Da formação técnica às lideranças comunitárias: a Rede PICS Cabrália e sua articulação intersetorial em Santa Cruz Cabrália (BA)

Resumo
Este relato de experiência dedica-se ao mapeamento e à análise da trajetória formativa e intersetorial da Rede PICS Cabrália, desenvolvida em Santa Cruz Cabrália (BA). A estratégia original era voltada à educação permanente de profissionais do SUS e da Rede SUAS, com base nos princípios do matriciamento e da formação em serviço descritos nos manuais do Ministério da Saúde e nas diretrizes da Política Nacional de Educação Permanente do SUAS. Com o tempo, o projeto expandiu-se para acolher e formar lideranças comunitárias, fortalecendo cerca de 20 organizações sociais atuantes no território. Dentre essas, ganham destaque a APDESCC, o Instituto Oásis, o Instituto Terra Máter e a Fundação Meu Lar, coordenada pela professora Alessandra Alves, servidora efetiva e ex-diretora escolar, que se tornou referência como multiplicadora comunitária. A articulação das redes se deu por meio da constelação familiar institucional, práticas integrativas de cuidado, mobilização solidária, redes sociais e sistemas de trocas. Os resultados apontam para um modelo territorial ampliado de saúde e cuidado, integrando espiritualidade, educação popular, saúde mental e justiça restaurativa a partir de lideranças comunitárias femininas e práticas de base sistêmica.

Abstract
This experience report maps and analyzes the formative and intersectoral trajectory of the PICS Network Cabrália, developed in Santa Cruz Cabrália (Bahia, Brazil). The original strategy aimed at permanent education and matrix support for SUS and SUAS professionals, based on national guidelines and Ministry of Health frameworks. Over time, the project expanded to train and support community leaders, strengthening nearly 20 social organizations within the territory. Among them, the APDESCC, Oásis Institute, Terra Máter Institute, and the Meu Lar Foundation stand out — the latter led by Professor Alessandra Alves, a municipal public servant, former school principal and grassroots multiplier. The articulation of these networks occurred through institutional family constellations, integrative care practices, social mobilization, communication networks and systems of exchange. Results suggest an expanded territorial model of care and health, integrating spirituality, popular education, mental health, and restorative justice through female community leadership and systemic tools.

1. Introdução
A constituição de redes locais de cuidado, articulação intersetorial e formação popular tem sido um desafio contínuo no campo das políticas públicas de saúde e assistência social. Em municípios de pequeno e médio porte, a construção de soluções territorializadas depende cada vez mais de iniciativas que integrem saberes técnico-profissionais e saberes comunitários, formando redes vivas e sustentáveis de apoio à vida. Este artigo apresenta a experiência da Rede PICS Cabrália, articulada entre diferentes setores institucionais e organizações sociais em Santa Cruz Cabrália (BA), como um exemplo de boa prática em saúde comunitária, justiça restaurativa e cuidado integral.
O ponto de partida da rede foi o desenvolvimento de um programa de educação permanente e matriciamento, ancorado nas diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). O matriciamento, como definido no Guia Prático de Matriciamento em Saúde Mental (MS, 2011), constitui-se como uma estratégia de apoio técnico-pedagógico entre equipes de saúde, promovendo corresponsabilidade, planejamento conjunto e intervenções compartilhadas. De forma complementar, a Educação Permanente em Saúde (EPS) — prevista na Política Nacional de Educação Permanente (PNEPS, Portaria GM/MS nº 1.996/2007) e na Política Nacional de Educação Permanente do SUAS (Resolução CNAS nº 4/2013) — promove o aprendizado baseado na problematização da prática, conectando formação, trabalho e cuidado.
Inspirado nesses princípios, o NPICS Cabrália/Brasil, em parceria com o CAPS, o NASF e o CEJUSC local, iniciou um processo de formação voltado inicialmente a profissionais da rede pública. No entanto, com o amadurecimento do projeto e a crescente presença de lideranças sociais nos territórios de cuidado, o programa foi se reconfigurando para também incluir organizações da sociedade civil, lideranças religiosas, mães cuidadoras, terapeutas populares e voluntários comunitários.
Entre as cerca de 20 organizações apoiadas pela rede, destacam-se quatro núcleos que se tornaram referências na articulação local:
a APDESCC (Associação de Pessoas com Deficiência de Santa Cruz Cabrália),
o Instituto Oásis, liderado pela terapeuta floral Liliane Byrne,
o Instituto Terra Máter, fundado pelo Dr. José Roberto Ayres e Pablo Delgado,
e a Fundação Meu Lar, coordenada pela professora Alessandra Alves, servidora pública e ex-diretora de escola.
Essas lideranças, representadas neste artigo como coautoras, são protagonistas de processos formativos vivenciados nos cursos de constelação familiar, autocuidado com pics, auriculoterapia, florais de Bach, comunicação não violenta (justiça restaurativa) e pensamento sistêmico. A articulação intersetorial foi fortalecida por meio da realização de constelações institucionais, mobilização de voluntariado, ações de visibilidade em redes sociais e sistemas de trocas comunitárias, com especial atenção às famílias atípicas, vulneráveis, crianças neurodivergentes, mulheres cuidadoras e profissionais em sofrimento psíquico.
A abordagem da Rede PICS Cabrália dialoga com os conceitos de ampliação do cuidado, territorialização, espiritualidade no SUS, interculturalidade, pedagogia do pertencimento e educação para a paz, como discutido por autores da produção científica recente sobre Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (Gonçalves et al., 2020; Lermen, 2023; Barreto, 2021; Vieira & Franco, 2022; Lima et al., 2024). A partir de um olhar sistêmico, restaurativo e popular, a rede buscou integrar profissionais e comunidades, rompendo com dicotomias entre o técnico e o espiritual, entre o serviço público e a organização civil.
Este artigo, portanto, tem por objetivo:
Descrever a gênese, estruturação e estratégias da Rede PICS Cabrália;
Relatar a atuação das organizações protagonistas e suas lideranças;
Analisar os efeitos dessa rede no fortalecimento da intersetorialidade e da formação cidadã no território.
A experiência aqui apresentada poderá servir de inspiração para outras cidades e territórios que enfrentam desafios semelhantes de articulação entre saúde, educação, assistência social, espiritualidade e comunidade.

2. Metodologia
Este artigo constitui-se como um relato de experiência com abordagem qualitativa, baseado na sistematização de ações desenvolvidas pela Rede PICS Cabrália, entre os anos de 2019 e 2025, no município de Santa Cruz Cabrália (BA). O relato se fundamenta na prática direta dos autores enquanto terapeutas, gestores, lideranças comunitárias e educadores populares envolvidos na criação, manutenção e expansão da rede intersetorial descrita.
A metodologia adotada é inspirada na pesquisa participante (Brandão, 2002), na pesquisa-ação sistêmica (Morin, 2007) e na educação popular em saúde (Freire, 1996; Ceccim & Feuerwerker, 2004), compreendendo os sujeitos envolvidos como protagonistas do processo, não apenas como fontes de informação, mas como coautores e agentes de transformação do território.
As informações foram organizadas a partir de:
Registros e relatórios de atividades realizados pelo NPICS Cabrália, CAPS, CEJUSC e demais parceiros institucionais;
Evidências digitais de campanhas, eventos, lives, vídeos, redes sociais e plataformas de formação;
Diários de campo e relatos pessoais dos coautores, com destaque para as ações de constelação familiar institucional, educação permanente, práticas integrativas e comunitárias;
Documentos públicos de organizações apoiadas (estatutos, registros, atas, projetos);
Articulações comunitárias documentadas no FamilySearch, nas plataformas da Comunidade Npics Brasil, nas Ações da Rede PICS e nas ferramentas digitais de articulação voluntária.
A construção do texto prioriza o entrecruzamento das vozes dos sujeitos envolvidos — como terapeutas, mães cuidadoras, lideranças religiosas, educadores e gestores — em diálogo com marcos teóricos e normativos das políticas públicas de saúde, assistência social, direitos humanos e educação permanente.
Optou-se por destacar quatro organizações com protagonismo evidente dentro da rede — APDESCC, Instituto Oásis, Instituto Terra Máter e Fundação Meu Lar —, representadas por lideranças que atuaram de forma consistente na formação, na execução de projetos e na mobilização social. Embora aproximadamente vinte organizações tenham sido beneficiadas pela Rede PICS Cabrália, essas quatro são apresentadas com maior profundidade por reunirem os critérios de:
(1) impacto direto no território,
(2) articulação institucional com políticas públicas,
(3) constância nas atividades e
(4) liderança com capacitação na abordagem popular, integrativa e sistêmica.
As análises seguirão um modelo de categorização temática e narrativa, agrupadas em torno das principais estratégias identificadas: formação comunitária, práticas restaurativas, constelação institucional, mobilização social, redes de trocas e solidariedade, cuidado com famílias atípicas e espiritualidade como cuidado.
Do ponto de vista ético, todas as experiências relatadas foram realizadas com consentimento verbal informado das partes envolvidas, respeitando o sigilo terapêutico e os princípios de confidencialidade e dignidade humana. Os autores são, ao mesmo tempo, narradores e protagonistas das ações descritas, adotando o princípio da honestidade narrativa e da reflexão crítica sobre a própria prática.

3. Resultados e Discussão
3.1 A gênese da Rede PICS Cabrália e sua articulação com o SUS e o SUAS
A Rede PICS Cabrália surgiu em resposta a uma necessidade concreta de integração entre os serviços públicos e a comunidade em Santa Cruz Cabrália (BA), especialmente nas áreas da saúde mental, da atenção psicossocial e da assistência a famílias em situação de vulnerabilidade. Sua gênese está vinculada ao fortalecimento do NPICS Cabrália, um núcleo articulador de práticas integrativas e complementares em saúde (PICS), vinculado à Rede de Atenção Psicossocial e ao CEJUSC local.
A proposta original da Rede estava centrada na formação técnica de profissionais, com base nos princípios do matriciamento e da educação permanente em saúde, conforme diretrizes do Ministério da Saúde (BRASIL, 2011; 2007) e da Política Nacional de Educação Permanente do SUAS (CNAS, 2013). Essa formação técnica visava ampliar o escopo de atuação dos trabalhadores do SUS e da Rede de Proteção, preparando-os para atuar com abordagens sistêmicas, escuta qualificada, práticas integrativas, cuidado espiritualizado e justiça restaurativa.
Com o tempo, no entanto, a Rede PICS ampliou seu escopo. Sob liderança de profissionais como Diego da Rosa Leal, enfermeiro, professor universitário e terapeuta sistêmico, e com a adesão de instituições como o CAPS, o NASF e o CEJUSC, percebeu-se que a transformação territorial exigia mais do que capacitação técnica: exigia o acolhimento e fortalecimento das lideranças comunitárias já atuantes nas margens da política institucionalizada.
Esse deslocamento estratégico levou à construção de pontes entre o SUS e o SUAS com o chamado “terceiro setor vivo” — composto por associações de bairro, igrejas, espaços terapêuticos, núcleos culturais, coletivos femininos e conselhos populares. Assim, a Rede PICS passou a atuar não só com profissionais, mas também com terapeutas populares (profissionais de PICs ou ‘profissionais de energia’, de acordo com Tarso Firace), mães cuidadoras, voluntários espirituais, artistas sociais, professoras e lideranças indígenas e religiosas.
Essa transição foi guiada por três eixos complementares:
Formação comunitária em abordagens integrativas e sistêmicas – com curso de pensamento sistêmico e módulos regulares de constelação familiar, terapia floral, autocuidado, comunicação não violenta e justiça restaurativa;
Ações de cuidado e mobilização social – como rodas de escuta, mutirões terapêuticos, oficinas artísticas, constelações institucionais e eventos públicos como a Caminhada pela Inclusão;
Fortalecimento de redes locais – como a RAPS (Rede de Atenção Psicossocial), a Rede SUAS, a Rede Escolar, o CEJUSC/Fórum, outras instituições da Rede PICs e os espaços religiosos e espirituais de base comunitária.
A prática do matriciamento ampliado — que neste contexto extrapola o apoio técnico entre equipes para atingir também organizações civis e lideranças autônomas — possibilitou a criação de um território de cuidado compartilhado, onde o conhecimento circula horizontalmente e os vínculos interpessoais são considerados centrais para o cuidado em saúde.
Como destaca Ceccim & Feuerwerker (2004), a educação permanente em saúde é, antes de tudo, uma “pedagogia do cotidiano” que emerge da prática viva e não de currículos formais isolados. Essa lógica se entrelaça com o referencial sistêmico de Bert Hellinger (2009), no qual o pertencimento, a ordem e o equilíbrio são princípios fundamentais para a saúde integral — individual e coletiva.
A Rede PICS Cabrália, portanto, não se limita a ser uma rede técnica de formação: é uma estrutura viva, relacional e espiritualizada, capaz de articular múltiplos setores e níveis de saber. Ela nasce da prática, mas se fundamenta em políticas públicas, fortalecendo o SUS, o SUAS e as diretrizes do Plano Nacional de Saúde Mental, sem abrir mão da espiritualidade, da solidariedade e da cultura viva comunitária.

3.2 O protagonismo das lideranças femininas e comunitárias
Uma das marcas mais significativas da Rede PICS Cabrália é o protagonismo exercido por mulheres líderes comunitárias, que se tornaram multiplicadoras de práticas integrativas e referência em cuidado coletivo. Essas mulheres atuam como pontes vivas entre as famílias vulnerabilizadas e os serviços públicos, entre a espiritualidade e a política, entre a dor e a restauração.
Entre essas lideranças, destacam-se Maria D’Ajuda Batista, da APDESCC, Liliane Byrne, do Instituto Oásis, e Alessandra Alves, da Fundação Meu Lar. Todas elas participaram da trajetória ou trilha formativa promovida pela Rede PICS e vivenciaram um percurso que as transformou em educadoras populares, terapeutas de pics e articuladoras comunitárias.
Maria D’Ajuda Batista – Cuidado de quem cuida
Maria D’Ajuda Batista é integrante da diretoria da APDESCC (Associação de Pessoas com Deficiência de Santa Cruz Cabrália), organização localizada no bairro Campinho e voltada ao acolhimento de famílias com pessoas com deficiência, especialmente crianças autistas. Ela própria é uma mãe atípica. Sua atuação foi intensificada a partir de sua formação no Programa de Educação Permanente do NPICS Cabrália, com participação em cursos como Toque Sistêmico (AQRIS), Reiki, Shiatsu Integrativo e Sistêmico, Auriculoterapia, Pensamento Sistêmico e alguns Módulos de Constelação Familiar.
Sua trajetória revela a potência da formação de cuidadoras que também precisam ser cuidadas. Ao tornar-se multiplicadora, Maria D’Ajuda passou a oferecer suporte direto aos estudantes de Shiatsu e a outras mães da APDESCC, promovendo, além da partilha de técnicas, escuta sensível, apoio emocional e mobilização social. A partir de sua articulação com as Secretarias do Conselho Intersetorial da Prefeitura de S.C.Cabrália, com o NPICS/CEJUSC e com a educação pública, foi possível realizar ações marcantes como a Caminhada da Inclusão no Centro da Cidade, que resultou na criação de um Dia de Referência para Conscientização sobre o Autismo no CAPS de Cabrália (quartas-feiras).
Liliane Byrne – Espiritualidade e cuidado floral
A terapeuta floral e ministra evangélica Liliane Byrne, membro da gestão do Instituto Oásis, também percorreu um processo de formação dentro da Rede PICS, participando do Curso de Autocuidado e Comunicação, na Abordagem Integrativa e Sistêmica, que inclusive trabalhou diversos aspectos da Comunicação Não Violenta, de encontros de Terapia Comunitária Integrativa, e de experiências práticas com constelação. Sua atuação se consolidou como um elo entre espiritualidade cristã, práticas florais e apoio a famílias vulneráveis, especialmente crianças.
O Instituto Oásis, localizado no bairro Geraldão, é mantido com apoio de uma igreja evangélica local, doações e atua em projetos com crianças e mulheres. Liliane participou e auxiliou em rodas de escuta ativa espiritual, presenciais e virtuais, incluindo o Curso Nacional Híbrido de Imposição de Mãos no SUS, oficinas de florais, apoio emocional a mães, jovens e grupos que integraram fé e saúde, fortalecendo o conceito de cura integral do ser. Seu engajamento inspirou outras mulheres e jovens da comunidade a iniciarem jornadas semelhantes, trazendo para dentro das igrejas evangélicas uma nova linguagem de cuidado e saúde.
Alessandra Alves – A pedagogia da presença
A professora Alessandra Alves, ex-diretora escolar e servidora efetiva da rede pública municipal, Assistente Social, coordena atualmente a Fundação Meu Lar, uma organização voltada ao apoio a famílias em situação de vulnerabilidade social, com forte inserção nos territórios escolares e do SUAS. Sua participação em múltiplos cursos da Rede PICS — entre eles pensamento sistêmico e o módulo zero de constelação familiar, florais, reflexoterapia, auriculoterapia e autocuidado com PICs — fortaleceu sua atuação como educadora restaurativa e multiplicadora de cuidado com idosos, educadores, mães e crianças.
Sua trajetória evidencia a potência da articulação entre educação e saúde comunitária, demonstrando que escolas e instituições para idosos podem e devem ser territórios de cuidado. A Fundação Meu Lar tornou-se espaço de acolhimento para escuta ativa, práticas integrativas e rodas restaurativas voltadas a voluntários, professores, mães e crianças afetadas pela desestruturação familiar, violência doméstica e abandono parental.

Essas três trajetórias convergem na afirmação de que as redes de cuidado comunitário não se sustentam sem a centralidade das mulheres, especialmente daquelas que carregam, em seus corpos e histórias, o peso do cuidado familiar, comunitário e espiritual. O reconhecimento dessas lideranças como coautoras do cuidado é parte do movimento de superação da lógica assistencialista e hierárquica, dando lugar a uma epistemologia do afeto, da escuta e da circularidade.
A experiência de Maria D’Ajuda, Liliane e Alessandra reafirma a perspectiva de que formar multiplicadoras não é apenas oferecer cursos, mas é criar vínculos, reconhecer trajetórias, acolher feridas e compartilhar autoridade. Elas são, ao mesmo tempo, educandas e educadoras, terapeutizadas e terapeutas, mães e irmãs do território.

3.3 A experiência com a APDESCC e a inclusão social das famílias atípicas
A APDESCC – Associação de Pessoas com Deficiência de Santa Cruz Cabrália, localizada no bairro Campinho, representa um marco na mobilização social em prol da inclusão de pessoas com deficiência e suas famílias no município. Embora tenha surgido da demanda de mães cuidadoras, sua atuação extrapola o cuidado com os filhos, tornando-se um espaço de referência emocional, política e espiritual para mulheres em sofrimento invisibilizado.
A parceria com a Rede PICS começou a se consolidar a partir da formação da Maria D’Ajuda Batista, diretora da associação e mãe de uma criança com autismo. Ao iniciar sua participação nos cursos do NPICS Terra Máter — como o Reiki, o Shiatsu Integrativo, a Auriculoterapia, a Comunicação Não Violenta Sistêmica, o Curso de Autocuidado Sistêmico e módulos da Constelação Familiar Comunitária — Maria D’Ajuda passou a atuar também como cuidadora de outras cuidadoras, criando redes de suporte mútuo entre as mães atendidas pela APDESCC e os estudantes de PICs da Escola do Npics Brasil.
A atuação da associação com o apoio da Rede PICS culminou em ações transformadoras, como:
A Caminhada da Inclusão, realizada com o apoio da Secretaria de Educação, Saúde, Desenvolvimento Social, Cejusc e Conselho Tutelar, levando famílias e crianças às ruas do centro da cidade com faixas, camisetas, materiais informativos e músicas, para visibilizar o autismo e outras condições neurodivergentes;
A criação de um Dia Municipal de Inclusão e Conscientização sobre o Autismo, promovido no CAPS, com oficinas de artes, acolhimento floral, rodas de escuta e constelações abertas;
A construção de grupos de apoio entre mães cuidadoras, com escuta qualificada, apoio emocional e partilha de práticas de cuidado (florais, toque sistêmico, orações, massagens);
A ampliação do diálogo com escolas públicas, possibilitando a entrada de mães em rodas de conversa com professores e gestores, promovendo empatia e compreensão da neurodivergência.
A integração com o sistema de trocas terapêuticas promovido pelo Espaço Flor de Lótus, beneficiando pessoas que não tinham acesso ao SUS nem a consultas particulares.
Essas ações foram possíveis porque, ao invés de tratar a associação como “parceira externa”, a Rede PICS assumiu a APDESCC como rede interna de cuidado sistêmico, reconhecendo que boa parte do cuidado com pessoas neurodivergentes ocorre fora das instituições formais — dentro de casa, nas igrejas, nas praças, nos bastidores do sofrimento cotidiano.
Ao mesmo tempo, Maria D’Ajuda passou a participar dos processos de planejamento da Rede PICS, tornando-se presença ativa em rodas de formação, oficinas com terapeutas e articulações com outros coletivos. A APDESCC passou a trabalhar não apenas as dores das famílias, mas os vínculos entre escola, saúde, assistência e fé.
A integração com o CEJUSC, por meio de ações com a Justiça Restaurativa, fortaleceu também o reconhecimento das mães atípicas como lideranças comunitárias, e não como apenas “usuárias de serviços”. Essa virada simbólica alterou a relação das mães com os equipamentos públicos, promovendo dignidade, pertencimento e reconhecimento.
A partir da experiência da APDESCC, consolidou-se no território a compreensão de que o cuidado integral de uma criança com deficiência envolve, necessariamente, o cuidado com sua cuidadora principal. E que políticas públicas que ignoram essa realidade tendem a se tornar tecnocráticas, excludentes e ineficazes.
Por isso, a atuação da APDESCC com a Rede PICS Cabrália representa uma inovação social restaurativa, onde a dor vira causa, a exclusão vira potência e o autocuidado torna-se estratégia política.

3.4 – O Instituto Oásis e a espiritualidade como estratégia terapêutica comunitária
A atuação do Instituto Oásis, localizado no bairro Geraldão e coordenado pela terapeuta floral e ministra evangélica Liliane Byrne, ilustra a potência da articulação entre espiritualidade, cuidado comunitário e práticas integrativas em saúde. O Instituto representa uma ponte entre o campo religioso e o campo da saúde pública, sem promover confusão entre suas esferas, mas potencializando o que há de melhor em ambas: o vínculo, a fé, a escuta e o amor como tecnologias do cuidado.
Fundado a partir de uma ação missionária evangélica, o Oásis logo passou a abrigar práticas terapêuticas informais — inicialmente realizadas por voluntárias que atuavam com oração, escuta, cestas básicas e oficinas com crianças. Ao se conectar com a Rede PICS Cabrália, especialmente por meio dos cursos de autocuidado sistêmico, florais de Bach, comunicação não violenta e pensamento sistêmico, o Instituto começou a integrar abordagens do SUS em seu modo de operar, sem abandonar sua identidade religiosa.
A formação de Liliane Byrne como terapeuta floral foi um ponto de inflexão para o Instituto. Ela participou ativamente das capacitações ofertadas pelo NPICS, das rodas de terapia comunitária integrativa com o professor Jeff Pataxó, de mini-aulas presenciais e online, e de experiências de constelação familiar. Sua participação trouxe maturidade teórica e técnica para o Instituto, que passou a aprimorar atendimentos com escuta qualificada, encontros de oração com florais, atividades com toques e comunicações leves, além de rodas com mães em sofrimento emocional.
Entre as ações de maior impacto promovidas pelo Instituto Oásis, destacam-se:
A criação de ações de apoio para mães e crianças com conflitos familiares ou transtornos do neurodesenvolvimento, vulnerabilidades sociais, com acolhimento emocional, leitura bíblica, aplicação de florais e rodas de oração e imposição de mãos;
A mobilização de voluntários da igreja local para a oferta de alimentação, escuta espiritual e recreação com crianças;
A participação de Liliane como multiplicadora dos cursos da Rede PICS, influenciando outras mulheres da igreja e da vizinhança para atuação com práticas integrativas simples;
A proposta do Instituto Oásis aproxima-se de uma clínica ampliada do espírito, onde a espiritualidade não é apenas um “complemento” à saúde, mas parte fundante da dignidade do ser. Como aponta Viktor Frankl (2005), fundador da logoterapia, o sofrimento só pode ser enfrentado plenamente quando se encontra sentido — e essa busca por sentido é, para muitas pessoas, uma jornada espiritual. É essa dimensão que o Oásis resgata com beleza e potência.
Ao contrário do que muitos temem, a aproximação entre fé e políticas públicas não implica doutrinação ou quebra da laicidade. Pelo contrário: quando feita com clareza, acolhimento e respeito à diversidade, a espiritualidade torna-se tecnologia relacional, agregando escuta, silêncio, acolhimento e motivação. Esse é o caso do Instituto Oásis.
A atuação de Liliane Byrne é exemplo vivo de como as igrejas podem ser espaços promotores de saúde, especialmente em contextos de escassez de equipamentos públicos. Mais do que isso, ela representa o que chamamos de liderança do cuidado, capaz de dialogar com os saberes da tradição e da ciência para oferecer um cuidado verdadeiramente integral.

3.5 – O Instituto Terra Máter, a constelação institucional e a expansão formativa
O Instituto Terra Máter, localizado no distrito de Santo André, em Santa Cruz Cabrália (BA), nasceu da articulação entre profissionais da saúde e terapeutas comprometidos com uma proposta de cuidado integral e regeneração ecológica, cultural e espiritual. Fundado por Dr. José Roberto Aires, médico com atuação em diversas frentes de saúde integrativa e outros membros, entre eles, Pablo Agustin Delgado, cientista político e terapeuta xamânico, constelador familiar, entre outras formações, o Instituto tornou-se um ponto de convergência entre práticas terapêuticas, saberes tradicionais, espiritualidade e inovação social.
A parceria entre o Instituto Terra Máter e a Rede PICS Cabrália se deu por meio da constelação institucional, uma metodologia adaptada da abordagem sistêmica de Bert Hellinger, com o objetivo de revelar e reorganizar as dinâmicas ocultas que afetam coletivos, organizações e políticas públicas. A constelação do Instituto foi realizada com a presença de representantes da diretoria, CEJUSC, voluntários do SUS, terapeutas e lideranças locais.
Essa experiência tornou-se um marco de virada, pois revelou:
os bloqueios internos que dificultavam a expansão do Instituto;
a importância da reconciliação de membros antigos da diretoria com os novos voluntários;
a necessidade de integrar o cuidado com a terra, o cuidado com as pessoas e o cuidado com o tempo.
O terapeuta Diego da Rosa Leal, autor deste artigo e articulador da Rede PICS, facilitou a constelação, representando o CEJUSC, fortalecendo os laços institucionais entre o poder público e a iniciativa civil. As ações foram apoiadas pela psicóloga Sônia Aires, irmã do Dr. José Roberto, que foi uma das primeiras profissionais do município a integrar o programa de formação e trocas em práticas integrativas.
O papel de Pablo Delgado foi decisivo na articulação dessa jornada. Como um dos facilitadores da formação em constelação familiar promovida pela Rede PICS, o NPICS Brasil, Pablo tornou-se multiplicador do pensamento sistêmico no território. Ele organizou diversas oficinas privadas, divulgadas no curso de Formação Sistêmica, ajudou a estruturar o Sistema de Trocas Terapêuticas, articulou ações no espaço Vila Criativa, e liderou constelações de grande impacto, como a constelação da Secretaria Municipal de Saúde.
Além disso, o Instituto Terra Máter e seu Espaço na ‘Chácara do Céu’, abriu suas portas para formações abertas ao público, encontros com terapeutas populares e experiências de espiritualidade integradora. A presença da professora Lizete Maria de Paula, referência nacional em florais de Bach e outros, com nítida visão sistêmica, trouxe reconhecimento e formação técnica às ações já realizadas no território. A ponte com Lizete foi viabilizada justamente por meio de Sônia Aires, demonstrando a força dos vínculos familiares e espirituais na construção de redes de cuidado.
Entre as contribuições mais relevantes do Instituto Terra Máter, destacam-se:
A realização de constelações institucionais abertas, com participação de terapeutas, servidores públicos, mães cuidadoras e líderes comunitários;
A promoção de vivências formativas em práticas integrativas e restaurativas com enfoque espiritual e ecológico;
A disponibilização do espaço para trocas entre terapeutas voluntários, atendendo pessoas fora da rede formal de saúde;
A produção de conhecimento local, com base nas vivências e saberes do território, respeitando o tempo, o ritmo e os limites das relações humanas.
A experiência do Instituto Terra Máter demonstra que o cuidado institucional também precisa ser curado. Quando uma organização não se reconhece como parte do sistema de saúde, quando os vínculos entre seus membros estão adoecidos, ou quando há hierarquias invisíveis desorganizadas, mesmo as melhores intenções se perdem. A constelação institucional, nesse sentido, restaurou o pertencimento, reorganizou papéis e deu novo fôlego às ações integrativas e ecológicas.
Por fim, a atuação de Pablo Delgado como cientista político e terapeuta xamânico, de espírito comunitário é simbólica do modelo defendido pela Rede PICS Cabrália: um modelo em que os saberes acadêmicos, espirituais, científicos e populares se entrelaçam para construir uma rede de cuidado viva, orgânica e profundamente humana.

3.6 – A Fundação Meu Lar e a interseção entre educação, cuidado e cidadania
A Fundação Meu Lar, situada em Santa Cruz Cabrália, representa uma das experiências mais simbólicas de integração entre os campos da educação, saúde e assistência social no território. Sob a coordenação da professora Alessandra Alves, servidora efetiva da rede pública e ex-diretora de escola, a Fundação se tornou um ponto de apoio essencial para famílias em situação de vulnerabilidade, com forte atuação na promoção de cidadania, fortalecimento de vínculos e cuidado com educadores.
A entrada da Fundação na Rede PICS Cabrália aconteceu por meio da trajetória formativa da própria Alessandra, que participou de diversos cursos promovidos pelo NPICS Terra Máter e parceiros, entre eles:
Módulo Zero de Constelação Familiar Sistêmica (institucional e comunitária)
Florais de Bach e práticas integrativas
Comunicação Não Violenta, Integrativa e Sistêmica
Autocuidado e espiritualidade no cuidado
Visão da Justiça Restaurativa e Pedagogia da Paz no Pensamento Sistêmico
A formação de Alessandra não apenas agregou repertório terapêutico e sistêmico à sua prática educacional, como também lhe forneceu ferramentas concretas para cuidar dos profissionais da escola e das famílias, dentro e fora do espaço escolar. Como ex-diretora de unidade de ensino e professora com ampla experiência, ela passou a integrar o cuidado pedagógico com ações integrativas, criando um ambiente de segurança emocional e acolhimento real.
Entre as ações relevantes da Fundação Meu Lar no contexto da Rede PICS, destacam-se:
A realização de rodas de escuta com mães e educadoras, promovendo o alívio emocional e a construção coletiva de soluções familiares e escolares;
A criação de espaços de cuidado para professores, com uso de florais, técnicas de relaxamento, toques, imposição de mãos e partilha de experiências com base na comunicação não violenta;
A participação ativa da Fundação nas campanhas de mobilização territorial, como a Caminhada pela Inclusão, eventos da Rede Restaurativa, e ações do CEJUSC;
A integração com a rede de proteção escolar e intersetorial, ajudando a identificar e encaminhar casos de violência doméstica, abandono, sofrimento psíquico e demandas não atendidas pelo SUS.
A atuação de Alessandra também fortaleceu a ponte entre o campo da educação e a política pública de saúde mental e cuidado psicossocial, pois trouxe o olhar da escola como um território privilegiado de observação, prevenção e acolhimento. Com isso, reforça-se a diretriz da Política Nacional de Promoção da Saúde e da Política de Saúde na Escola, que reconhecem o ambiente escolar como espaço estratégico para o cuidado integral.
Mais do que isso, a Fundação Meu Lar simboliza o princípio de que a educação é também um ato terapêutico. Quando professores se sentem acolhidos, quando mães encontram escuta sem julgamento, e quando idosos e crianças são vistos em sua integralidade, o espaço educativo e de convivência, torna-se um verdadeiro lar social e restaurativo — uma extensão da casa, da comunidade, da alma.
A presença de Alessandra Alves como coautora deste artigo é também o reconhecimento de sua dupla atuação: como liderança comunitária e como profissional pública comprometida com a transformação social. Sua atuação exemplifica o tipo de multiplicadora que a Rede PICS se propôs a formar: aquela que, ao cuidar de si e dos outros, transforma seu território, suas relações e as estruturas às quais pertence.

3.7 – Redes de trocas, voluntariado e justiça restaurativa no território
A consolidação da Rede PICS Cabrália como uma referência em saúde integrativa, restaurativa e territorializada não se deu apenas pela oferta de cursos, atendimentos e formações técnicas, mas especialmente pela criação e sustentação de uma rede de trocas, vínculos e confiança entre pessoas, grupos e instituições. Essa rede não é apenas funcional ou burocrática — ela é, sobretudo, afetiva, espiritual e ética, construída por meio da reciprocidade, da gratidão e do cuidado mútuo.
No centro dessa dinâmica está a construção do que se convencionou chamar de Sistema de Trocas Sistêmicas, articulado inicialmente no Espaço Flor de Lótus, com protagonismo do terapeuta Pablo Delgado e apoio de profissionais como a professora Luceni Ransolin. Essa rede permitiu que pessoas que não podiam pagar por atendimento terapêutico no setor privado — ou que também não tinham acesso garantido pelo SUS — pudessem ser acolhidas por meio de práticas de troca simbólica, voluntariado, colaboração mútua ou oferendas simples, em especial o Curso de Shiatsu e Pensamento sistêmico.
Essa lógica está em profunda consonância com os princípios da economia solidária, da espiritualidade do dom e da justiça restaurativa, na medida em que reorganiza as relações entre oferta e demanda com base na confiança, na dignidade e no pertencimento, e não apenas na moeda.
As constelações familiares comunitárias e institucionais, ofertadas tanto nos espaços públicos (como o CAPS, o CEJUSC, a Secretaria de Saúde) quanto nas instituições parceiras (como a APDESCC, o Instituto Oásis e a Fundação Meu Lar), revelaram emaranhamentos ocultos, dores sistêmicas transgeracionais e rupturas nos vínculos familiares e sociais que afetavam diretamente o bem-estar coletivo. A abordagem sistêmica foi fundamental para restaurar relações, integrar exclusões e reorganizar papéis, especialmente no cuidado com mães, educadores, idosos, crianças neurodivergentes, lideranças religiosas e terapeutas populares.
A aproximação com o CEJUSC (Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia), e com o Npics Cabrália/Brasil, contribuiu para que práticas restaurativas se tornassem ferramentas permanentes no território, com aplicação em círculos de paz, mediações integrativas e sistêmicas, escuta ativa e articulações comunitárias. A Rede Restaurativa, dentro desse movimento, não atua de forma isolada, mas costura os setores e devolve ao território a possibilidade de se reorganizar por dentro, com autonomia, afeto e propósito.
Destacam-se ainda os eventos multisetoriais como:
as vivências sistêmicas no Instituto Terra Máter;
as caminhadas da inclusão promovidas com a APDESCC;
as ações espirituais com florais no Instituto Oásis;
as formações com foco em pedagogia restaurativa na Fundação Meu Lar;
e os mutirões terapêuticos e cursos de autocuidado, organizados com o apoio do CAPS, da Secretaria de Saúde, da Secretaria de Educação e da sociedade civil.
Todas essas iniciativas foram sustentadas por uma ética da confiança e da partilha. Em vez de depender exclusivamente de recursos financeiros, a Rede PICS optou por investir no capital relacional, espiritual e comunitário, ativando redes de apoio com base em trocas sinceras, presença ativa e solidariedade.
Como resultado, o que se construiu em Santa Cruz Cabrália foi mais do que uma política pública ampliada — foi a criação de uma cultura de cuidado, onde as fronteiras entre saúde, educação, espiritualidade e cidadania se diluem, dando lugar a uma nova forma de viver o serviço público: como missão, como vocação e como amor em movimento.

4. Considerações Finais
A trajetória da Rede PICS Cabrália revela que as políticas públicas mais transformadoras não nascem apenas dos gabinetes ou das normativas institucionais, mas do encontro entre o sofrimento invisibilizado, a escuta comprometida e a coragem de fazer diferente. Em Santa Cruz Cabrália, um município marcado por desafios sociais, desigualdades estruturais e lacunas nos serviços de atenção à saúde mental, surgiu uma rede viva, pulsante e comunitária, capaz de articular práticas integrativas, justiça restaurativa e espiritualidade do cuidado.
Ao longo deste artigo, relatamos como profissionais do SUS, lideranças comunitárias, terapeutas voluntários e organizações da sociedade civil conseguiram construir uma experiência concreta e replicável de articulação intersetorial. Essa articulação foi sustentada por formações contínuas, práticas circulares, trocas terapêuticas e reconhecimento do saber popular como fundamento legítimo do cuidado.
A presença de lideranças como Maria D’Ajuda Batista, Liliane Byrne, Alessandra Alves e Pablo Delgado evidenciou que as políticas de cuidado não podem prescindir do protagonismo feminino, da espiritualidade e da escuta comunitária. Foram essas figuras que costuraram os vínculos entre a escola, a igreja, a associação, o CAPS, o CEJUSC e as ruas da cidade. São elas que sustentam, no cotidiano, o que os documentos chamam de “atenção integral à saúde”.
A experiência da Rede PICS também nos ensinou que formação não é sinônimo de curso, mas de vínculo. Que educar em saúde é, antes de tudo, restaurar os vínculos feridos, acolher os invisíveis e reconhecer o território como sujeito. E que a inovação em saúde não está necessariamente nos equipamentos de ponta ou nas tecnologias duras, mas naquilo que Cecília Coimbra (2011) chamaria de “tecnologias de afeto, resistência e presença.”
Dentre os principais aprendizados e recomendações, destacam-se:
A importância de incluir formações intersetoriais, com base na educação permanente, nos planos municipais de saúde, assistência social e educação, valorizando práticas como constelação familiar, florais de Bach, comunicação não violenta e justiça restaurativa;
A necessidade de reconhecer e apoiar financeiramente as iniciativas do terceiro setor e da sociedade civil, com atenção às lideranças femininas e religiosas que atuam nos territórios;
A recomendação para que as Secretarias Municipais e Estaduais fortaleçam redes de trocas terapêuticas e voluntariado, respeitando as culturas locais e os saberes ancestrais;
O incentivo à criação de observatórios comunitários de saúde integral e espiritualidade, conectando os eixos do SUS, SUAS e Sistema de Justiça;
A urgência de se criar linhas de fomento e financiamento específicas para redes de cuidado comunitário, com indicadores que valorizem vínculos, escuta e inclusão de populações vulneráveis.
Por fim, esta experiência deixa como legado a comprovação viva de que é possível transformar realidades locais a partir da fé, da ciência e do amor em movimento. Santa Cruz Cabrália tornou-se, com essa rede, não apenas um território de cuidado, mas um laboratório vivo de cidadania restaurativa, espiritualidade aplicada e saúde integral em sua forma mais bela: aquela que cuida da alma, da casa, do corpo e da história de cada sujeito.

5. Referências
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BRASIL. Ministério da Saúde. Caderno de Diretrizes, Objetivos, Metas e Indicadores 2021–2027 – Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Brasília: MS, 2021.
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DELGADO, Pablo Agustin. Sistema de Trocas Sistêmicas e Constelação Institucional como ferramenta de gestão comunitária: relato de experiência. Santa Cruz Cabrália, 2023. (Manuscrito inédito).
FEUERWERKER, Laura Camargo Macruz. Micropolítica e saúde: produção do cuidado, gestão e formação. Porto Alegre: Rede UNIDA, 2014.
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LEAL, Diego da Rosa. Abordagem Quântica, Restaurativa, Integrativa e Sistêmica (AQRIS): uma síntese transdisciplinar do cuidado em saúde e consciência. Santa Cruz Cabrália, 2025. Plataforma IdeaSUS/Fiocruz. Disponível em: https://ideiasus.fiocruz.br/praticas/abordagem-quantica-restaurativa-integrativa-e-sistemica-aqris-uma-sintese-transdisciplinar-do-cuidado-em-saude-e-consciencia/. Acesso em: 11 jul. 2025.

LEAL, Diego da Rosa. Curso de Shiatsu na abordagem integrativa e sistêmica: noções de medicina tradicional chinesa. Santa Cruz Cabrália, 2025. Plataforma IdeaSUS/Fiocruz. Disponível em: https://ideiasus.fiocruz.br/praticas/curso-de-shiatsu-na-abordagem-integrativa-e-sistemica-nocoes-de-mtc/. Acesso em: 11 jul. 2025.

LEAL, Diego da Rosa. Articulação da Rede Psicossocial Restaurativa e Integrativa em Santa Cruz Cabrália. Santa Cruz Cabrália, 2025. Plataforma IdeaSUS/Fiocruz. Disponível em: https://ideiasus.fiocruz.br/praticas/articulacao-da-rede-psicossocial-restaurativa-e-integrativa-em-santa-cruz-cabralia/. Acesso em: 11 jul. 2025.

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WAGNER DE SOUSA CAMPOS, Gastão. Reflexões sobre a integralidade em saúde: o cotidiano das políticas públicas de saúde no Brasil. Rio de Janeiro: EPSJV/Fiocruz, 2019.

Agradecimentos
A realização deste trabalho e, sobretudo, a construção da Rede PICS Cabrália como experiência viva e transformadora, só foram possíveis graças à entrega generosa de muitas mãos, corações e instituições.
Agradecemos primeiramente ao Pai Celestial, o grande organizador sistêmico da vida, por nos conduzir, com misericórdia e justiça, pelos caminhos da cura, do perdão e da reconciliação. Sem a luz do Espírito Santo, não haveria clareza para discernir o caminho; sem a fé, não haveria força para segui-lo.
Agradecemos à Juíza Tarcizia Fonseca, da Comarca de Santa Cruz Cabrália, por seu apoio à implementação da Justiça Restaurativa no município e por reconhecer as práticas integrativas como aliadas na pacificação social. Sua visão sensível e comprometida inspirou e validou muitos de nossos passos.
Às instituições públicas que abriram as portas para o novo:
à Prefeitura Municipal de Santa Cruz Cabrália,
à Secretaria de Saúde,
às Secretarias de Educação e Desenvolvimento Social,
ao CAPS,
ao CEJUSC,
ao Npics Cabrália,
ao antigo NASF (atual E-multi),
pelo apoio técnico, político e simbólico ao processo formativo e restaurativo.
Às organizações da sociedade civil que caminharam conosco com fé, coragem e serviço:
APDESCC,
Instituto Oásis,
Instituto Terra Máter,
Fundação Meu Lar,
Espaço Flor de Lótus,
e todas as demais cerca de 20 instituições que compõem nossa rede viva.
Agradecemos, com profunda reverência, a cada mãe cuidadora, educador, profissional de saúde, voluntário, terapeuta popular e liderança espiritual que se permitiu ser cuidado para cuidar. Vocês são o chão sagrado dessa experiência.
De forma especial, agradecemos às coautoras e ao coautor deste trabalho:
à Maria D’Ajuda Batista, por ser a guardiã das mães invisibilizadas e referência de coragem materna e comunitária;
à Liliane Byrne, por nos lembrar que fé e saúde caminham juntas quando há amor e escuta verdadeira;
à Alessandra Alves, por ensinar, com sua prática e presença, que a educação pode ser território de cura;
e ao Pablo Agustin Delgado, por sua capacidade de unir política, espiritualidade e ciência em nome do bem comum.
Também agradecemos aos mestres e referências que nos inspiram, entre eles:
Bert Hellinger, Adalberto Barreto, Jeff Pataxó, Joan Garriga, Carola Castillo, Jan Jacob Stam, Viktor Frankl, Cecília Coimbra, Victor Valla, Emerson Merhy, Gastão Wagner, Edgar Morin, entre tantos outros que ecoam em nossas palavras e práticas.
Por fim, nossa gratidão às comunidades de Cabrália — urbanas, indígenas, tradicionais, periféricas e espirituais — por nos acolherem, nos ensinarem e nos desafiarem a ser melhores. Essa rede não nasceu para competir com as instituições, mas para complementar com amor aquilo que a política pública ainda não alcançou.
A vocês, nossa reverência. Este trabalho é vosso.

autor Principal

Diego da Rosa Leal

npicscabralia@gmail.com

Enfermeiro Terapeuta Sistêmico

Coautores

Autores Diego da Rosa Leal – Terapeuta Sistêmico, Enfermeiro, Professor e Presidente do NPICS Brasil Pablo Agustin Delgado – Cientista Político, Constelador Familiar e voluntário da Vila Criativa Maria D’Ajuda Batista – Liderança comunitária e membro da Diretoria da APDESCC Liliane Byrne – Ministra Evangélica, Terapeuta Floral e membro da gestão do Instituto Oásis Alessandra Alves – Professora, Assistente Social, ex-diretora de escola, servidora efetiva do município e coordenadora da Fundação Meu Lar Afiliações NPICS Cabrália/Brasil; CAPS; NASF e CEJUSC de Santa Cruz Cabrália; Rede Pics Cabrália; APDESCC; Instituto Oásis; Fundação Meu Lar

A prática foi aplicada em

Santa Cruz Cabrália

Bahia

Nordeste

Esta prática está vinculada a

Forum Jutahy Fonseca, Santa Cruz Cabrália - BA, Brasil

Uma organização do tipo

Instituição Pública

Foi cadastrada por

Diego da Rosa Leal

Conta vinculada

22 jul 2025

CADASTRO

25 set 2025

ATUALIZAÇÃO

Condição da prática

Concluída

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