Quimera ou Cosmoconsciência?Reflexões Sobre a oficina Experimental de Cinema Digitaldo Centro de Convivência e Cultura de Taboão da Serra – Sp

O cinema é uma arte grupal em sua gênese1 e só se faz possível numa prática coletiva, pois exige trabalho em equipe, onde todos os componentes são de fundamental importância.Atuação, cenografia, fotografia, música, edição, entre outros recursos, se mesclam na obra final que se convencionou chamar de filme2. O próprio cinema, como arte e produção estética, se mostra uma quimera ao reunir aspectos de diferentes artes antecessoras.A Oficina Experimental de Cinema Digital do CECO Taboão3 existiu entre 2009 e 2017 com a proposta de familiarizar os participantes ao uso das técnicas e tecnologias que envolvem a produção do cinema digital e permitir a expressão de seus anseios, sentimentos e perspectivas através da confecção conjunta de filmes de curta-metragem em vídeo digital, passando por todas as etapas que envolvem o processo. Em paralelo, eram estudados e discutidos a história do cinema no Brasil e no mundo, os vários tipos de cinema, e ainda exercitadas uma série de habilidades, desde criatividade, foco, atenção, organização, até comunicação, expressão corporal e principalmente convivência em grupo.A cada ano, durante os primeiros encontros da oficina, eram discutidos temas de relevância para os participantes, gêneros e estilos de linguagem. Selecionávamos trechos de filmes, produções de audiovisual, livros e histórias em quadrinhos para referências de arte, enquadramento, linguagem e estilo. Em conjunto escrevíamos o roteiro, dividíamos a equipe entre atores, atrizes, assistentes de direção e produção, equipe de som, arte e figurino. Eram feitos ensaios e marcações no cenário que sempre partiam das possibilidades oferecidas pela estrutura do CECO Taboão. Programávamos os últimos 4 ou 5 encontros para as gravações.O equipamento e o trabalho de captação de sons e imagens ficava a cargo da Escola de Cinema do Latin American Film Institute4. A partir da parceria voluntária com esta instituição promovemos o intercâmbio de conhecimentos e perspectivas. Em troca, oferecemos a certificação na experiência voluntária de terceiro setor aos profissionais e estudantes da instituição que se dispuseram a apoiar o projeto. Montagem e edição ficavam a cargo do oficineiro. Em parceria com outros setores e secretarias do município eram produzidas cópias da obra finalizada e distribuídas entre todos os participantes.Em 8 anos, nasceram 8 produções de curta-metragem em vídeo digital. Veiculadas em concursos e festivais culturais e pela internet através do blog da oficina, concorremos a premiações e divulgamos os trabalhos realizados em diversos Estados e municípios5.

Ao longo da experiência, conquistaram-se aliados e admiradores através da candura e do encanto inerentes ao projeto e ao passo que surgiram os resultados. Porém, a maior realização se fez na franca constatação dos progressos cotidianos dos participantes à medida que se demonstravam capazes de expressar e materializar seus anseios. Ao se reconhecerem autores, capazes de criar algo conjuntamente e perceber seu trabalho projetado e contemplado por diferentes audiências, surgiram sentimentos de valor próprio, pertencimento e maior integração social, o que colaborou para a promoção de saúde como um todo6.Mas não só os usuários dos serviços de saúde mental do município se beneficiaram. Ao longo da experiência percebemos também o processo de sensibilização que ocorreu com os profissionais, técnicos e voluntários que se doaram ao projeto. Também as diferentes audiências que tem oportunidade de conhecer esse trabalho tendem a se comover com o tema da inclusão social do diferente através da arte7. De fato percebemos um processo de questionamento e conscientização a cerca das fronteiras que delimitam arte e saúde, público e privado, o são e o insano.Assim como o cinema, esta oficina já nasceu marcada por hibridismos. Constituindo um fenômeno que carregou em si características distintas de diferentes espécies. Produto da arte e das linguagens estéticas, encubada por um equipamento de saúde pública municipal, mas em parceria com uma instituição de ensino particular. Mesclando formas, conteúdos, histórias e pessoas em prol do objetivo comum de materializar sonhos.Quimera, não como o monstro da mitologia grega, parte leão, parte cabra, parte serpente, que cuspia fogo e aterrorizava aldeões8. Uma anomalia, produto incidental do estupro da necessidade de dar voz aos inoportunos e da carência de recursos e condições.Sonho que se sonha junto9, transpassou fronteiras, mostrando-se forte como a realidade.No CECO Taboão, cada filme produzido era uma gestação coletiva. Durante a criação de roteiro, personagens e cenários, cada participante colaborava a seu modo, respeitado em suas limitações e estimulado em suas habilidades, de modo que ao final não se podia atribuir o filho a um único pai.Quanto aos recursos utilizados, partíamos inicialmente das disposições do equipamento público municipal. Mas cada participante acabava colaborando, trazendo peças do próprio guarda-roupas para compor o figurino ou da própria moradia para compor o cenário. Muitas vezes aproveitamos sucata ou objetos desprezados por outros, fazendo o melhor uso possível do que tínhamos, alinhando as possibilidades de cada indivíduo com o tempo, espaço e até as condições climáticas disponíveis.Inicialmente, quando Nise da Silveira fez uso da arte em asilos manicomiais, também sua ousadia e inovação foram vistas com incredulidade10. Diante de tanto ardor e dedicação, enfrentando tantas limitações das mais diversas ordens, fica claro que não se tratou de algo fácil. Mas se fez imprescindível perceber cada produção como algo lúdico, divertido: causa e conseqüência da necessidade humana de convivência em grupo.Assim, alguns eixos fundamentais se delinearam:- Binômio Arte e Saúde- Parcerias público/privadas- Gestações grupais- Eficiência : “fazemos o melhor com o que temos”- Diversão : “se não for gostoso não vale a pena”- Inclusão

Segundo Vieira12, cosmoconsciência é a condição ou percepção interior da consciência do Cosmos, quando a consciência sente a presença viva do Universo e se torna una com ele. O termo é um neologismo para uma condição descrita anteriormente por outro ilustre acadêmico: Richard Maurice Buke.Buke foi, entre outras ocupações, psiquiatra e dirigente de asilos para insanos no Canadá, nos idos de 1870. Reformista e inovador no tratamento de alienados, nutria estreita admiração pelo poeta americano Walt Whitman, de quem foi amigo e biógrafo13.Em 1901 teria publicado sua grande obra, “Consciência Cósmica”14 em que trata do fenômeno impar que deu nome a seu livro.Falando de maneira simplista, o fenômeno consistiria numa espécie de expansão de percepção e entendimento, aliado a manifestações físicas bastante marcantes. O estado máximo de consciência do ser humano em que ressignifica sua experiência de existir, percebendo além das fronteiras aparentes. Algo a não ser narrado, mas experimentado e que o próprio autor tentou descrever assim: “Entre outras coisas em que não chegou a acreditar, percebeu e compreendeu que o Cosmo não é matéria morta e sim uma Presença viva

Principal

Renato Guenther

tatocine@gmail.com

A prática foi aplicada em

Taboão da Serra

São Paulo

Sudeste

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Foi cadastrada por

Renato Guenther

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04 dez 2015

CADASTRO

14 set 2023

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