Uso de Ferramenta Informacional para Busca de Faltosos para Vacinação – Melhorando as Coberturas Vacinais em Crianças em Belo Horizonte, 2022-2023

A queda nas coberturas vacinais observadas recentemente no Brasil tem trazido um enorme desafio para o seu enfrentamento pelos serviços de saúde, pois fatores internos (organização do processo de vacinação, incluindo a logística e equipes em número suficiente e capacitadas) e externos (hesitação, vacinal, desinformação, epidemias, dentre outros) tem contribuído para o ressurgimento de doenças imunopreveníveis até então controladas na maioria dos municípios do país. Como uma das estratégias para superar esta situação, a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte implantou uma ferramenta informacional (planilha de repositórios com registro nominal da situação vacinal de cada um dos usuários das 152 unidades básicas de saúde), ferramenta esta de fácil acesso, atualizada periodicamente e disponibilizada on-line para as 596 equipes de Saúde da Família utilizarem nas ações de busca ativa de pessoas com atraso vacinal. Além disto, realizou oficinas de capacitação junto aos principais atores envolvidos nas ações de vacinação, desde o nível de gestão regional até o nível local, onde são desenvolvidas as ações de vacinação junto à população. Persistem ainda enormes desafios para alcance de coberturas vacinais homogêneas no município, apesar da melhora observada após a implantação da ferramenta, considerando as desigualdades sociais existentes entre os territórios das nove regiões e o processo de organização dos serviços de saúde, ainda voltados para ações assistenciais em relação às ações de prevenção, dentre elas a vacinação da população adscrita às equipes de saúde.

Os dados da Pesquisa ImunizaSUS, que indicaram os principais desafios para estados e municípios atuarem para superação desta situação, corroboraram algumas das estratégias que o município de Belo Horizonte já havia iniciado com maior contundência em 2022. Para isto, toda a área de gestão e assistência da SMS-BH foi sendo mobilizada para recuperação das coberturas vacinais de forma homogênea, identificação dos principais fatores associados e para proposição das melhores estratégias de atuação junto às equipes de saúde e comunidade. Conforme detalharemos a seguir, dentre essas estratégias, a SMS-BH definiu como um dos pontos fundamentais a necessidade de instrumentalizar as equipes de saúde locais com ferramentas ágeis, permitindo identificar individualmente aquelas pessoas com esquema vacinal em atraso e que também possibilitasse a busca ativa oportuna destes usuários com vistas à atualização do cartão de vacinas da forma mais rápida possível. Além disso, a realização de ações de capacitação dos profissionais envolvidos no processo de imunização e vigilância em saúde nos territórios da cidade foi outra estratégia fundamental implementada para o enfrentamento desta situação.

Como estratégia para enfrentamento e monitoramento sistemático das coberturas vacinais, com enfoque na população infantil e, considerando a necessidade de cumprimento das metas previstas no Programa Previne Brasil – que atrela parte do financiamento federal para o SUS do município de Belo Horizonte quanto ao atingimento de cobertura vacinal para a vacina pentavalente e poliomielite inativada (VIP) em menores de um ano de idade – a SMS/BH constituiu no ano de 2022 um grupo de trabalho técnico para elaboração de uma ferramenta acessível e atualizada semanalmente de forma automática pelas equipes assistenciais, das áreas de gestão e de apoio técnico das regionais de saúde e do nível central da secretaria. Esta ferramenta informacional, denominada de Planilha de Repositório de Vacinas, contém todas as doses de vacinas aplicadas nas salas de vacinação próprias do município registradas no sistema de informação da SMS-BH e também aquelas aplicadas na rede privada, que são incluídas como histórico no sistema do município. Esta ferramenta possibilita a avaliação individual do estado vacinal de cada criança cadastrada na APS e permite também a agregação dos dados nominais de cada usuário por área de cobertura dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), das eSF, centros de saúde e Regionais de Saúde. Além disso, foram desenvolvidas planilhas de acompanhamento assistencial de crianças menores de um ano disponibilizadas em um repositório compartilhado via drive com os e-mails institucionais das equipes, UBS, regionais e nível central da SMS-BH, com os cuidados em observação à Lei Geral de Proteção dos Dados (LGPD). A planilha apresenta a relação nominal dos usuários identificados, com informações relacionadas a cadastro, situação vacinal e atendimentos realizados com vistas à qualificação do cuidado em saúde das crianças (Anexo – Figura 1). Visando o acompanhamento dos processos que constam na planilha foi elaborado um painel de monitoramento assistencial em plataforma Power BI, com o registro da evolução histórica por meio de gráficos e percentuais desde a primeira até a última planilha disponível, de forma a auxiliar os gestores no monitoramento dos processos para a tomada rápida de decisão. Posteriormente foi desenvolvida planilha de acompanhamento de crianças de um a quatorze anos também disponível via drive, para o acompanhamento ampliado da situação vacinal de crianças, para além do indicador do Programa Previne Brasil. As ferramentas foram desenvolvidas pela Assessoria de Tecnologia da Informação em Saúde (ASTIS), em parceria com a Gerência de Imunização, Gerência de Atenção Primária à Saúde e Coordenação de Atenção Integral à Saúde da Criança e do Adolescente, tendo sido validadas pela alta gestão da SMS-BH. Com o objetivo de alinhar conceitos e utilização das ferramentas, em 2022 foram realizadas oficinas presenciais para gestores, referências técnicas e profissionais das regionais e UBS sobre os indicadores do Previne Brasil e o uso das planilhas do repositório e do painel em Power BI. Isto tem possibilitado às Regionais de Saúde utilizarem as ferramentas para análise da situação vacinal de crianças, encaminhando para as UBS e eSF as situações de alerta extraídas das planilhas. Os profissionais das UBS e eSF foram capacitados para utilizarem as planilhas em reuniões de equipe enquanto estratégia de vigilância em saúde para a identificação de crianças com atrasos vacinais visando busca ativa e acompanhamento individual de cada caso. As ações de capacitação e a troca de experiências exitosas de implantação pelas regionais de saúde foram outras estratégias que fortaleceram o processo durante a sua implementação. Como destaque, citam-se os treinamentos realizados com ACS para atualização do cadastro das crianças e inserção de dados imprescindíveis para a migração correta da informação, as reuniões realizadas com equipes locais para apresentação das planilhas com as crianças em atraso vacinal e a discussão com profissionais das salas de vacina sobre formas de registro de dados históricos para as vacinas aplicadas nos serviços privados. Dentre os pontos mais importantes levantados durante a implantação da ferramenta e nos treinamentos e agendas realizados com as equipes, destacam-se: Quanto ao atraso vacinal: apoio da equipe de imunização das nove Regionais de Saúde junto às unidades básicas de saúde e eSF, com discussão caso a caso da situação de crianças ainda não vacinadas, verificando: os motivos para o atraso vacinal; o levantamento de estratégias para superação das barreiras para um acesso qualificado ao imunobiológico (garantir funcionamento da sala de vacina em tempo integral, com a alocação de profissional de enfermagem específico para supervisão da sala de vacina); a necessidade de aproveitamento de todas as oportunidades em que as crianças comparecem às unidades de saúde (puericultura, demanda espontânea) para conferência da situação vacinal e atualização do cartão de vacinas; a necessidade de atuação junto ao ACS para reforçar a importância de monitorar o cartão de vacina dos moradores dos territórios sob vigilância durante a realização mensal das visitas domiciliares, encaminhando os usuários para unidade e informando às equipes quando tiver sido observado o atraso vacinal. Quanto ao cadastro inadequado dos usuários identificado pelas equipes locais de saúde (duplicidade, falta de sincronização), levantou-se a necessidade de treinamento dos ACS sobre a importância da sincronização dos dados do cadastro e fortalecimento junto às equipes sobre o papel do enfermeiro como coordenador do trabalho do ACS e sua importância na manutenção de um cadastro fidedigno da população adscrita ao seu território. Em relação à falta de registro histórico das vacinas. foram destacados como pontos para implementação: a atuação junto aos profissionais das salas de vacina sobre a importância de fazer o registro histórico de todas as doses registradas no cartão de vacina e que não constam no sistema da SMS-BH e a realização de cópia do cartão vacina de todas as crianças em que o cartão vacinal conste doses aplicadas e não registradas no sistema, possibilitando o lançamento posterior das vacinas no registro histórico, naquelas situações em que o movimento da sala de vacina dificulta o seu lançamento em tempo real. Cabe destacar também que resultados parciais de melhorias nas coberturas vacinais apurados pela SMS-BH após a implantação da ferramenta informacional (planilha de repositórios de vacinas) e capacitação das equipes de imunização da rede municipal de saúde apontaram que: 1) Observou-se um incremento na cobertura vacinal para as vacinas Pentavalente e VIP no município como um todo no período de julho a dezembro de 2022, logo após a implantação da ferramenta (figura 2 – anexo) 2) A cobertura vacinal para a vacina inativada contra poliomielite para as crianças com 11 meses de idade apontou uma aumento de 64,2% (julho/22) para 68,0 (dezembro/22) e para a vacina Pentavalente de 64,8% para 68,1% entre julho e dezembro de 2022, respectivamente. Observou-se, no entanto, uma heterogeneidade entre as noves regionais de saúde do município, possivelmente relacionada à cobertura diferenciada das eSF e vulnerabilidade social entre os territórios destas regionais: em dezembro de 2022, a Regional Centro Sul (com menor proporção de áreas vulneráveis) apresentou uma cobertura vacinal de 50,5% para a vacina Pentavalente, enquanto a Regional Nordeste (grande parte do território com alta vulnerabilidade social) apontou 74,2% de cobertura para esta vacina. 3) Por outro lado, observou-se um melhor desempenho das coberturas vacinais (vacinas Pentavalente e VIP) após a implementação das ações adotadas (planilha de repositórios e capacitação das equipes) nas áreas de baixa vulnerabilidade à saúde (regional Centro-Sul e Pampulha) e que tinham piores coberturas: Regional Centro-Sul apresentou com ganho de 5,7 p.p. (aumento relativo de 12,7%), passando de 44,8% para 50,5% e Regional Pampulha, com ganho de 6,3 p.p. (aumento relativo de 11,1%), passando de 56,9% a 63,2%. Merece destaque duas regionais com populações residindo em áreas de elevada vulnerabilidade e que apresentavam coberturas vacinais iniciais mais elevadas e para as quais não se observou efeito das intervenções implementadas: Regional Noroeste (passou de 68,5% para 67,7% de cobertura vacinal) e Regional Venda Nova (passou de 75,3% para 72,6% de cobertura vacinal).

O desafio para que os serviços de saúde atuem em conjunto para o alcance das melhores coberturas vacinais de forma homogênea no país ainda é uma pauta atual e que exige esforços de todos os setores e profissionais das instituições públicas e privadas e, fundamentalmente, demanda também uma interlocução intensiva com a população, sempre respaldada nas melhores práticas e evidências científicas disponíveis. O uso de ferramentas informacionais, tais com a desenvolvida em Belo Horizonte, de fácil acesso e atualização pelas eSF tem sido uma estratégia fundamental para que as equipes locais de saúde, responsáveis pelas ações de prevenção nos territórios de atuação, possam rapidamente identificar e realizar a busca ativa dos usuários que estão com atraso vacinal, possibilitando a melhoria nas coberturas vacinais de forma homogênea e minimizando a reintrodução de doenças imunopreveníveis na população como um todo. Cabe ressaltar a necessidade de melhor compreender os diferenciais observados nas coberturas vacinais antes e após as intervenções implementadas nas nove regionais, revisando as estratégias adotadas e propondo novas formas de atuação considerando as realidades locais. Além disto, faz-se necessário ações assertivas junto à população e aos serviços de saúde para uma abordagem e atuação contínua, dentre outras frentes de relevância, em relação à hesitação vacinal e ao combate intensivo à desinformação. Mas também é necessário que as secretarias de saúde implementem outras estratégias que promovam uma mudança de cultura institucional, com a incorporação das ações de vigilância em saúde à rotina das eSF – que ainda estão muito centradas em questões assistenciais – e que possibilitem um envolvimento do ACS com um olhar mais direcionado e atuante para os principais problemas nos territórios em que atuam. Também cabe destacar a necessidade de aprimoramento do prontuário eletrônico em uso no SUS/BH, garantindo o registro do histórico de doses aplicadas e a melhoria na integração com sistema nacional, facilitando a transferência de dados entre os dois sistemas. Cabe relacionar algumas situações que comprometem uma análise mais completa da situação das coberturas vacinais e que ainda demandam uma avaliação mais detalhada e o levantamento de propostas para superação, tais como a questão das crianças que se vacinam nos serviços privados e para as quais as doses aplicadas não são registradas e, alguns sistemas próprios dos municípios ou no sistema nacional. Importante ressaltar também que a ocorrência concomitante de agravos epidêmicos (Covid-19, doenças por outros vírus respiratório as arboviroses, dentre outros agravos) impactam substancialmente a organização dos serviços assistenciais e comprometem a execução das ações de prevenção, dentre elas a imunização da população. Como desafios que ainda merecem um olhar diferenciado dos serviços de vigilância e assistência, é necessário pensar em estratégias para: manutenção de todos os dados do cadastro da população atualizados; a incorporação pela equipe das unidades em relação à rotina de extração dos dados de crianças com vacina faltante para realização de busca ativa; a incorporação na rotina do trabalho do ACS quanto à orientação às famílias sobre a importância da vacinação bem como conferir se no cartão da criança existe alguma vacina aprazada e que ainda não foi aplicada; a implementação de cultura na UBS para que todos os profissionais abordem os pais em relação a vacinas em atraso, para além do foco atual apenas nas consultas de puericultura e, finalmente, revisão e ampliação do horário de funcionamento de salas de vacina pois, apesar de ficarem abertas durante todo o dia, não abrem à noite e nem nos finais de semana, dificultam acesso de pais e responsáveis que trabalham durante todo o dia e não podem se ausentar do serviço.

Principal

PAULO ROBERTO LOPES CORREA

Coautores

ALEXANDRE SAMPAIO MOURA, CAROLINE SCHILLING SOARES, ÉMERSON LEITE DE OLIVEIRA, JANDIRA APARECIDA CAMPOS

A prática foi aplicada em

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Uma organização do tipo

Instituição Privada

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ideiasus@gmail.com

23 dez 2023

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23 dez 2023

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Concluída

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