Foi bonita a festa, ó pá!// Mas certamente, esqueceram uma semente//Em algum canto de jardim. Os ecos democráticos da Revolução dos Cravos em Portugal (1974), cantados por Chico Buarque, foram experimentados por diferentes segmentos do país nos anos seguintes, incluindo a Saúde. No campo da saúde coletiva, criou-se o Serviço Nacional de Saúde (SNS), que permanece vigente até hoje nos cuidados dos portugueses, guardando semelhanças e diferenças com o Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, assim como desafios e lutas por fortalecimento e consolidação.
O SNS português, seus marcos e atores envolvidos, que estão na centralidade do documentário português A Criação do Serviço Nacional de Saúde: a conquista de um direito (1974-1979), serviu de gancho para mais uma sessão de debates do Núcleo de Estudos Audiovisual em Saúde (Neavs) da VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz, que nesta edição foi realizado (14/11) em parceria com a Plataforma IdeiaSUS Fiocruz. O debate marcou a estreia do documentário na Plataforma de Filmes VideoSaúde Fiocruz, reunindo produtores do filme e especialistas brasileiros, e pode ser revisitado no canal da VideoSaúde no Youtube.
O documentário
O filme é uma pequena joia sobre a memória do SNS. Resgata imagens e vídeos históricos, colhendo depoimentos de época e atuais que trazem reflexões sobre como o SNS foi concebido e começou ser implantado. Apresenta como os portugueses foram buscar referências nos sistemas de saúde públicos do Reino Unido, da União Soviética, da França e nas resoluções da Organização Mundial da Saúde (OMS). Revisita os indicadores de saúde pré-SNS e como o sistema tratou de reverter o combate a endemias, dificuldades de acesso, abertura de clínicas populares e nacionalização de hospitais particulares.
Foto do filme ‘A Criação do Serviço Nacional de Saúde: a conquista de um direito’
A narrativa também resgata depoimentos de pessoas sem acesso à saúde, revisita o Serviço Médico à Periferia – que partiu para o interior do país para levar saúde a todos – e aponta os desafios atuais do SNS num contexto de aumento populacional e mercantilização da saúde.
O documentário foi criado e finalizado durante a pandemia de Covid-19, a partir de pesquisas de imagens e documentos do Centro de Documentação 25 de Abril – ligado à Universidade de Coimbra –, e conta com depoimentos de diferentes profissionais e pensadores que participaram ativamente da criação do Serviço Nacional de Saúde de Portugal, como Carlos Leça da Veiga, Franscisco George, Jorge Seabra, João Pereira de Almeida, Graça Patrício e Manuel Alves. Conta, ainda, com o olhar da cineasta Margarida Gil sobre o tema, revisitando os dias pós-Revolução dos Cravos e os contextos vividos em Portugal naquele momento – ela foi produtora de um documentário sobre clínicas populares de saúde em 1975.
Perdeu o debate? Ele está disponível no canal da VideoSaúde no Youtube. Ainda não assistiu ao filme? Acesse a Plataforma de Filmes VideoSaúde Fiocruz.
Breve história do sistema
A criação do SNS português remonta a meados e ao final dos anos 1970, após reunião das condições políticas e sociais provenientes da reestruturação política portuguesa naquele momento. O objetivo era diminuir as barreiras de acesso aos cuidados médicos – tanto financeira quanto fisicamente. A partir daí, os serviços foram reformulados para duas estruturas funcionais: centros de saúde; e hospitais.
Em 1979, foi instaurado o Serviço Nacional de Saúde (SNS), com o objetivo democrático de universalidade, generalidade e gratuidade. Com o passar dos anos, o sistema foi evoluindo e, em 1990, marcado por mais uma mudança. O sistema de saúde em Portugal passa a ser composto por três segmentos: Serviço Nacional de Saúde, abrangendo todas as instituições e serviços oficiais, prestadores de cuidados de saúde dependentes do Ministério da Saúde; todas as entidades públicas que desenvolvem atividades de promoção, prevenção e tratamento na área de saúde; e todas as entidades privadas e profissionais livres que acordarem a prestação de cuidados ou atividades de saúde com o SNS.
Atualmente, de acordo com especialistas, o SNS português é classificado como o 9º melhor da Europa e 12º melhor do mundo. Isso possibilita ao país atingir boas posições em diversos índices de saúde.
Como funciona o SNS?
O SNS é uma estrutura por meio da qual o Estado português assegura o direito à saúde a todos os cidadãos do país. De acordo com o governo de Portugal, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) é a garantia do direito fundamental de todos os cidadãos à proteção da saúde, independentemente da condição social, da situação económica ou da localização geográfica de cada um.
A pandemia de Covid-19, segue o governo, reforçou a importância de se manter um sistema de saúde forte, que tenha as pessoas no seu centro, e como pilar essencial está o serviço público de saúde, acessível a todos e tendencialmente gratuito. “O investimento no SNS é a garantia de uma política de saúde mais próxima, justa e integrada, que permite assegurar a cobertura universal e a resposta às necessidades de saúde dos portugueses, com proteção financeira face aos custos da doença”, reforça o Portal do SNS, que fornece um amplo painel sobre seu funcionamento:
Um dos pilares do SNS é o médico de família, profissional que atua no diagnóstico e prevenção de doenças preexistentes, hereditárias ou congênitas, uma vez que ele possui o histórico familiar de saúde. Outra função importante do médico de família é, conforme a necessidade, fazer o encaminhamento dos usuários para consulta com um especialista e demais unidades de saúde portuguesas.
Diferenças com o SUS brasileiro
Um ponto diferente em relação à saúde pública no Brasil é que os serviços são cobrados em Portugal. Uma consulta com o médico de família gira em torno dos 4,5€. Com um especialista, o usuário deve desembolsar um valor próximo dos 7€. Além dos serviços médicos, o sistema de saúde público em Portugal oferece um programa de subsídios para medicações, por meio do qual o governo paga uma parte da medicação e o usuário, a outra. Quanto às medicações, em Portugal, a coparticipação entre usuário e governo é dividida em escalões que podem variar de 15% a 90% de desconto no valor do remédio.
De acordo com especialistas, quantias mais altas geralmente são cobradas nos hospitais, onde o valor para uma urgência básica é próximo dos 14€. Em caso de urgência cirúrgica, o custo pode chegar aos 16€ e, caso se trate de uma urgência cirúrgica polivalente, em que há necessidade de intervenção de médicos de diversas áreas, o preço pode partir dos 18€. Além disso, alguns exames podem ter uma diferença a ser cobrada. Porém, desde 2021, todos os que forem prescritos nos centros de saúde estão isentos de taxas.
Com informações da Ascom VideoSaúde Fiocruz.