Desde 2005, exatamente há 20 anos, o Laboratório de Pesquisa em Epidemiologia e Determinação Social da Saúde do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI)/Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) vem desenvolvendo pesquisas que buscam construir novas práticas de promoção da saúde e formas de produção colaborativa de conhecimento entre os mais diversos profissionais de saúde, ciências sociais, educação, artes, membros e líderes de grupos comunitários, desenvolvendo ações de saúde de interesse coletivo. Entre as pesquisas desenvolvidas está a “Plataforma de Saberes (PS): Promovendo saúde e bem-estar por meio do envolvimento e participação comunitária em ações inovadoras de promoção da saúde e produção de conhecimento, com ênfase em práticas integrativas e complementares (PIC)”, que possibilita a participação ativa da sociedade, também proporcionando subsídios para a emancipação social daqueles impactados por suas ações e contribuições para a formulação de políticas públicas. A PS é uma iniciativa que promove saúde, cuidado aos participantes por meio de ações que valorizam e estimulam a criatividade, experimentação e interdisciplinaridade, ou seja, uma forma de inclusão social, melhoria da autoestima e redução das desigualdades. Como a musicoterapia é uma das 29 PIC institucionalizadas pelo Ministério da Saúde do Brasil, essa prática foi utilizada como proposta inovadora para contribuir com a transformação social da comunidade, empoderamento e cuidado em saúde. Este manuscrito tem como objetivo relatar a experiência de implementação das Oficinas de Musicoterapia (OMT) no âmbito da PS e o impacto dessa prática coletiva na saúde de seus participantes. Utilizamos os principais métodos da musicoterapia (improvisação, recriação, composição e escuta). Os convidados para a atividade são pessoas vivendo com doenças infecciosas (ex.: HIV/Aids, doença de Chagas), doenças crônicas (ex.: câncer de mama, outras neoplasias), problemas de saúde (ex.: ansiedade, depressão), e seus respectivos amigos/familiares também participam. As práticas de musicoterapia foram desenvolvidas em grupos e em diferentes espaços no campus da Fiocruz. Todas as OMT foram precedidas por um grupo de discussão com uma equipe multidisciplinar convidada (epidemiologista, infectologista, fisioterapeuta, nutricionista, psicólogo, entre outros) para realizar a atividade de acordo com cada tema abordado. O projeto recebeu apoio financeiro da Faperj, do Programa INOVA/FiopromoS/Fiocruz e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do INI/Fiocruz.
A Fiocruz está localizada em Manguinhos, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, uma área de conflito com recursos limitados e decrescentes. Juntamente com as comunidades do entorno da Fiocruz, temos vivenciado que a violência é exercida, sobretudo, como um processo social, embora não se limite ao setor da saúde. Assim, devemos exercer nosso compromisso ético como profissionais de saúde pública no desenvolvimento de estratégias que contribuam para o fortalecimento da comunidade e que possibilitem às pessoas ajudarem-se mutuamente e desenvolverem seu potencial, autonomia, empoderamento e melhorarem sua qualidade de vida. É nesse contexto que a musicoterapia se insere, não apenas no âmbito da interdisciplinaridade e como uma das PIC, mas também como uma especialidade. O uso da música como poder de deslocamento (que representa o quanto do poder aparente é transformado em poder ativo), de reinvenção, de criatividade, pode atuar como um dispositivo de promoção da saúde, ou seja, uma ferramenta eficaz para promover a transformação social.
Realizamos cinco OMT de setembro a dezembro de 2024, com grupos variando de 15 a 23 participantes por OMT. Temas abordados (alguns realizados durante meses de campanhas de saúde voltadas para conscientização e prevenção de doenças): 1) Covid Longa sob uma perspectiva interdisciplinar; 2) Outubro Rosa: promovendo o cuidado por meio da arte; 3) Roda de conversa sobre autismo com visita técnica à Casa da Borboleta do Museu da Vida/Fundação Oswaldo Cruz; 4) Novembro Azul: Terapia Comunitária Integrativa; 5) Dia Mundial da Aids. O violão foi o instrumento harmônico utilizado nas OMT, além de outros instrumentos de percussão (pandeiro, afoxé, sinos de chave, castanholas, chocalhos feitos de garrafas PET com miçangas e chocalhos feitos de tampas de garrafas PET – proporcionando o som da chuva/mar). Os participantes, predominantemente (90%) mulheres com idades entre 53 e 82 anos, puderam manusear e experimentar os instrumentos de percussão. Alguns relatos dos participantes sobre a avaliação das OMT: “Enquanto você se diverte com a música não está pensando em outras coisas... a música pode ajudar a trazer alegria, a se livrar de pensamentos ruins e negatividade do coração”... “Acho que a música, os encontros... o desenvolvimento das oficinas é um ótimo trabalho...” (61 anos, masculino, ensino fundamental incompleto, vivendo com HIV), “É muito legal; gera motivação dentro de nós... eu estava naquela euforia... minha avaliação é positiva, tem que continuar [referindo-se à continuidade das OMT]...” (63 anos, masculino, ensino superior, vivendo com HIV); “Ouvi o violão do doutor [paciente com perda auditiva devido a histórico prévio de meningite], mas não ouço a voz... só quando falam bem alto, eu ouço o chocalho, o pandeiro... para mim foi ótimo! Mesmo que eu não escute, ainda gosto. Isso é muito bom para mim. Ouvi aquela coisinha redonda que não sei o nome com bolinhas azuis [afoxé]” (79 anos, feminino, ensino médio, vivendo com HIV), “Maravilhoso, nós escrevemos a letra!!! Você tem que tocar para nós sempre que tiver atividades... nos dê a letra para praticarmos em casa e quando chegarmos aqui [na Fiocruz] já vamos saber... para cantar junto com vocês...” (57 anos, feminino, ensino médio, vivendo com câncer de mama). Essas são algumas opiniões, os participantes também expressaram muitas outras, mas, de forma geral, a atividade incentivou seu engajamento e envolvimento no processo de musicoterapia, motivando-os a tocar, ouvir, improvisar e compor coletivamente.
Esperamos dar continuidade às atividades da PS, promovendo saúde e produzindo conhecimento, já que os dados apresentados sugerem o quão poderosas as OMT são para o bem-estar físico, social, mental, emocional, espiritual e cognitivo de pessoas em vulnerabilidade social.
Since 2005, exactly 20 years ago, the Laboratory of Research in Epidemiology and Social Determination of Health of the Evandro Chagas National Institute of Infectious Diseases (ECNIID)/Oswaldo Cruz Foundation (Fiocruz) has been developing research that seeks to build new practices for health promotion and forms of collaborative knowledge production among the most diverse health professionals, social sciences, education, arts, members and leaders of community groups, developing health actions of collective interest. Among the research developed is the “Platform of Knowledge (PK): Promoting health and well-being through community involvement and participation in innovative actions for health promotion and knowledge production, with emphasis on integrative and complementary practices (ICP)”, which enables active participation of society, also providing subsidies for the social emancipation of those impacted by its actions and contributions to the formulation of public policies. The PK is an initiative that promotes health, care for participants through actions that value and stimulate creativity, experimentation and interdisciplinary, that is, a form of social inclusion, improved self-esteem and reduced inequalities. Since music therapy is one of the 29 ICP institutionalized by the Brazilian Ministry of Health, this practice was used as an innovative proposal to contribute to the social transformation of the community, empowerment and health care. This manuscript aims to report the experience of implementing Music Therapy Workshops (MTW) within the scope of the PK and the impact of this collective practice on the health of its participants. We used the main music therapy methods (improvisation, recreation, composition and listening). The guests for the activity are people living with infectious diseases (e.g. HIV/Aids, Chagas disease), chronic diseases (e.g. breast cancer, other neoplasms), health problems (e.g. anxiety, depression), and their respective friends/family members also participate. The music therapy practices were developed in groups and in different spaces on the Fiocruz campus. All the MTW were preceded by a discussion group with an invited multidisciplinary team (epidemiologist, infectologist, physiotherapist, nutritionist, psychologist, among others) to carry out the activity according to each topic addressed. The project received financial support from Faperj, the INOVA/FiopromoS/Fiocruz Program and approval from the ECNIID/Fiocruz Research Ethics Committee.
The Fiocruz is located in Manguinhos, in the northern part of the city of Rio de Janeiro, a conflict zone with limited and decreasing resources. Together with the communities surrounding Fiocruz, we have experienced that violence is exercised, above all, as a social process, although it is not limited to the health sector. Thus, we must exercise our ethical commitment as public health professionals in developing strategies that contribute to strengthening the community and that enable people to help each other and develop their potential, autonomy, empowerment and improve their quality of life. It is within this context that music therapy fits in, not only within the scope of interdisciplinarity and as one of the ICP, but also as a specialty. The use of music as a power of displacement (which represents how much of the apparent power is transformed into active power), of reinvention, of creativity, can act as a health promotion device, that is, an effective tool to promote social transformation.
We held five MTW from September to December 2024, with groups ranging from 15 to 23 participants per MTW. Topics covered (some held during months of health campaigns aimed at raising awareness and preventing diseases): 1) Long Covid from an interdisciplinary perspective; 2) Pink October: promoting care through art; 3) Discussion circle on autism with a technical visit to the Butterfly House at the Museum of Life/Oswaldo Cruz Foundation; 4) Blue November: Integrative Community Therapy; 5) World Aids Day. The guitar was the harmonic instrument used in the MTW, in addition to other percussion instruments (tambourine, afoxé, key chimes, castanets, rattles made from PET bottles with beads, and rattles made from PET bottle caps – providing the sound of rain/sea). The participants, predominantly (90%) women aged between 53 and 82, were able to handle and try out the percussion instruments. Some reports from the participants about the evaluation of the MTW: “While you are having fun with the music you are not thinking about other things... music can help bring joy, to get rid of bad thoughts and negativity from your heart”... “I think that the music, the meetings... the development of the workshops is a great job...” (61 years old, male, incomplete elementary education, living with HIV), “It’s really cool; it builds motivation inside of us... I was in that euphoria... my evaluation is positive, it has to continue [referring to the continuity of the MTW]...” (63 years old, male, higher education living with HIV); “I heard the doctor’s guitar [patient with hearing loss due to a previous history of meningitis], but I don’t hear the voice... only when they speak really loudly, I hear the rattle, the tambourine... for me it was great! Even though I don't listen to it, I still like it. This is really good for me. I heard that little round thing that I don't know the name of with blue dots [afoxé] (79 years old, female, high school graduate, living with HIV), “Wonderful, we wrote the lyrics!!! You have to play it for us whenever you have activities... give us the lyrics so we can practice at home and when we get here [to Fiocruz] we'll already know... to sing along with you...” (57 years old, female, high school graduate, living with breast cancer). These are some opinions, the participants also expressed many others, but overall the activity encouraged their engagement and involvement in the music therapy process, motivating them to play, listen, improvise and compose collectively.
We expect to continue the PK activities, promoting health and producing knowledge, as the data presented suggest how powerful MTW are for the physical, social, mental, emotional, spiritual and cognitive well-being of people in social vulnerability.