- Atenção Primária à Saúde
Maria Núbia de Oliveira
- 15 abr 2024
O presente trabalho apresenta a idealização, elaboração e execução do projeto da primeira Unidade Móvel de Vacinação da Rede SUS: o Vacimóvel. O veículo comporta uma sala de vacina destinada à vacinação extramuro que foi idealizada a partir da observação das baixas coberturas vacinais no município de Betim, em Minas Gerais. Ao analisar as coberturas vacinais, foi possível correlacionar fatores que contribuem para isso, dentre eles: dificuldade de acesso da população aos serviços de saúde por diversos fatores como horário limitado de funcionamento que não contempla a classe trabalhadora, deslocamento nas áreas rurais, mães com crianças em idades diferenciadas e dificuldade financeira para transporte até uma unidade básica de saúde. Tais fatores se tornaram mais preocupantes em meio à pandemia da covid-19, cujo acesso à vacina passou a ser fator determinante para a redução do número de mortes e o controle da doença. Diante disso, foi necessário reinventar-se e buscar estratégias inovadoras para fazer com que a vacina estivesse acessível à população e também para adaptar-se à nova realidade que influenciou diretamente as coberturas vacinais dos demais imunizantes do calendário. Desde sua aquisição em novembro de 2021, o veículo atua de forma dinâmica e efetiva. O seu projeto foi compartilhado com vários municípios e têm sido replicado, demonstrando que é possível o desenvolvimento de estratégias inovadoras no âmbito do SUS.
A vacina é a maior conquista da saúde pública, sendo uma das medidas mais efetivas de prevenção e promoção da saúde, tanto individual quanto coletiva. No Brasil, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) foi criado em 1973 e segue o modelo direcionado aos princípios do SUS. Atualmente o PNI oferece 44 tipos de imunobiológicos, incluindo vacinas, soros e imunoglobulinas, disponibilizados nos serviços públicos de saúde de todo o território nacional, de forma gratuita para os usuários. A partir da década de 1990 o Programa conseguiu atingir uma cobertura vacinal inédita com valores acima de 95% para população menor de um ano de idade em todo o país. Vale ressaltar que nesta mesma época implantava-se no Brasil o Sistema Único de Saúde (SUS), tendo este exercido papel fundamental para o acesso da população à vacinação e, consequentemente, o sucesso em sua cobertura. A partir de 2016 observou-se queda nas coberturas vacinais, fato que se acentuou com a pandemia de covid-19, gerando grande preocupação para Saúde Pública. O sarampo já havia sido erradicado no Brasil em 2016, quando o país foi nomeado zona livre do vírus do sarampo pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Porém, com a diminuição da cobertura vacinal, houve uma explosão de casos em 2018, e em 2019 o país perdeu o título. Nesse mesmo ano, nenhuma das vacinas básicas para crianças menores de um ano teve sua meta alcançada pela primeira vez desde o sucesso do programa. Assim como a realidade verificada no Brasil, o município de Betim apresentou queda das coberturas vacinais desde 2019. A partir dos resultados da Pesquisa ImunizaSUS e da reflexão sobre os problemas e desafios das ações de imunização, iniciou-se uma discussão local para realizar o levantamento dos diversos fatores que influenciaram na queda da cobertura vacinal. Dentre eles podemos destacar, os seguintes: 1. As questões culturais e ideológicas, tais como crenças de que a vacina faz mal e medo de seus efeitos adversos e/ou colaterais; 2. Dificuldades de acesso às UBS; 3. Dificuldade de procurar às Unidades de Saúde pelos pais que trabalham em horário comercial; 4. A falta de acesso à informação em saúde e ações de vacinação; 5. Baixa percepção de risco de contrair doenças infecciosas por parte da população, desconfiança sobre a eficácia e segurança das vacinas, além do argumento de que a doença está erradicada ou ela é leve. 6. A ação dos movimentos antivacinas, as fake news e a pandemia atual do novo coronavírus como fatores responsáveis pelo atraso na busca pela vacinação. Desta forma, frente ao momento crítico de baixos índices de coberturas vacinais aquém das metas preconizadas pelo PNI, fez-se necessário a elaboração de propostas fundamentadas para estabelecer estratégias a serem adotadas e implementadas.
Através das discussões das fragilidades que interferem diretamente no alcance das coberturas vacinais, percebeu-se que o acesso à vacina se tratava de um fator determinante para a melhoria das coberturas vacinais. O fato se tornou mais preocupante em meio à pandemia de covid-19, cujo acesso à vacina tornou-se um fator determinante para a redução do número de mortes e o controle da doença. Diante disso, foi necessário reinventar-se e buscar estratégias inovadoras para fazer com que a vacina estivesse acessível à população e também para adaptar-se à nova realidade que influenciou diretamente as coberturas vacinais das demais vacinas do calendário. Neste contexto, foi idealizado, elaborado e executado o projeto do primeiro Vacimóvel, para atuar na vacinação extramuro no município de Betim/MG, desenvolvido em outubro de 2020, com finalização em novembro de 2021. O Vacimóvel, objetiva a continuidade das ações do PNI e do Plano Nacional de Operacionalização contra a covid-19 (PNO) para garantir a imunização do maior número de usuários através da vacinação extramuro, minimizar o avanço da pandemia de COVID-19, bem como alcançar as metas de coberturas vacinais pactuadas pelo Ministério da Saúde para manter a erradicação, eliminação e o controle de doenças imunopreveníveis. O veículo consiste em um furgão adaptado de acordo com as legislações de trânsito do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), para se tornar uma Unidade Móvel de Vacinação, equipado com uma sala de vacina, em conformidade com as normas do PNI e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Conta com uma equipe composta por uma enfermeira, duas técnicas em enfermagem, um ordenador de fluxo e um motorista, todos treinados e habilitados para o serviço de vacinação. Desde sua aquisição, o Vacimóvel atua em praças de maior circulação de pessoas: empresas, mercado municipal e feiras livres, eventos esportivos, universidades, creches e escolas, instituições de longa permanência, inaugurações e eventos comemorativos do município, além de percorrer as regionais de saúde da cidade e na área rural. Possui também uma programação que contempla atividades de vacinação noturna e finais de semana. Esta estratégia de vacinação permite uma operação em locais pontuais de maior fluxo de pessoas, e com horário ampliado, fazendo com que o acesso à vacinação esteja ao alcance da população. Foram registrados dados das ações e campanhas pontuais desde a sua implantação em novembro de 2021 até março de 2023. Em uma análise geral, o Vacimóvel é a sala de vacina responsável pelo maior número de doses de vacinas aplicadas entre as 38 salas atuantes no município de Betim, acumulando um total de 54.593 doses que representam 6,72% da vacinação total do município. Tem um volume de vacinação correspondente a 7 salas de vacinas de menor porte no município. Na campanha contra a covid-19, foram aplicadas quase 46 mil doses de vacina dos diferentes imunizantes na população a partir de 6 meses de idade, o que corresponde a quase 10% da vacinação de Betim, chegando a aplicar 15.613 doses de vacinas a mais do que a Unidade Básica de Saúde com um maior número de doses aplicadas entre as UBS. Outro exemplo da importância da vacinação itinerante, foi a ampliação temporária prevista pela SES/MG, com a vacina meningocócica C. O Vacimóvel foi responsável por 21,96% das doses aplicadas, sendo que entre as UBS, o maior percentual representa 7,57%. Atuou também em abrigos para pessoas vítimas de enchentes, atualizando a situação vacinal e aplicando quase 400 doses da vacina contra Hepatite A. Na campanha contra a poliomielite entre agosto e setembro de 2022 foi um fator determinante, diante da baixa adesão, através da vacinação em creches e escolas que contabilizou um montante de 1.130 doses de vacinas aplicadas. Além da implantação do Vacimóvel, foram desenvolvidas pelo município de Betim outras estratégias para os demais fatores que interferem na cobertura vacinal. Dentre eles, a implantação de Dia D municipal com atualização das cadernetas das crianças, adultos e idosos; registro nominal individualizado para garantir o reconhecimento do cidadão vacinado pelo número do CNS e pelo CPF, a fim de acompanhar as pessoas vacinadas e evitar duplicidade de vacinação; correção de eventuais erros do Sistema de Informação adotado pelo município para minimizar erros de transmissão e melhoria dos relatórios das coberturas vacinais; facilitar o acesso da população às salas de vacina e aproveitamento das oportunidades de vacinação; ações de Educação em Saúde direcionadas aos Agentes Comunitários de Saúde; utilização das redes sociais com o objetivo de divulgar as ações de imunização e os benefícios das vacinas para a população.
O levantamento e a discussão acerca dos fatores que têm impacto negativo sobre as coberturas vacinais no município, através das abordagens da Pesquisa ImunizaSUS, permitiram uma análise pontual e o desenvolvimento de estratégias direcionadas aos fatores mais críticos. Algumas estratégias já foram implementadas e outras envolvem ações a longo prazo com a sensibilização de gestores, toda a equipe de saúde e a população. Fatores como crenças inadvertidas sobre as vacinas; falta de acesso às informações em saúde e ações de vacinação; bem como a disseminação de fake news, correspondem a pontos críticos com influência negativa sobre as coberturas vacinais e remetem a ações de educação em saúde e conscientização como forma de intervenção. Isso demonstra a necessidade de adequação à nova realidade vivida em relação aos meios de comunicação e disseminação de informações, com o objetivo de desenvolver práticas públicas que permitam a participação social. Neste sentido, o município de Betim implementou a educação continuada dos agentes comunitários de saúde em parceria com laboratórios produtores de vacinas e a ampla utilização das redes sociais como fonte de divulgação de informações sobre vacinas e sobre as ações de imunização programadas para a população, além de material de divulgação das campanhas pontuais. As vacinas correspondem a grande contribuição para saúde mundial, visto a sua efetividade em prevenir e conter a disseminação de doenças que podem afetar número considerável de vidas em um curto período de tempo. Em comparação com outras formas de intervenção promovidas pela Saúde Pública, apresentam grande destaque. Mas esses resultados só podem ser observados a partir da busca pelo conhecimento, da utilização da tecnologia e do estudo minucioso das coberturas vacinais diante das necessidades da população adscrita. É preciso refletir e transformar as estratégias de enfrentamento dos desafios quanto à vacinação surgidos em meio a realidade da sociedade atual. A implantação do Vacimóvel foi uma estratégia de grande impacto positivo no município e tem uma ótima adesão por parte da população. Através de sua atuação dinâmica, efetiva e eficaz, de acordo com a realidade local e cenário epidemiológico, esta estratégia iniciada em Betim, tem sido implementada por outros municípios, demonstrando que o SUS conta com profissionais comprometidos e capazes de desenvolver projetos desafiadores com impactos positivos sobre as ações de saúde. Além disso, a construção do Vacimóvel como importante estratégia de vacinação, proporcionou fortalecimento da Educação Permanente em Saúde devido a interação intermunicipal a partir do compartilhamento de saberes e ideias, amplificando a possibilidade de melhorias na cobertura vacinal do SUS, como um todo. Por se tratar de uma estratégia nova e até mesmo ousada, alguns desafios diários em relação a elaboração da agenda, escala de equipe, motoristas, local adequado para estacionar em vias públicas, entre outros são adaptados e solucionados no dia a dia. Podemos afirmar que a construção de uma unidade móvel de vacinação transcorreu de forma desafiadora, contudo, fundamental para o alcance dos resultados diante das ações realizadas, demonstrando que o conhecimento técnico sobre a área estudada e o olhar amplo sobre cobertura vacinal são de extrema importância no desenvolvimento de condutas eficazes em Saúde Coletiva.
Betim, MG, Brasil
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