A Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PNPIC) defende a incorporação dessas práticas na rede de atenção à saúde, destacando a Atenção Primária à Saúde (APS) como eixo estratégico para sua implementação (BRASIL, 2006). Esse nível de atenção, por suas características de longitudinalidade, integralidade, coordenação do cuidado e baixa densidade tecnológica (STARFIELD, 2002), aliado à ênfase na promoção da saúde e prevenção de doenças, oferece um terreno fértil para as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS).
Em 2022, com a implantação de uma nova equipe multiprofissional na Unidade Básica de Saúde (UBS) Walter Elias, localizada na Zona Norte de São Paulo, iniciou-se a incorporação transversal das PICS nos planos de cuidado. Essa iniciativa alinhou-se ao conceito da Clínica Ampliada (CAMPOS, 2003), buscando ampliar o escopo terapêutico para além do modelo biomédico tradicional, responder à complexidade das necessidades em saúde de forma complementar e fortalecer a autonomia dos usuários por meio de práticas de autocuidado apoiado (WHO, 2013).
Atualmente, a UBS Walter Elias conta com uma equipe multiprofissional (e-multi) composta por fisioterapeuta, psicólogo, nutricionista e assistente social, além das equipes médicas, de enfermagem e odontologia.
Entre as ofertas de cuidado coletivo, destacam-se as PICS em atividades de grupo como: Introdução à Homeopatia, conduzida por um médico homeopata; Oficina de Saúde Integrativa (com Terapia Comunitária Integrativa - TCI para adultos e idosos, além de Danças Circulares, conduzidas pelo fisioterapeuta, psicólogo e nutricionista); Tai Chi Pai Lin, conduzido por uma enfermeira; Meditação, conduzida pelo nutricionista e pelo fisioterapeuta; Práticas Corporais e Automassagem, conduzidas pelo fisioterapeuta; Rodas de TCI para adolescentes e Rodas de TCI para crianças, ambas conduzidas pela psicóloga.
Além das práticas em grupo, a unidade também oferece modalidades individuais de PICS, como consultas de Homeopatia, com o médico homeopata, e Auriculoterapia, com o fisioterapeuta, o psicólogo e o nutricionista. O acesso a essas práticas varia: enquanto grupos como Introdução à Homeopatia, Oficina de Saúde Integrativa, Tai Chi Pai Lin, Meditação e Práticas Corporais e Automassagem são abertos a todos os usuários do território, o acesso a outras Rodas de TCI (para adolescentes e crianças) e a práticas individuais ocorre mediante avaliação prévia e encaminhamento por um profissional de saúde, de acordo com as necessidades específicas do usuário no momento.
Mesmo para as práticas abertas, a equipe de saúde pode encaminhar usuários a uma ou mais PICS específicas, com base em suas condições e necessidades, para que sejam integradas aos seus planos terapêuticos e de cuidado na APS.
Assim, o caminho de acesso combina demanda espontânea com encaminhamento qualificado, garantindo que as PICS sejam integradas aos planos de cuidado de forma personalizada, em consonância com os princípios da integralidade do cuidado (MATTOS, 2004).
A implementação das PICS na UBS Walter Elias teve como foco as principais necessidades de saúde identificadas no território, especialmente aquelas sensíveis à atenção primária. Com a predominância de moradores idosos, destacaram-se demandas relacionadas a condições crônicas, como hipertensão e diabetes, dores crônicas, preservação da mobilidade, prevenção de quedas, sedentarismo, sofrimento mental, estímulo à participação social e redução do isolamento social. No cuidado a crianças e adolescentes, sobressaem questões relacionadas ao sofrimento psíquico, depressão, ansiedade e socialização.
Com a inclusão das PICS nos planos de cuidado da APS, dois principais resultados emergiram na UBS Walter Elias. Em relação ao perfil dos usuários, houve significativo engajamento da população idosa, com perceptível melhora na socialização, redução do isolamento e fortalecimento de vínculos sociais que se estenderam além da unidade de saúde para a comunidade mais ampla. A participação nas PICS também fortaleceu o engajamento dos usuários com seu autocuidado e com outras iniciativas de saúde oferecidas pela unidade.
Por outro lado, entre crianças e adolescentes, a participação foi limitada, principalmente devido à dependência da disponibilidade de pais ou responsáveis, frequentemente ocupados em rotinas de trabalho durante o horário de atendimento.
Por fim, a integração das PICS nas rotinas de cuidado da unidade também levou a uma mudança cultural gradual no serviço — tanto entre os usuários, que passaram a perceber a UBS como um espaço de produção de saúde, e não apenas de consultas, encaminhamentos e prescrições, quanto entre os profissionais, que vêm reconhecendo cada vez mais o valor de abordagens terapêuticas não biomédicas, tanto no cuidado aos pacientes quanto em seu próprio autocuidado.
Essa experiência, em última análise, representa um exemplo bem-sucedido da implementação prática dos princípios da PNPIC, ao articular saberes tradicionais e científicos (FILICE, 2018), e demonstra como a Atenção Primária pode operacionalizar essa política pública no cotidiano — especialmente em contextos urbanos.
Essa experiência revelou importantes desafios estruturais e culturais para a plena implementação das PICS na atenção primária.
A cultura de cuidado da UBS ainda reflete predominantemente o modelo biomédico. Sem um apoio institucional estruturado, o processo dependeu fortemente da liderança da equipe multiprofissional, cujo trabalho se apoia na interdisciplinaridade e na Clínica Ampliada. No entanto, a comunicação limitada da equipe, poucas oportunidades de apoio matricial e a ausência de reuniões interprofissionais regulares dificultaram a coordenação dos fluxos de cuidado e dos planos terapêuticos compartilhados.
Grande parte das formações em PICS foi adquirida por esforço individual e com recursos próprios. O psicólogo, o fisioterapeuta e o médico homeopata obtiveram diversas certificações de forma independente, enquanto a secretaria municipal de saúde apoiou capacitações em Meditação, Tai Chi e Auriculoterapia para nutricionista, enfermeira e fisioterapeuta.
As expectativas iniciais dos usuários também representaram uma barreira, já que muitos desconheciam as PICS e esperavam abordagens convencionais. Superar isso exigiu ações contínuas de educação em saúde e diálogo.
Houve também limitações de infraestrutura, especialmente para atividades coletivas. Como resposta, a equipe estabeleceu parcerias com espaços comunitários fora da UBS para realizar algumas práticas.
Embora a iniciativa e o engajamento da equipe multiprofissional tenham sido cruciais para a implementação inicial das PICS, sua consolidação e expansão em longo prazo na rede de saúde exigem maior apoio institucional. Avançar nessa direção implica investir em educação permanente em práticas integrativas, fortalecer a comunicação interna e a coordenação do cuidado entre os profissionais de saúde, além de fomentar a colaboração interprofissional. Esses esforços são essenciais para garantir a incorporação efetiva e sustentável das PICS na rotina de cuidado, conforme preconiza a PNPIC, e para promover uma transformação mais ampla da atenção à saúde no Sistema Único de Saúde.
The National Policy on Integrative and Complementary Health Practices (PNPIC) advocates the incorporation of these practices into the health care network, highlighting Primary Health Care (PHC) as a strategic axis for their implementation (BRASIL, 2006). This level of care, due to its attributes of longitudinality, comprehensiveness, care coordination, and low technological density (STARFIELD, 2002), combined with its emphasis on health promotion and disease prevention, offers a fertile ground for Integrative and Complementary Practices (PICS).
In 2022, with the implementation of a new multidisciplinary team at Walter Elias Primary Health Care Unit, located in the Northern Zone of São Paulo, the cross-cutting incorporation of PICS into care plans began. This initiative aligned with the concept of the Expanded Clinical Approach (CAMPOS, 2003), aiming to broaden the therapeutic scope beyond the traditional biomedical model, address the complexity of health needs in a complementary manner, and strengthen users' autonomy through supported self-care practices (WHO, 2013).
Currently, the Walter Elias PHC Unit has a multidisciplinary team (e-multi) composed of a physical therapist, psychologist, nutritionist, and social worker, in addition to the medical, nursing, and dental teams.
Among the collective care offerings, PICS stand out in group activities such as: "Introduction to Homeopathy", led by a homeopathic doctor; "Integrative Health Workshop" (featuring Integrative Community Therapy - ICT for adults and older adults, as well as Circle Dances, led by the physical therapist, the psychologist and the nutritionist); Tai Chi Pai Lin, led by a nurse; Meditation led by the nutritionist and the physical therapist; Body Practices and Self-Massage led by the physical therapist; ICT Circles for adolescents, and ICT Circles for children, both led by the psychologist.
In addition to group practices, the unit also offers individual PICS modalities, such as Homeopathy consultations, by the homeopathic doctor, and Auriculotherapy, by the physical therapist, the psychologist and the nutritionist. Access to these practices varies: while groups like Introduction to Homeopathy, the Integrative Health Workshop, Tai Chi Pai Lin, Meditation, and Body Practices and Self-Massage are open to all users in the territory, access to other ICT Circles (for adolescents and children) and individual practices occurs through prior assessment and referral by a health professional, based on the user’s specific health needs at the time.
Even for open practices, the health team may refer users to one or more specific PICS based on their health conditions and needs, so these can be integrated into their therapeutic and care plans in PHC.
Thus, the access pathway combines spontaneous demand with qualified referral, ensuring that PICS are integrated into care plans in a personalized manner, in line with the principles of comprehensive care (MATTOS, 2004).
The implementation of PICS at Walter Elias PHC Unit focused on the main health needs identified in the territory, particularly those sensitive to primary care. With a predominance of elderly residents, the main care demands include chronic conditions such as hypertension and diabetes, chronic pain, mobility preservation, fall prevention, physical inactivity, mental distress, encouragement of social participation, and reduction of social isolation. In child and adolescent care, issues related to mental suffering, depression, anxiety, and socialization also stand out.
Following the inclusion of PICS in Primary Health Care plans, two main outcomes emerged at the Walter Elias PHC Unit. In terms of user profiles, there was significant engagement from the elderly population, with a noticeable improvement in socialization, reduction of isolation, and the strengthening of social bonds that extended beyond the health unit into the broader community. Involvement in PICS also enhanced user engagement with their self-care and other health initiatives offered by the unit.
In contrast, for children and adolescents, participation was limited, mainly due to their dependency on the availability of parents or guardians, who are often engaged in work routines during service hours.
Finally, the integration of PICS into the care routines of the unit has also led to a gradual cultural shift within the service—both among users, who have started to see the PHC unit as a place for health creation, rather than just a source of consultations, referrals, and prescriptions, and among professionals, who are increasingly recognizing the value of non-biomedical therapeutic approaches for both patient care and their own self-care.
This experience, ultimately, represents a successful example of the practical implementation of the PNPIC principles, by articulating traditional and scientific knowledge (FILICE, 2018), and demonstrates how Primary Health Care can operationalize this public policy in everyday practice—especially in urban settings.
This experience revealed important structural and cultural challenges in fully implementing PICS within primary care.
The care culture of the PHC unit still reflects a predominantly biomedical model. Without structured institutional support, the process relied heavily on the leadership of the multidisciplinary team, whose work is grounded in interdisciplinarity and the Expanded Clinical Approach. However, limited team communication, few opportunities for matrix support, and the absence of regular interprofessional meetings made it difficult to coordinate care flows and shared therapeutic plans.
Most PICS training was acquired through individual effort and self-funded. The psychologist, physical therapist, and homeopathic doctor obtained various certifications independently, while the municipal health department supported training in Meditation, Tai Chi, and Auriculotherapy for the nutritionist, nurse, and physical therapist.
Initial user expectations also posed a barrier, as many were unfamiliar with PICS and expected conventional approaches. Overcoming this required ongoing health education and dialogue.
There were also infrastructure limitations, especially for group activities. As a response, the team partnered with community spaces outside the PHC unit to carry out some practices.
While the initiative and engagement of the multidisciplinary team were crucial for the initial implementation of PICS, their long-term consolidation and expansion across the health network require greater institutional support. Advancing in this direction involves investing in ongoing professional education on integrative practices, strengthening internal communication and care coordination among health workers, and supporting interprofessional collaboration. These efforts are essential to ensure the effective and sustainable incorporation of PICS into routine care, as outlined in the PNPIC, and to promote a broader transformation of health care within Brazil's Unified Health System.