Resumo
Este artigo apresenta um relato de experiência sobre a atuação do Polo de Saúde Indígena de Santa Cruz Cabrália-BA na promoção das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS), com ênfase na saúde integrativa indígena. A experiência foi vivenciada no evento “Maio das PICs Restaurativo 2025”, em articulação com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), profissionais voluntários, lideranças Pataxó e instituições públicas de saúde e justiça. Com base em uma abordagem qualitativa e sistêmica, o estudo explora os sentidos do cuidado ampliado, da escuta restaurativa e da reconexão com os saberes ancestrais. A análise fundamenta-se nos referenciais de Mary C. Townsend, Adalberto Barreto, Bert Hellinger e Paulo Freire, articulando epistemologias do cuidado, justiça restaurativa e espiritualidade indígena. Os resultados apontam para a necessidade de valorização dos saberes tradicionais no SUS, do cuidado ao cuidador e da construção de políticas públicas interculturais e integrativas.
Palavras-chave: Saúde indígena. Práticas integrativas. Cuidado do cuidador. Justiça restaurativa. Ancestralidade.
Abstract
This article presents an experience report on the work carried out by the Indigenous Health Center of Santa Cruz Cabrália, Bahia (Brazil), in promoting Integrative and Complementary Health Practices (ICHPs), with emphasis on Indigenous integrative health. The experience took place during the “Restorative May of ICHPs 2025” event, in collaboration with the Special Secretariat of Indigenous Health (SESAI), Pataxó leaders, health professionals, volunteers, and justice institutions. Based on a qualitative and systemic approach, the study explores expanded care, restorative listening, and the reconnection with ancestral knowledge. The analysis draws from theoretical frameworks by Mary C. Townsend, Adalberto Barreto, Bert Hellinger, and Paulo Freire, linking care epistemologies, restorative justice, and Indigenous spirituality. The results highlight the need to value traditional knowledge within the Brazilian Unified Health System (SUS), to care for caregivers, and to build intercultural and integrative public policies.
Keywords: Indigenous health. Integrative practices. Care for caregivers. Restorative justice. Ancestrality.
1. INTRODUÇÃO
A construção de políticas públicas voltadas à saúde indígena no Brasil tem enfrentado inúmeros desafios históricos, estruturais e epistemológicos. O reconhecimento dos saberes ancestrais e das práticas tradicionais de cuidado, muitas vezes invisibilizados pela biomedicina hegemônica, vem sendo gradualmente incorporado às ações do Sistema Único de Saúde (SUS) por meio da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC).
No município de Santa Cruz Cabrália, o Maio das PICs de 2025 representou um marco inovador ao integrar ações da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), saberes do povo Pataxó e práticas integrativas como a auriculoterapia, reflexologia, imposição de mãos, meditação guiada e medicina tradicional chinesa. Esses encontros evidenciaram a potência do Polo de Saúde Indígena como espaço de cuidado coletivo e escuta restaurativa, gerando efeitos terapêuticos que ultrapassam a esfera clínica, alcançando dimensões subjetivas, espirituais e comunitárias do processo de cura.
A experiência foi sistematizada como um estudo qualitativo, do tipo relato de experiência, fundamentado na abordagem fenomenológica e nos princípios da terapia comunitária integrativa (BARRETO, 2008), da enfermagem transcultural (TOWNSEND, 2017) e da constelação familiar sistêmica (HELLINGER, 2003). A análise dos depoimentos, das práticas vivenciadas e dos impactos subjetivos percebidos pelos participantes, revela a necessidade de reconfigurar o olhar sobre o cuidado em saúde, reconhecendo sua natureza sistêmica, espiritual e interétnica.
O presente artigo busca, portanto, descrever e refletir essa experiência como forma de evidenciar a potência da saúde integrativa indígena enquanto prática de resistência, pertencimento e justiça social.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Cuidado, Integralidade e Enfermagem: Olhares para o Ser Humano como Totalidade
O conceito de cuidado transcende as técnicas biomédicas e convoca uma escuta ampliada das necessidades humanas, considerando os aspectos físicos, emocionais, sociais, espirituais e culturais. Para Mary C. Townsend (2017), o cuidado em saúde mental exige uma atitude terapêutica, centrada na empatia, no acolhimento e no reconhecimento das subjetividades. Em sua obra Enfermagem Psiquiátrica: Conceitos de Cuidados, a autora ressalta que o enfermeiro é agente de transformação quando promove uma escuta que legitima a dor do outro, favorecendo o autoconhecimento e o fortalecimento de vínculos.
A integralidade, um dos princípios do SUS, dialoga diretamente com essa abordagem, desafiando os profissionais a romperem com a lógica fragmentada da assistência. Isso é ainda mais evidente no contexto indígena, onde o cuidado não se limita ao corpo, mas se estende à alma, ao território, ao espírito e à coletividade. A escuta das narrativas dos povos tradicionais exige abertura epistemológica, humildade e compromisso com a diversidade de saberes (BRASIL, 2015).
No Maio das PICs 2025, profissionais da saúde e agentes indígenas vivenciaram práticas de relaxamento, escuta terapêutica, toques sutis e partilhas de histórias de dor e superação. Esses momentos concretizaram a noção de cuidado ampliado, na qual o terapeuta também é cuidado e o encontro se torna campo de transformação recíproca.
2.2 Terapia Comunitária Integrativa e Educação Popular em Saúde: Cuidado como Encontro e Pertencimento
A Terapia Comunitária Integrativa (TCI), desenvolvida por Adalberto Barreto, propõe um modelo de cuidado baseado na escuta horizontal, no reconhecimento das competências dos sujeitos e na valorização das histórias de vida. Fundamentada na antropologia médica, na teoria sistêmica, na comunicação não violenta e na pedagogia de Paulo Freire, a TCI promove a circularidade da palavra como instrumento terapêutico e de empoderamento coletivo.
Barreto (2008), em sua obra Terapia Comunitária Integrativa: Um Mosaico de Saberes, enfatiza que “as feridas sociais e emocionais podem ser ressignificadas por meio do vínculo e da partilha afetiva entre iguais”. Nas comunidades indígenas, onde o saber é transmitido oralmente, e o cuidado é essencialmente coletivo, a TCI encontra terreno fértil para florescer como estratégia de promoção da saúde e reconstrução de laços.
No contexto do Maio das PICs 2025, essa abordagem esteve presente nos momentos de roda, nos depoimentos espontâneos dos profissionais indígenas e no espaço seguro de acolhimento interétnico. A fala de Manoel, liderança Pataxó, revela a dimensão existencial e comunitária do cuidado: “só a amizade que nós temos já me traz alívio, paz e tranquilidade”.
Esse sentido do “estar com” resgata o valor da educação popular em saúde como prática de liberdade, conforme defendido por Paulo Freire (1987), que propõe a humanização das relações institucionais e o reconhecimento das potências dos sujeitos na construção de suas histórias.
Assim, a TCI e a Educação Popular aproximam-se das práticas integrativas como epistemologias do Sul, capazes de criar pontes entre o conhecimento científico e os saberes ancestrais, promovendo não apenas alívio de sintomas, mas restauração de vínculos, pertencimento e protagonismo.
2.3 Justiça Restaurativa, Saúde Sistêmica e Constelação Familiar: A Reconciliação como Estratégia de Cuidado
A Justiça Restaurativa propõe uma mudança de paradigma no campo jurídico, priorizando a reparação de danos, a escuta ativa e o fortalecimento de vínculos em detrimento da punição. No Brasil, experiências legislativas como os Núcleos de Justiça Restaurativa em fóruns e varas da infância, e os Centros Judiciários de Solução de Conflitos (CEJUSCs), têm sido importantes espaços de integração entre saúde, educação e justiça, especialmente quando aliados a práticas integrativas.
Essa conexão é ainda mais potente quando dialoga com a Constelação Familiar Sistêmica, abordagem criada por Bert Hellinger, que compreende os conflitos humanos como parte de dinâmicas ocultas dos sistemas familiares. Segundo Hellinger (2004), o sofrimento e os sintomas muitas vezes representam lealdades invisíveis aos destinos trágicos dos antepassados, e a reconciliação com esses membros exilados pode trazer alívio, paz e integração.
Nos últimos cinco anos, diversos tribunais brasileiros passaram a utilizar as Constelações como ferramentas auxiliares nos processos judiciais, sobretudo em varas de família, infância e violência doméstica. O próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através do Comitê Gestor da Justiça Restaurativa, tem reconhecido a importância da interdisciplinaridade e da integração com saberes da saúde e da espiritualidade para transformar conflitos crônicos.
No Maio das PICs 2025, essa abordagem esteve presente na escuta sistêmica promovida entre indígenas e não indígenas, entre profissionais e pacientes, entre curadores e cuidadores. A frase de Jandaiara, agente de saúde Pataxó, sintetiza essa vivência de reconciliação e pertencimento: “A comunidade precisa saber que esse tipo de tratamento está disponível, e que vão ser muito beneficiados”.
O cuidado sistêmico convida à escuta do campo, ao reconhecimento das ordens do amor — pertencimento, hierarquia e equilíbrio — e ao respeito às ancestralidades. Quando aplicado no contexto indígena, esse olhar se amplia para incluir também a relação com o território, com os encantados e com os ciclos da natureza.
A justiça, portanto, torna-se restaurativa quando integra práticas que curam feridas invisíveis e promovem reconexão com o todo.
2.4 Saúde Integrativa Indígena: Saberes Ancestrais e Epistemologias do Cuidado
A Saúde Integrativa Indígena não é apenas uma prática assistencial, mas um modo de viver e compreender o mundo. Enraizada nas cosmologias dos povos originários, especialmente os povos Pataxó de Santa Cruz Cabrália, ela articula dimensões físicas, espirituais, emocionais e coletivas do cuidado, num movimento que escapa à fragmentação biomédica e se ancora em epistemologias do pertencimento.
No Maio das PICs 2025, o Polo de Saúde Indígena demonstrou sua potência como espaço sagrado de cura, onde práticas como o uso de ervas medicinais, rezas, defumações, partilhas em roda, auriculoterapia e reflexologia se entrelaçaram em uma mesma teia de cuidado, em muitas oportunidades, através do Projeto Korihé. Esta experiência, particularmente, foi conduzida com o apoio da SESAI e das lideranças indígenas, em especial AIS Manoel, Zelian e Jandaiara, cujos relatos revelam uma profunda ressonância entre o corpo, o espírito e o território.
Conforme apontam autores indígenas como Ailton Krenak (2019), o saber tradicional não se aprende apenas com livros, mas com o chão, com os cantos, com a escuta. O conhecimento dos antigos é passado de geração em geração, carregando códigos de cura que escapam à lógica cartesiana, mas que se mostram eficazes na prevenção e no cuidado integral à saúde.
A Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI), instituída pela Portaria 254/2002, já reconhece a importância dos agentes indígenas de saúde e dos pajés como detentores de saberes válidos. No entanto, ainda é necessário um avanço efetivo na promoção de diálogos interculturais e na garantia do protagonismo indígena nas decisões sanitárias e nos protocolos de cuidado.
A busca realizada na Plataforma Brasil (2019–2024) aponta um número crescente de projetos voltados à integração da medicina tradicional indígena aos serviços do SUS, com destaque para estudos realizados em territórios Pataxó, Xavante e Ticuna. Esses trabalhos evidenciam a eficácia de práticas integrativas como a escuta ativa, o uso de plantas medicinais, as rodas de cura e a espiritualidade indígena no enfrentamento de adoecimentos psicossociais, como depressão, alcoolismo, ansiedade e dores crônicas.
A saúde integrativa indígena, portanto, não é uma “alternativa”, mas uma ciência complexa — enraizada em milhares de anos de experiência com a natureza, o espírito e o coletivo. Reconhecê-la como tal é um passo essencial para a decolonização dos saberes e para a construção de uma saúde verdadeiramente universal, equitativa e integral.
3. Metodologia
Este artigo configura-se como um relato de experiência com abordagem qualitativa, fundamentado nos princípios da pesquisa participante, com inspiração na metodologia da educação popular em saúde, conforme preconizada por Paulo Freire (1987) e fortalecida por experiências do SUS no campo das Práticas Integrativas e Complementares (PICS).
A experiência foi vivenciada durante o evento “Maio das PICs Restaurativo 2025”, realizado em Santa Cruz Cabrália, com ênfase no território indígena, em parceria com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), com as aldeias Pataxó do município e com servidores e voluntários vinculados ao Programa Nacional de Práticas Integrativas.
3.1 Contexto e Território
A atividade foi realizada nas dependências do Polo de Saúde Indígena de Santa Cruz Cabrália, um espaço de atenção primária voltado à saúde dos povos Pataxó. As intervenções ocorreram em formato itinerante e circular, respeitando a dinâmica cultural, os rituais de acolhimento e os saberes dos pajés, técnicos e agentes indígenas de saúde.
3.2 Sujeitos Envolvidos
Participaram da atividade aproximadamente 20 profissionais de saúde indígena, entre agentes, técnicos de enfermagem, cirurgiões-dentistas e lideranças comunitárias, bem como facilitadores convidados das áreas de enfermagem, terapia integrativa e sistêmica, automassagem, reflexoterapia, auriculoterapia e outras práticas integrativas reconhecidas pelo SUS.
Dentre os depoimentos registrados e sistematizados, destacam-se os de:
Dra. Érica Cristina Santos, cirurgiã-dentista do Polo.
AIS Manoel, liderança indígena e pioneiro no Programa de Educação Popular com PICs.
Zelian, técnica de saúde indígena.
Jandaiara, agente de saúde da Aldeia Nova Coroa.
Todos os participantes tiveram seus depoimentos autorizados mediante consentimento verbal e foram resguardados pela ética do cuidado, conforme preconiza a Resolução CNS nº 510/2016.
3.3 Estratégias e Instrumentos
As estratégias utilizadas integraram:
Roda de conversa com escuta sensível.
Atendimentos em auriculoterapia, reflexologia, imposição de mãos e massagem terapêutica.
Sistematização dos sentidos: os depoimentos foram transcritos e organizados com base na técnica da análise de conteúdo (Bardin, 2011), buscando evidenciar categorias emergentes, como: cuidado do cuidador, ancestralidade como fonte de cura, espiritualidade, pertencimento e reconexão.
A metodologia adotada, portanto, não busca quantificar, mas revelar sentidos e significados do cuidado integrativo vivenciado, articulando narrativas de pertencimento e cura.
4. Resultados e Discussão
4.1 Cuidado do Cuidador: A urgência de uma escuta restaurativa no SUS
Os depoimentos colhidos revelam uma temática transversal: o sofrimento oculto de quem cuida. Profissionais indígenas da saúde, como a técnica Zelian e a agente Jandaiara, verbalizaram o quanto a rotina de cuidado os distancia de si mesmos. A atividade integrativa, nesse contexto, revelou-se como um ato de justiça restaurativa, ampliando o conceito jurídico para o campo do cuidado — onde não há reparação sem escuta, presença e pertencimento.
Esse cuidado do cuidador é defendido por Mary C. Townsend (2020), que destaca a importância de abordagens humanizadas para prevenir o desgaste emocional e os transtornos mentais comuns entre os profissionais da saúde. Sua teoria da enfermagem psiquiátrica ressoa com os efeitos vivenciados: o relaxamento imediato, o alívio de tensões e a reorganização das emoções.
Adicionalmente, Jean Watson (2002), com sua Teoria do Cuidado Transpessoal, já afirmava que “o momento de cuidado é sagrado, e ambos – quem cuida e quem é cuidado – são transformados”. No Maio das PICs, a escuta restaurativa potencializou essa transformação.
4.2 A sabedoria ancestral como epistemologia do cuidado
Depoimentos como o do AIS Manoel revelam a importância da amizade, do vínculo afetivo e da presença espiritual como partes fundamentais do processo terapêutico. O cuidado, nesse sentido, é coletivo e se dá no corpo, no espírito e na comunidade. É o que Bert Hellinger (2007) chama de “ordens do amor”, onde pertencer e ser visto são condições essenciais para que a cura aconteça.
Essa visão é também compartilhada pela terapia comunitária integrativa, proposta por Adalberto Barreto, que a define como um “espaço horizontal de partilha onde o sofrimento se transforma em potência coletiva”. Nos livros “Construindo a Paz” (2006), “Terapia Comunitária Passo a Passo” (2013) e “A Cura pelo Encontro” (2018), Barreto argumenta que é preciso escutar os gritos das periferias do corpo e da alma – exatamente o que vivenciamos nas aldeias de Cabrália.
4.3 A potência do Polo de Saúde Indígena como espaço de justiça social
Ao ser palco de práticas integrativas, o Polo de Saúde Indígena emerge como espaço de resgate da dignidade, da espiritualidade e da autonomia do povo Pataxó. As intervenções realizadas ativaram o que Alberto Guerreiro Ramos chamava de “mundo da vida” – aquele que acolhe os saberes não institucionalizados, como o das parteiras, benzedeiras e pajés.
Nos últimos cinco anos, diversas iniciativas dentro da Plataforma Brasil registraram experiências semelhantes. Destacam-se os seguintes autores e pesquisas:
Silva et al. (2021) – “A medicina indígena como prática de autocuidado e resistência cultural”
Nogueira e Castro (2022) – “Entre raízes e direitos: PICs e protagonismo indígena no SUS”
Pereira et al. (2023) – “A espiritualidade no cuidado indígena: uma abordagem integrativa no contexto amazônico”
Oliveira e Matos (2024) – “Quando o pajé encontra o enfermeiro: articulações entre saberes no Acre”
Esses estudos reafirmam o que vimos em Santa Cruz Cabrália: a potência da cultura indígena como aliada na construção de políticas públicas interseccionais, especialmente no campo da saúde, da educação e da justiça.
4.4 A intersetorialidade como caminho de futuro
O Maio das PICs 2025 foi também expressão de intersetorialidade efetiva, reunindo o Fórum da Comarca, a SESAI, profissionais voluntários, lideranças indígenas e saberes milenares. Isso atende às diretrizes da Justiça Restaurativa no Sistema Judiciário Brasileiro, fortalecidas por normativas recentes do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), como:
Resolução nº 225/2016 (CNJ) – institui a Política Nacional de Justiça Restaurativa;
Portaria CNJ nº 135/2023 – estimula a articulação entre justiça, saúde e cultura em territórios vulneráveis;
Agenda 2030 da ONU, especialmente os ODS 3 (Saúde e Bem-estar) e 16 (Paz, Justiça e Instituições Eficazes).
Essas normativas apontam para um futuro onde a justiça é construída nos territórios e não apenas nos tribunais, onde o cuidado com a saúde e com a história dos povos é parte do processo de pacificação social.
5. Conclusão
O Maio das PICs Restaurativo 2025, teve ação realizada no Polo de Saúde Indígena de Santa Cruz Cabrália, simbolizou mais que um evento: foi a consagração de um modo de cuidar enraizado na ancestralidade, transversalizado pelas práticas integrativas e legitimado por experiências restaurativas que escutam, tocam e transformam.
O cuidado revelado nesta experiência não foi apenas terapêutico — foi cosmopolítico, como diria Boaventura de Sousa Santos: ele articula sistemas de saber diversos (como o biomédico, o sistêmico, o espiritual e o tradicional indígena), sem que um precise anular o outro. Trata-se de uma prática de resistência e reconexão que torna o SUS mais próximo da alma de seus povos originários.
Esse reencontro com as raízes do cuidado, promovido em articulação com lideranças Pataxó, profissionais da SESAI, voluntários do NPICS Brasil e instituições de justiça, mostrou que a cura não é um evento clínico isolado, mas uma construção coletiva.
Como afirmou a agente Jandaiara, “a comunidade precisa saber que esse tipo de cuidado está disponível”. E como ensinou Bert Hellinger, “o que cura é o amor na ordem”. Que sigamos, portanto, organizando esse amor em políticas públicas justas, vivas e integrativas.
REFERÊNCIAS
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Agradecimentos
Agradecemos, primeiramente, ao povo Pataxó de Santa Cruz Cabrália, por sua sabedoria ancestral, generosidade e coragem em compartilhar seus saberes e práticas sagradas de cuidado com a terra, o corpo e o espírito.
À Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), pelo apoio institucional e pela confiança no fortalecimento das Práticas Integrativas no território indígena.
Ao Fórum da Comarca de Santa Cruz Cabrália e ao CEJUSC pela parceria restaurativa que transcende os muros da justiça e alcança as comunidades em sua dimensão mais humana e espiritual.
Aos profissionais de saúde indígena, técnicos, pajés, agentes comunitários e voluntários do Programa NPICS Brasil, que, com amor e dedicação, tornaram possível a realização do Maio das PICs 2025 como um espaço vivo de cura, escuta e reconexão.
Às instituições formadoras, como a Universidade Federal da Paraíba, que incentivam a pesquisa e a sistematização de experiências populares de cuidado, e ao FamilySearch, por acolher a memória deste trabalho como legado.
Aos mestres espirituais visíveis e invisíveis que sustentam, silenciosamente, a caminhada de todos os que se dedicam a curar e servir com humildade, presença e verdade.
A cada coração que pulsou junto neste movimento, nossa sincera gratidão.
Forum Jutahy Fonseca, Santa Cruz Cabrália - BA, Brasil
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