espiritualidade e do vínculo como fatores terapêuticos em contextos de sofrimento psíquico grave.
7. Considerações Finais
A experiência revela que intervenções sensíveis, interdisciplinares e integrativas podem transformar vínculos e salvar vidas. O cuidado com L. e M. transcendeu diagnósticos e protocolos rígidos, abrindo espaço para o mistério da cura, da reconciliação e do recomeço.
Este relato reforça a importância de consolidar a atuação das PICS no SUS, não como alternativas, mas como parte da integralidade do cuidado preconizada pela Constituição Federal e pela Política Nacional de Humanização.
Referências Bibliográficas
ARMOND, Edgard. Passes e Curas Espirituais. São Paulo: Federação Espírita Brasileira, 2020 (edição revisitada).
ASSAGIOLI, Roberto. Psicossíntese: Uma Psicologia do Espírito. São Paulo: Cultrix, 2002.
FRANKLIN, Vitor Hugo. Corpo e Consciência: A Psicologia Transpessoal no Cuidado do Trauma. São Paulo: Portal Brasil, 2019.
GOETHE, Johann Wolfgang von. A Metamorfose das Plantas. São Paulo: Editora da Unicamp, 2001.
GROF, Stanislav. Além do Cérebro: Nascimento, Morte e Transcendência na Psicoterapia. São Paulo: Pensamento, 2011.
HELLINGER, Bert. A Simetria Oculta do Amor. São Paulo: Cultrix, 1999.
JUNG, Carl Gustav. O Homem e Seus Símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
LELOUP, Jean-Yves. O Corpo e o Sagrado: Psicologia e Espiritualidade. Petrópolis: Vozes, 2018.
MAGALHÃES, Ana Cecília. A Energia do Trauma: Estudos de Casos Clínicos com Psicologia Transpessoal. Belo Horizonte: Editora Alvorecer, 2020.
MONTEIRO, Sílvia. Espiritualidade na Clínica Transpessoal: O Cuidado como Caminho de Cura. Petrópolis: Vozes, 2021.
REICH, Wilhelm. Análise do Caráter. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
STAM, Jan Jacob. O Poder do Campo Familiar: O Trabalho Sistêmico em Constelações. São Paulo: Atman, 2018.
WILBER, Ken. O Espectro da Consciência. São Paulo: Cultrix, 2020.
Forum Jutahy Fonseca, Santa Cruz Cabrália - BA, Brasil
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