Um áudio chega por WhatsApp com o recado: “Se está se sentindo para baixo, sem energia e sem vontade de fazer nada, você pode escolher uma atividade de que goste e fazê-la, mesmo que na hora não esteja com a mínima vontade”. Esse é um trecho de uma das 48 mensagens enviadas ao longo de seis semanas para os participantes do Viva Vida, um programa psicossocial criado por pesquisadores do Brasil e do Reino Unido para auxiliar idosos atendidos no Sistema Único de Saúde (SUS) a lidar com a depressão e a melhorar o estado de saúde mental.
Desenvolvida sob a coordenação da psicóloga brasileira Marcia Scazufca, da Universidade de São Paulo (USP), e do psiquiatra chileno Ricardo Araya, do King’s College, em Londres, a estratégia consistiu no envio automático de mensagens de cerca de 3 minutos de duração, quatro vezes por semana, para o celular de quem aceitou participar do programa. Cada mensagem havia sido planejada para trazer informações sobre a doença – explicando quais são os sintomas e como eles se manifestam no dia a dia – e mostrar o que é possível fazer para se sentir melhor – por exemplo, executar atividades prazerosas – para combater a depressão e evitar recaídas.
Scazufca e colaboradores realizaram um primeiro teste do programa em um grupo de pessoas com mais de 60 anos atendidas nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) de Guarulhos, município com 1,3 milhão de habitantes na Grande São Paulo. Para cativar os participantes, o Viva Vida usou técnicas narrativas e simulou um programa de rádio, no qual dois apresentadores, Ana e Leo, liam cartas de personagens fictícios contando como a depressão os transformava e de que maneira o Viva Vida os ajudava a encarar a situação. Os resultados, publicados em março na revista Nature Medicine, são animadores e indicam que a estratégia aparentemente acelerou a recuperação dos participantes.
No teste, 298 pessoas com sintomas de depressão moderada (40%) e grave (60%), níveis que atrapalham as atividades diárias e mereceriam atenção médica ou psicológica, foram sorteadas para integrar o grupo que recebeu as mensagens de WhatsApp por seis semanas. Os participantes foram orientados a continuar o tratamento da depressão, caso estivessem fazendo algum, e a tomar os medicamentos habituais. Também foram encorajados a contatar um número telefônico de suporte se tivessem dificuldades para receber ou ouvir as mensagens. Outras 305 pessoas foram selecionadas aleatoriamente para fazer parte do grupo de controle, ao qual foi encaminhado um único áudio de 6 minutos com informações sobre depressão e formas de lidar com os sintomas. O perfil dos participantes de ambos os grupos era semelhante em tudo: por volta de 82% tinham entre 60 e 69 anos, 72% menos de oito anos de estudos formais e 63% recebiam até um salário-mínimo por mês. Todos foram orientados a procurar atendimento na UBS, se apresentassem piora nos sintomas.
Na primeira avaliação, feita um mês e meio após o fim da intervenção, 109 pessoas (42,4%) do grupo que recebeu o pacote de mensagens haviam se recuperado da depressão, aferida por meio de um questionário aplicado por telefone utilizado em vários serviços de atenção primária à saúde. O mesmo ocorreu com 87 participantes (32,2%) do segundo grupo. “Essa diferença de 10 pontos percentuais talvez pareça pequena, mas, considerando o custo extremamente baixo da intervenção e o potencial de alcançar uma enorme faixa da população, esses 10 pontos podem significar a oferta de atenção a milhões de pessoas hoje desassistidas”, afirma Scazufca. Antes de entrar no estudo, menos de 15% dos participantes de cada grupo haviam recebido diagnóstico de depressão e faziam algum tipo de tratamento.
Dois meses após o fim do programa, na segunda avaliação, essa diferença desapareceu e metade dos integrantes de cada grupo já estava melhor. Esse dado sugere, segundo os autores, que a estratégia funciona bem no curto prazo, acelerando a recuperação. “A melhora talvez se sustentasse por mais tempo se as pessoas continuassem recebendo mensagens ou outro tipo de suporte”, supõe Scazufca.
“A depressão é um transtorno frequente em idosos e pode passar despercebida porque as pessoas pensam que é algo normal da idade”
Marcada por uma tristeza profunda e prolongada, além de desânimo, pessimismo, problemas de sono e baixa autoestima persistentes, a depressão é um problema comum nos idosos. Em um trabalho publicado em 2023 no Asian Journal of Psychiatry, a equipe do psiquiatra Yu-Tao Xiang, da Universidade de Macau, na China, avaliou os dados de 55 estudos epidemiológicos internacionais e estimou que, globalmente, a depressão atinge 35% dos idosos – em especial, nos países mais pobres.
“A depressão é um transtorno extremamente frequente, ainda mais em idosos atendidos no sistema de atenção primária. Ela pode passar despercebida porque as pessoas pensam que é algo normal da idade”, comenta o geriatra Milton Crenitte, diretor técnico do Centro Internacional de Longevidade Brasil, organização não governamental que tem como objetivo aprimorar as políticas relacionadas ao envelhecimento. “Algumas situações e eventos da vida, como a solidão, o isolamento social, a aposentadoria, as dores crônicas e a consciência da proximidade da morte, representam um fator de risco e aumentam a probabilidade de desenvolver depressão”, relata o médico, que não participou do estudo atual.
No Brasil, a situação parece menos grave, embora a frequência do problema tenha aumentado na última década e a população esteja envelhecendo rapidamente (ver Pesquisa Fapesp nº 254). Uma análise coordenada pela psiquiatra Maria Carmen Viana, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), publicada em 2022 na revista Epidemiologia e Serviços de Saúde, indica que a prevalência de depressão entre as pessoas com mais de 60 anos subiu de 9,5% em 2013 para 11,8% em 2019, chegando a 13,2% na faixa dos 60 aos 64 anos. Estudos realizados por Scazufca em áreas carentes de Guarulhos, no entanto, sugerem que essa proporção pode ser mais elevada e chegar a 30% nessa população.
Mesmo com ocorrência elevada, o acesso ao tratamento ainda é escasso. O Brasil até dispõe de um número elevado de profissionais da saúde especializados em saúde mental: um total de 347 mil, segundo o Atlas de saúde mental de 2020, da Organização Mundial da Saúde (OMS). Esse número corresponde a uma proporção de 164 profissionais para cada 100 mil habitantes, superior até à de metade dos países mais ricos do mundo (62/100 mil). Mas, aqui, somente 7,8 mil são psiquiatras (2,2% do total) e 28,9 mil psicólogos (8,3%) – a maioria (85%) são outros profissionais, como terapeutas ocupacionais. Além disso, boa parte dessa força de trabalho está concentrada nos estados da região Sudeste.
Uma consequência desse desequilíbrio é que boa parte das pessoas com depressão não recebe o tratamento adequado: realização de psicoterapia, uso de antidepressivos ou associação de ambos. A OMS preconiza que esse atendimento seja iniciado pelo sistema de atenção primária, função desempenhada no Brasil pelas UBS. No país, no entanto, apenas pouco mais da metade (de 56% a 62%) das pessoas com mais de 60 anos recebe assistência para depressão, quase sempre medicamentosa, segundo dados da edição mais recente da Pesquisa Nacional de Saúde, publicada em 2019. A proporção de idosos que fazia psicoterapia não é definida no documento, mas a média entre adultos com depressão é de 19%.
Quando planejaram o Viva Vida, Scazufca e Araya tinham como objetivo justamente desenvolver uma estratégia efetiva e aceitável para os idosos que apresentasse custos baixos para o sistema de saúde e não exigisse a participação dos profissionais das UBS. Pouco antes, eles já haviam testado, também em Guarulhos, outra estratégia de atenção à saúde mental dos idosos de baixa renda e pouca escolaridade: a Proactive. Esse programa parte da ideia do compartilhamento de tarefas, no qual os profissionais não especialistas em saúde mental recebem treinamento – e assumem responsabilidades – para atuar com os pacientes, desonerando os especialistas. O Proactive foi liderado por agentes comunitários de saúde, que contaram com o suporte e a colaboração de outros profissionais das equipes de saúde da família, e obteve resultados mais robustos do que o Viva Vida.
Na avaliação do Proactive, realizada entre 2019 e 2020, os pesquisadores selecionaram aleatoriamente 360 pessoas com mais de 60 anos e depressão de moderada a grave tratadas nas UBS de Guarulhos para receber visitas domiciliares de agentes comunitários de saúde por 17 semanas. O objetivo do acompanhamento em casa era facilitar a adesão ao tratamento e proporcionar atendimento a idosos acamados ou com pouca mobilidade. Nas visitas, os agentes comunitários conversavam com os participantes e, usando um tablet fornecido pelas UBS, apresentavam vídeos que ensinavam a reconhecer e a combater os sintomas da depressão. Em seguida, conversavam sobre atividades que poderiam ser feitas durante a semana para ajudá-los a se sentir melhor. Além de receber os atendimentos domiciliares, esses idosos continuaram a ter acesso ao tratamento usual oferecido pelas UBS. As 355 pessoas que fizeram parte do grupo de controle tiveram acesso apenas ao tratamento usual das UBS, com acompanhamento médico e a prescrição de remédios.
Na primeira avaliação, oito meses após a inclusão do participante no projeto, 158 das 253 pessoas (62,5%) que completaram o ciclo de acompanhamento haviam se recuperado da depressão. Essa proporção foi bem mais baixa (44%) no grupo de controle, que não recebeu os atendimentos domiciliares, segundo os resultados publicados em outubro de 2022 na revista médica The Lancet Healthy Longevity. O benefício da intervenção persistiu. Quatro meses depois, em uma segunda avaliação, 60% das pessoas que contaram com o apoio psicossocial em casa continuavam melhores, ante 41% no outro grupo. Os sintomas de ansiedade e a qualidade de vida também haviam melhorado nos pacientes que receberam as visitas domiciliares.
Na opinião do psiquiatra Marcos Antônio Lopes, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ambos os estudos têm o mérito de mostrar que as estratégias poderiam ser adotadas no SUS. Ele, no entanto, faz uma ressalva: “O Brasil é muito desigual e nem todo mundo tem acesso a tablets e celulares, o que já exclui parte da população que precisa de tratamento”, ressalva o médico, que não integrou os trabalhos.
Orestes Forlenza, psiquiatra da USP que também não participou dos estudos em Guarulhos, afirma que trazer a depressão à consciência do paciente é benéfico. “Os dois estudos mostram estratégias não farmacológicas úteis na abordagem de quadros depressivos, que podem melhorar em larga escala a situação de uma população mais carente, provavelmente privada de estímulos. Elas podem dar conta de casos mais leves que não dependem de medicação, apenas de orientação sobre mudança de hábitos”, comenta. “Iniciativas como essas são bem-vindas e positivas.”
Anos atrás, Forlenza e colaboradores avaliaram o efeito da arteterapia sobre o quadro depressivo de mulheres com mais de 60 anos que recebiam acompanhamento médico. Até 40% do grupo que participou das 20 sessões semanais de 90 minutos apresentou uma redução de ao menos 50% nos sintomas, de acordo com os resultados publicados em 2018 no Brazilian Journal of Psychiatry. O mesmo ocorreu com apenas 4% das mulheres do grupo de controle, que receberam apenas acompanhamento médico.
Scazufca e equipe planejam agora fundir as estratégias do Viva Vida e do Proactive e oferecer ao SUS de municípios das regiões Norte e Nordeste. O novo programa, o Pro Viva Vida, está em elaboração, mas já estão definidas as cidades em que deve ser testado: Araioses, no Maranhão; Parnaíba, no Piauí; e Careiro e Manacapuru, no Amazonas. “Como os resultados dos ensaios clínicos foram efetivos, queremos implementar de forma rápida e eficiente essas estratégias em municípios menores e remotos”, conta a pesquisadora. Para isso, a equipe lançará mão da ciência da implementação (ver Pesquisa FAPESP nº 312), que visa acelerar a aplicação dos resultados de diversas pesquisas na sociedade. “Vamos adaptar as intervenções para a realidade desses novos municípios e moldá-las de acordo com os desafios que se apresentarem”, conta Scazufca.
Por Renata Fontanetto, na Revista Pesquisa FAPESP (ed. 341, jul 24)
Projeto
Cluster randomized controlled trial for late life depression in socioeconomically deprived areas of São Paulo, Brazil (nº 17/50094-2); Modalidade Projeto Temático; Pesquisadora responsável Marcia Scazufca (USP); Investimento R$ 2.980.721,23.
Artigos científicos
SCAZUFCA, M. et al. Self-help mobile messaging intervention for depression among older adults in resource-limited settings:A randomized controlled trial. Nature Medicine. 14 mar. 2024.
CAI, H. et al. Global prevalence of depression in older adults: A systematic review and meta-analysis of epidemiological surveys. Asian Journal of Psychiatry. fev. 2023.
DE ALBUQUERQUE BRITO, V. C. et al. Prevalence of self-reported depression in Brazil: National Health Survey 2019 and 2013. Epidemiologia e Serviços de Saúde. 2022.
SCAZUFCA, M. et al. A task-shared, collaborative care psychosocial intervention for improving depressive symptomatology among older adults in a socioeconomically deprived area of Brazil (Proactive): A pragmatic, two-arm, parallel-group, cluster-randomised controlled trial. The Lancet Healthy Longevity. out. 2022.
CIASCA, E. C. et al. Art therapy as an adjuvant treatment for depression in elderly women: A randomized controlled trial. Brazilian Journal of Psychiatry. jul. 2018.