Este é um estudo qualitativo caracterizado como um relato de experiência narrativa de um residente de Medicina de Família e Comunidade durante um estágio optativo na cidade de João Pessoa, focado em serviços de saúde que oferecem Práticas Integrativas e Complementares (PICs) em junho de 2024. Seu objetivo é descrever o aprendizado e a reflexão crítica desenvolvidos por um residente de medicina da cidade do Rio de Janeiro durante e após o estágio em João Pessoa. A pesquisa foi realizada priorizando artigos publicados entre 2020 e 2024, coletados das plataformas BVS, Pubmed e Oasis Br. Além disso, foram incluídos trabalhos de autores brasileiros que são referências no contexto do tema abordado: Madel Luz, Charles Tesser, Marilene Cabral do Nascimento e Gustavo Tenório Cunha.
A Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) foi instituída pela Portaria nº 971/2006 em resposta à crescente disponibilidade de terapias médicas derivadas da Medicina Tradicional, Alternativa e Complementar nos serviços públicos de saúde do Brasil. Atualmente, essas práticas são mais comumente encontradas na Atenção Primária à Saúde. Em João Pessoa, capital do estado da Paraíba, a implementação começou em 2007 e, em janeiro de 2008, a Lei Municipal nº 1655 integrou oficialmente as PICs ao sistema municipal de saúde.
Nesse contexto, as PICs são oferecidas em Unidades Básicas de Saúde, Centros Ambulatoriais e duas instituições de alta complexidade, em que a Medicina Tradicional Chinesa é notavelmente utilizada para o manejo da dor. Segundo documentos fornecidos pelo grupo gestor de PICs da Secretaria de Saúde de João Pessoa, diversas práticas são implementadas na Atenção Secundária. As mais frequentemente registradas no primeiro trimestre de 2024 foram auriculoterapia, acupuntura, terapia floral e meditação. Durante esse período, um total de 8.819 procedimentos foi registrado em quatro centros ambulatoriais.
A rotação incluiu estágios em unidades de atenção secundária e primária à saúde, dois centros de PICs, uma clínica ambulatorial e uma Unidade Básica de Saúde, onde profissionais como fisioterapeutas, acupunturistas, massoterapeutas e outros profissionais de saúde prestam atendimento. Foi uma rotação optativa de quatro semanas em serviços de PICs na capital da Paraíba. O residente observou práticas da Medicina Tradicional Chinesa, como acupuntura e auriculoterapia, bem como técnicas de manejo da dor miofascial, incluindo massoterapia, ventosaterapia e agulhamento seco. As unidades também ofereciam grupos de Constelação Familiar; Grupos de Homens e Mulheres; Gestão da Autoestima; e Yoga.
Como em outras cidades brasileiras, João Pessoa enfrenta tanto fortalezas quanto desafios em relação aos serviços que oferecem cuidado integrativo. A Atenção Primária à Saúde (APS) é a porta de entrada para os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). A APS tem a tarefa de fornecer atenção integral com foco familiar e comunitário, o que se alinha aos objetivos das práticas integrativas e complementares. No entanto, o cuidado biomédico tende a ser priorizado, muitas vezes devido à falta de conhecimento entre os profissionais da APS e à desconfiança entre os usuários. Nesse caso, maior incentivo por parte dos gestores e apoio institucional seriam necessários para que padrões culturais e tecnológicos sejam dissociados e novas PICs sejam aceitas.
A falta de conhecimento entre os profissionais de saúde reflete a limitada promoção e inclusão dessas terapias no currículo universitário. Estudos mostram que muitos cursos de medicina e formação em saúde não incorporam a educação em PICs, em desacordo com os objetivos da PNPIC. Entre os profissionais já graduados, especialmente os da atenção primária, alguns buscam formação em PICs de forma independente, muitas vezes arcando com os custos. Isso evidencia a falta de investimento e apoio institucional por parte dos gestores de saúde.
Outra questão é que as clínicas de atenção secundária tendem a atender menos pacientes. Isso pode se dever ao acesso territorial, sendo mais provável que usuários que moram próximos aos serviços compareçam, e também aos processos de encaminhamento e listas de espera. Além disso, devido ao menor número de vagas disponíveis, há uma distância sociofamiliar, em que se pode pensar que, mesmo em abordagens comunitárias, as práticas tendem a não ser implementadas em abordagens familiares.
Essas práticas estão associadas ao cuidado longitudinal e a relações mais fortes entre paciente e profissional de saúde. No contexto da APS, há um ambiente ideal para implementar terapias complementares. Ao mesmo tempo, as PICs foram integradas aos serviços de atenção secundária e terciária, especialmente quando apoiadas pela APS para garantir a continuidade e a integralidade do cuidado.
Em situações em que a APS pode não estar oferecendo cuidado adequado, os serviços podem ser melhor integrados, por exemplo, incorporando as PICs às operações de rotina das unidades de saúde. Uma estratégia é alocar horários ou turnos específicos para que os profissionais da APS incorporem as PICs em suas consultas.
Nas unidades em que os profissionais apresentam as PICs aos usuários, estratégias são frequentemente utilizadas para garantir que elas sejam incluídas nos planos de cuidado. Essas geralmente assumem três formas: turnos dedicados exclusivamente às PICs; integração com outras atividades da APS; ou ambas as abordagens combinadas. No entanto, essas atividades muitas vezes ocorrem fora do cronograma institucional padrão e carecem de apoio formal.
Estudos justificam essas estratégias apontando desafios como espaço físico insuficiente, recursos limitados e cronogramas rígidos, que são os principais fatores que dificultam a prática das PICs na atenção primária.
Esta rotação optativa demonstrou que, ao considerar aspectos físicos, econômicos e sociais, as PICs permitem uma compreensão mais ampla das necessidades dos usuários. Quando consideramos a Medicina de Família e Comunidade, o cuidado prestado inclui, além do tratamento da doença, habilidades de comunicação únicas e continuidade do cuidado da pessoa, de sua família e do ambiente social.
Compreender a política e os serviços de PICs em João Pessoa como formas de cuidado simples, econômicas e de certa forma íntimas tornou essa uma experiência significativa e enriquecedora durante a formação em residência médica.
Pode-se sugerir que residentes nesse estágio externo compreendam a gestão das PICs em termos de financiamento e organização, para que possam utilizá-la como ferramenta no processo de aprimoramento de projetos para o sistema de saúde.
This is a qualitative study characterized as a narrative experience report by a Family and Community Medicine resident during an elective internship in the city of João Pessoa, focused on health services offering Integrative and Complementary Practices (PICs) in June 2024. It´s objective is to describe the learning and critical thinking developed by a medical resident from the city of Rio de Janeiro during and after the internship in João Pessoa. The research was made prioriting articles published between 2020 and 2024, collected from the BVS, Pubmed, and Oasis Br platforms. In addition, it was included papers from Brazilian authors who are references in the context of the topic addressed: Madel Luz, Charles Tesser, Marilene Cabral do Nascimento, and Gustavo Tenório Cunha.
The National Policy on Integrative and Complementary Practices (PNPIC) was established through Ordinance No. 971/2006 in response to the increasing availability of medical therapies derived from Traditional, Alternative, and Complementary Medicine in Brazil’s public health services. Currently, these practices are most commonly found in Primary Health Care. In João Pessoa, capital of Paraíba state, implementation began in 2007, and in January 2008, Municipal Law No. 1655 officially integrated PICs into the municipal health system.
In this context, PICs are offered in Basic Health Units, Ambulatory Centers, and two high-complexity institutions, wich Traditional Chinese Medicine is notably used for pain management. According to documents provided by the PICs management group of the João Pessoa´s Health Department, various practices are implemented in Secondary Care. The most frequently recorded in the first quarter of 2024 were auriculotherapy, acupuncture, flower therapy, and meditation. During this period, a total of 8,819 procedures were recorded across four outpatient centers.
The rotation included placements in secondary and primary health care units, two PICs centers, one outpatient clinic, and one Primary Health Unit, where professionals such as physiotherapists, acupuncturists, massage therapists, and other health professionals provide care. It was a four-week elective rotation in PICs services in the capital of Paraíba. The resident observed practices from Traditional Chinese Medicine, such as acupuncture and auriculotherapy, as well as myofascial pain management techniques including massage therapy, cupping therapy, and dry needling. The units also offered groups in Family Constellation Therapy; Men’s and Women’s Groups; Self-Esteem Management; and Yoga.
As in other Brazilian cities, João Pessoa faces both strengths and challenges regarding the services that provide integrative care in the city of João Pessoa. Primary Health Care (PHC) is the gateway for users of Brazil’s Unified Health System (SUS). PHC is tasked with providing comprehensive care with a family and community focus, which aligns with the goals of integrative and complementary practices. However, biomedical care tends to be prioritized, often due to a lack of knowledge among PHC professionals and mistrust among users. In this case, greater encouragement from managers and institutional support would be necessary so that culture and technology standards are decoupled and new PICS are accepted.
The lack of knowledge among health professionals reflects the limited promotion and inclusion of these therapies in university curriculum. Studies show that many medical and health training programs fail to incorporate PICs education, contrary to the goals of the PNPIC. Among already graduated professionals, especially those in primary care, some seek PICs training independently, often funding it themselves. This highlights a lack of investment and institutional support from health managers.
Another issue is that secondary care clinics tend to serve fewer patients. This may be due to territorial access, users living closer to the services are more likely to attend and also due to referral processes and waiting lists. Furthermore, due to the smaller number of places available, there is a socio-familiar distance, where it can be thought that, even in community approaches, practices tend not to be implemented in family approaches.
These practices are associated with longitudinal care and stronger patient-provider relationships. In the PHC setting, there is an ideal environment for implementing complementary therapies. At the same time, PICs have been integrated into secondary and tertiary care services, especially when supported by PHC to ensure continuity and comprehensiveness of care.
In situations where PHC may not be providing adequate care, services can be better integrated, for instance, by incorporating PICs into routine health unit operations. One strategy is to allocate specific time slots or shifts for PHC professionals to incorporate PICs into their consultations.
In units where professionals introduce PICs to users, strategies are often used to ensure they are included in care plans. These typically take three forms: shifts dedicated solely to PICs; integration with other PHC activities; or both approaches combined. However, these activities often occur outside of the standard institutional schedule and lack formal support.
Studies justify these strategies by pointing to challenges such as insufficient physical space, limited resources, and rigid scheduling, which are the main factors that make it difficult to practice PICS in primary care.
This elective rotation demonstrated that, when considering physical, economic, and social aspects, PICs allow a broader understanding of users needs. When we consider Family and Community Medicine, the care provided includes beyond treating illness, unique communication skills and continuity of care for the person, their family and social environment.
Understanding the PICs policy and services in João Pessoa as simple, cost-effective, and somewhat intimate forms of care made this a significant and enriching experience during medical residency training.
It could be suggested that residents in this external internship understand PICS management in terms of financing and organization, so that it can be used as a tool in the process of improving projects for the healthcare system.