Orientação, mentoria e cuidado integral em trabalhos de conclusão de curso: experiência sistêmica articulada ao AVANSUS e às práticas integrativas

Resumo
Este artigo apresenta um relato de experiência sobre práticas inovadoras de orientação de Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) articuladas ao projeto de extensão AVANSUS e às Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS). A experiência ocorreu entre os anos de 2017 e 2019, tendo como eixo norteador o cuidado integral aos estudantes em fase de escrita e apresentação de seus trabalhos acadêmicos. Foram utilizadas metodologias como a terapia comunitária integrativa, a constelação familiar, a escuta ativa, a comunicação terapêutica, o acolhimento psicossocial e práticas da medicina tradicional chinesa. Além das orientações científicas, os orientadores atuaram como mentores, acompanhando aspectos emocionais, familiares e espirituais dos estudantes. O artigo também discute criticamente o sistema de pesquisa brasileiro, suas limitações estruturais e epistemológicas, apontando experiências internacionais que promovem inclusão e equidade na produção do conhecimento. A experiência relatada evidencia o potencial das práticas de extensão articuladas ao cuidado em saúde como estratégia de humanização do processo acadêmico e científico.
Palavras-chave: orientação científica; práticas integrativas; saúde mental; extensão universitária; mentoria acadêmica; inclusão em pesquisa.

Abstract
This article presents an experience report on innovative practices in guiding undergraduate theses (TCC) articulated with the AVANSUS extension project and Integrative and Complementary Health Practices (PICS). The experience took place from 2017 to 2019 and was guided by comprehensive care for students during the development and oral defense of their academic work. Methods included community integrative therapy, family constellation exercises, therapeutic communication, active listening, and practices from traditional Chinese medicine. In addition to academic advising, the mentors provided psychosocial support addressing emotional, familial, and spiritual challenges. This article also offers a critical reflection on the Brazilian research system and highlights inclusive international models of knowledge production. The experience demonstrates the power of extension practices combined with health care as strategies for humanizing academic and scientific development.
Keywords: academic mentoring; integrative practices; mental health; university extension; research inclusion.

1. Introdução
A orientação de Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) representa um momento crucial na formação acadêmica. No entanto, trata-se também de um momento de grande vulnerabilidade emocional para muitos estudantes, especialmente aqueles em situação de vulnerabilidade social, com histórico de sofrimento mental ou com dificuldades de ajustamento institucional. O medo da reprovação pública, da exposição em bancas e do fracasso acadêmico pode desencadear crises de ansiedade, insegurança e isolamento.
Este artigo apresenta uma experiência concreta de orientação integrada desenvolvida por dois profissionais da saúde e da educação, atuando como orientadores e mentores junto a estudantes da região no extremo sul da Bahia. A proposta articula a produção científica com os princípios da Educação Popular em Saúde, das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) e da extensão universitária crítica, à luz do projeto AVANSUS.
O projeto de extensão AVANSUS, desenvolvido pela UnesulBahia em parceria com o NPICS Brasil, fundamentou-se na valorização do SUS e na integração entre formação acadêmica e práticas de saúde territorializadas. Segundo sua apresentação institucional, o projeto buscou “promover ações interdisciplinares de cuidado e formação, articulando saberes populares e científicos para fortalecer o Sistema Único de Saúde nos territórios” (UNESULBAHIA, 2017).
A proposta apresentada está em sintonia com o que afirma Oliveira e Mendonça (2023):
“A formação acadêmica precisa ser integral, sensível às vulnerabilidades emocionais e às subjetividades dos estudantes, não se limitando aos marcos tradicionais da ciência formal” (OLIVEIRA; MENDONÇA, 2023, p. 18).

2. O Papel do Orientador Científico como Cuidador
O orientador científico, tradicionalmente compreendido como um especialista técnico, é aqui ressignificado como facilitador, cuidador e mentor. Entendemos que orientar um TCC é, antes de tudo, orientar uma pessoa — com sua história, seu tempo, seus medos e seus sonhos.
As práticas integrativas e a pedagogia do cuidado nos permitiram acompanhar nossos orientandos com escuta ativa, observação sistêmica e mediação emocional. Trabalhamos com a lógica da coautoria, promovendo o protagonismo do estudante e sua reconciliação com o conhecimento como potência de vida.
Nesse sentido, reforçamos a compreensão de que o orientador não é apenas um fiscal do método, mas um facilitador de processos humanos, como destaca Lopes et al. (2022):
“A figura do orientador, quando comprometida com a escuta e a construção coletiva, torna-se um elemento terapêutico, abrindo espaço para a reinvenção de trajetórias” (LOPES et al., 2022, p. 44).

3. As Bancas Científicas como Rito de Passagem: Ansiedade e Superação
Um dos pontos críticos para os estudantes era o momento da apresentação oral. A banca científica, para muitos, era vivida como um “julgamento público”, gerando medo da reprovação, crise de identidade e bloqueios emocionais.
Por isso, implementamos momentos de preparação terapêutica nas semanas que antecediam as apresentações. Utilizamos vivências de respiração consciente, meditação, constelação e rodas de terapia comunitária integrativa (TCI), reduzindo sintomas de ansiedade e promovendo confiança. Em muitos casos, os relatos apontaram melhora do rendimento acadêmico e notas mais elevadas após as intervenções.
As bancas, frequentemente vistas como eventos técnicos, são atravessadas por dinâmicas emocionais profundas. Como bem sintetiza Soares e Trindade (2020):
“A exposição pública do TCC ativa mecanismos de defesa relacionados à autoestima, ao medo do julgamento e à insegurança social, sendo, portanto, um espaço também de sofrimento psíquico” (SOARES; TRINDADE, 2020, p. 57).

4. Clubinho no Aquamarine: Vivência Sistêmica e Acadêmica Integrada
Uma das experiências mais marcantes ocorreu no Clubinho realizado no condomínio Aquamarine, no bairro Paraíso dos Pataxós, em Porto Seguro, local onde o projeto iniciou em 25 de maio de 2017. O encontro reuniu estudantes do curso de Direito e Enfermagem e envolveu uma roda de TCI, uma breve dinâmica de meditação sistêmica e atendimentos com base na Medicina Tradicional Chinesa. Ao final, à beira da piscina, realizou-se uma banca simulada.
Todos os estudantes relataram que a vivência os ajudou significativamente no controle da ansiedade, no fortalecimento da autoestima e no desempenho oral durante as apresentações oficiais na faculdade. Essa abordagem não convencional contribuiu para transformar o processo de avaliação em uma experiência de autoconhecimento e empoderamento.
Esse tipo de vivência está alinhado ao que defende Barreto (2020), quando afirma:
“Cuidar do outro é oferecer-lhe um espaço de pertencimento, onde ele possa se escutar, se posicionar e se reencontrar com sua potência” (BARRETO, 2020, p. 12).

5. Mentoria e Acompanhamento Psicossocial Integrado
Além da orientação científica, nós, orientadores, oferecemos suporte emocional e psicossocial aos estudantes em parceria com o NAC (Núcleo de Apoio Comunitário) da instituição. Atuamos com escuta ativa, acolhimento das dificuldades familiares, econômicas e de saúde que interferiam diretamente no rendimento acadêmico.
Em articulação com a Coordenação Pedagógica, foram realizados encaminhamentos para a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), nos municípios da 8ª DIRES, incluindo Porto Seguro, Eunápolis, S.C.Cabrália, Itabela e outros. O grupo virtual Saúde e Equilíbrio, criado como espaço de apoio a estudantes e pacientes com ansiedade e depressão, foi fundamental nesse processo, funcionando também como laboratório para a implementação das PICS online no âmbito do NPICS Brasil.
Ao adotar a mentoria como ferramenta de apoio integral, seguimos a orientação de Lima et al. (2021), que argumentam:
“A mentoria acadêmica é uma prática que precisa estar conectada com a saúde mental dos discentes e com os serviços de apoio existentes nas instituições e nos territórios” (LIMA et al., 2021, p. 36).
Esse trabalho integrado entre o NAC e os serviços da RAPS contribui com o que FIOCRUZ sintetiza como uma “rede viva de cuidado territorial, horizontal e corresponsável” (FIOCRUZ, 2023, p. 9).

6. Crítica ao Sistema de Pesquisa Brasileiro e Caminhos para Inclusão
Apesar de inúmeros esforços de democratização, o sistema de pesquisa brasileiro ainda exibe traços de elitismo epistêmico. Como pontua Santos (2020):
“Persistimos em um modelo de ciência que exclui saberes populares, espiritualidades e experiências afetivas, como se apenas o dado objetivo tivesse validade” (SANTOS, 2020, p. 23).
Em contraposição, modelos internacionais mostram caminhos mais inclusivos. Wright et al. (2021), ao falar da pesquisa participativa em saúde, afirmam:
“A verdadeira inclusão em pesquisa ocorre quando as comunidades não são apenas objetos, mas sujeitos ativos da construção do conhecimento, desde a formulação até a devolutiva” (WRIGHT et al., 2021, p. 7).
Israel et al. (2019) complementam:
“CBPR é mais do que uma metodologia, é um compromisso ético com a equidade, a escuta ativa e o empoderamento dos sujeitos envolvidos” (ISRAEL et al., 2019, p. 4).

7. Considerações Finais
A orientação de TCC, quando realizada com sensibilidade, compromisso e integração entre ciência, saúde e humanidade, pode se tornar um poderoso processo de transformação pessoal e comunitária. A experiência relatada aqui mostra que é possível cuidar de quem pesquisa, pesquisar a partir do cuidado, e formar profissionais mais íntegros, empáticos e preparados para os desafios da vida e da profissão.
As práticas integrativas, quando bem conduzidas e articuladas ao processo pedagógico, contribuem não apenas para o rendimento acadêmico, mas também para a formação de cidadãos resilientes, críticos e comprometidos com o bem comum.
Concluímos reafirmando o valor de abordagens que humanizam a produção acadêmica e desafiam os paradigmas tradicionais da ciência. Como resume Oliveira (2023):
“A formação em saúde e educação precisa de práticas que cuidem do corpo, da mente e do espírito, pois é disso que somos feitos: inteireza, vínculo e cuidado” (OLIVEIRA, 2023, p. 51).

Referências Bibliográficas
BARRETO, A. Terapia Comunitária Integrativa: uma ponte entre saberes. Fortaleza: LCR, 2020.
FIOCRUZ. Educação Popular em Saúde e Participação Social. Plataforma IdeiaSUS, 2023.
ISRAEL, B. A. et al. Community-Based Participatory Research: Policy Recommendations for Promoting a Partnership Approach in Health Research. Educ Health, 2019.
LIMA, J. A. S.; SANTOS, R. M.; PEREIRA, L. S. Mentoria Acadêmica e Saúde Mental no Ensino Superior. Revista Interinstitucional Brasileira de Educação, v. 13, n. 2, 2021.
LOPES, D. A.; MOURA, E. C.; SILVA, V. F. Orientação acadêmica humanizada: desafios e possibilidades. Revista Saberes Interdisciplinares, v. 5, n. 1, 2022.
OLIVEIRA, G. T. Saúde Mental, Cuidado e Formação em Saúde. Revista Brasileira de Educação em Saúde, v. 29, 2023.
OLIVEIRA, G. T.; MENDONÇA, A. V. Mentoria acadêmica e saúde mental: uma abordagem integradora. Revista Brasileira de Educação, v. 28, 2023.
SANTOS, B. de S. A ciência, o tempo e os afetos: ensaios contra o epistemicídio. São Paulo: Cortez, 2020.
SOARES, C. R.; TRINDADE, L. M. Ansiedade, avaliação e bancas: um estudo sobre sofrimento acadêmico. Revista Psicologia em Foco, v. 17, n. 1, 2020.
UNESULBAHIA. Projeto de Extensão AVANSUS – Ações de Valorização e Apoio ao SUS na Formação Acadêmica e Popular. Eunápolis: UnesulBahia, 2017. Disponível em: https://sites.google.com/site/avansus2/. Acesso em: 11 jul. 2025.
WRIGHT, M. T. et al. Participatory Health Research: A Guide to Ethical Principles and Practice. Berlin: ICPHR, 2021.

autor Principal

Diego da Rosa Leal

npicscabralia@gmail.com

Enfermeiro Terapeuta Sistêmico

Coautores

Autores Diego da Rosa Leal¹ Thaís Prestes Veras² ¹Enfermeiro (COREN 98607), Terapeuta Integrativo, Professor, Presidente do NPICS Brasil. ²Ex-Professora da Unesulbahia, Educadora Restaurativa e Consultora Voluntária do NPICS Brasil.

A prática foi aplicada em

Todo o Brasil

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Forum Jutahy Fonseca, Santa Cruz Cabrália - BA, Brasil

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Diego da Rosa Leal

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22 jul 2025

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