A poesia “Maria catadora de si mesma”, ilustra um atendimento que realizei na frente de sua casa, permitindo mais conhecimento de sí, do território em que vive e adentrando seu recorte social e racial de mulher preta e mãe solo.
Poesia: Maria catadora de si mesma.
Ali
O corpo se encurvou diante de papeis, de sujeiras, de ferros e de pesos em sua coluna Os pés doíam e se dividiam no sustento de duas rodas.
Os plásticos faziam barulhos parecidos com o de sua alma.
Vai e vem.
Vem e vai.
Os passos de 200 metros de sangue são ministrados pelo conhecimento de sobreviver. Não sabe ler, não sabe cores, nunca estudou.
Um grito diz “daqui eu tenho vontade de ir embora, sabia?”
São grandes as vargens, são 20 anos catando.
Cata pedaços de dores, de simplicidade, de raiva, de faltas, de violências, de saber que não sabe, mas que sabe o que ninguém sabe.
Ela vai catando tudo que recicla.
Recicla o preconceito…recicla a ausência do governo.
Ali
Onde a loucura pode se manifestar.
As mãos e os pés rachados, mostram marcas de sua história.
O crespo do cabelo, a cor de sua pele e o gênero dão os ritmos de um sistema desigual.
Ali
A marca da luta, da escravidão, da memoria que não se lembra.
Ali
Anda pelas ruas simplesmente como mulher preta de ser, deixando-se ver, buscando ter Ela vai catando tudo que recicla, como catadora perdida em seus próprios sonhos.
Ali
Veio do outro lado, das grandes margens, vargens.
Tem seu pertencimento de mulher que leva consigo mais quatro pretas
Marcada pela idade.
Sua cabeça mergulha em sentimentos e sua maior lembrança é: es catadora de si mesma Todos os dias se recicla.
Faz sua caminhada protegida por Dandara dos Palmares, Carolina Maria de Jesus, Antonieta de Barros, Marielle Franco, Chica da Silva, Elza Soares e suas ancestralidades.
Assim és grande, assim Maria é preta.
Sra. Maria é uma mulher que participou de todo o processo de cuidado de sua filha no CAPSij de Parelheiros. Trás consigo historias sensíveis, difíceis e por fim poéticas. Escutando suas narrativas e tirando um registro fotográfico de um objeto que a acompanha diariamente, fui atravessada pela sua voz e busquei colocar sua fala no mundo por meio do cuidado psicossocial.
CAPSij II Aquarela - Parelheiros ASF - Associação Saúde da Família - São Paulo SP
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