As riquezas das plantas medicinais brasileiras para a saúde mundial

Crédito: Pexels

O Brasil abriga mais de 20% de toda a biodiversidade mundial, além de 60% da Floresta Amazônica, que este ano está no centro do debate da primeira edição do Congresso Pan-Americano de Plantas Medicinais e Saúde Integrativa, promovido pelo Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa (CABSIN) neste mês de abril. Segundo o Ministério do Meio Ambiente do Brasil, são mais de 46 mil espécies vegetais conhecidas no país, incluindo as de uso medicinal, espalhadas pelos seis biomas terrestres. E os números podem ser ainda maiores, uma vez que várias regiões do país não foram suficientemente estudadas: estima-se que as espécies vegetais conhecidas podem representar somente 10% de toda a vida encontrada por esta região.

Usadas há muito tempo por nossos antepassados e reconhecidas cientificamente por terem um papel importante na cura e tratamento de doenças, as plantas medicinais brasileiras fazem parte, hoje, de um importante projeto de pesquisa, os Mapas de Evidências da Efetividade Clínica das Práticas Integrativas e Complementares de Saúde (PICS), realizado pelo CABSIN e o Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde (Bireme/OPAS/OMS), com apoio da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Coordenação Nacional das Práticas Integrativas e Complementares de Saúde do Ministério da Saúde. São 18 mapeamentos das PICS, entre eles das plantas medicinais brasileiras, no qual estão sistematizados, descritos e caracterizados diferentes desfechos para 70 espécies de plantas medicinais brasileiras.

As espécies vegetais identificadas no Mapa de Evidências da Efetividade Clínica das Plantas Medicinais Brasileiras fazem parte dos documentos oficiais, como a Farmacopeia Brasileira, os Formulários e o Memento da Farmacopeia Brasileira, a Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse ao SUS e a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename). Este último, em sua edição de 2022, lista 12 fitoterápicos, oriundos de espécies vegetais padronizadas: Alcachofra (Cynara scolymus L.); Aroeira (Schinus terebinthifolius Raddi); Babosa (Aloe vera (L.) Burm.f ); Cáscara-sagrada (Rhamnus purshiana D.C.) Espinheira-santa (Maytenus officinalis Mabb.); Guaco (Mikania glomerata Spreng.); Garra-do-diabo (Harpagophytum procumbens); Hortelã (Mentha x piperita L.); Isoflavona de soja (Glycine max (L.) Merr.); Plantago (Plantago ovata Forssk.); Salgueiro (Salix alba L.); e Unha-de-gato (Uncaria tomentosa (Willd. ex Roem. & Schult.) (1)

As plantas medicinais em mapas

O mapeamento científico das plantas medicinais brasileiras, sob a coordenação da farmacêutica industrial e professora de Fitoterapia, Bettina Monika Ruppelt, está baseado em 215 revisões sistemáticas de estudos clínicos, concentradas majoritariamente nos Estados Unidos, Irã e China e, na América Latina, no Brasil, realçando os benefícios de plantas exóticas, a exemplo da Ginkgo biloba, cultivadas, como a Aloe vera/Aloe barbadensis e a Zingiber officinale, e nativas, como a Centella asiática. Esta última – que, apesar do nome, é originariamente brasileira –, é rica em ácido asiático (saponina), flavonóides, carotenóides, vitamina C, vitamina B e antioxidantes, com propriedades anti-inflamatória, bactericida e estimulante, ajudando a melhorar a circulação sanguínea.

Outra planta muito estudada, conforme aponta o mapeamento, é a Gingko biloba. Bastante rica em flavonóides e terpenóides, ela tem uma forte ação anti-inflamatória e antioxidante. Esta planta, de acordo com Bettina, aparece em 47 revisões sistemáticas, resultando em desfechos positivos quanto ao desempenho cognitivo, à esquizofrenia e à demência. “A Ginkgo biloba mostrou-se também eficaz nas áreas de dermatopatias, manifestações urológicas e distúrbios menstruais. Mas esses resultados carecem de mais pesquisas”, acrescenta.

Outra planta bastante estudada é a Babosa (A. barbadensis). Esta planta de origem africana e cultivada no Brasil, destacada por sua elevada capacidade de resistência à seca, tem grande potencial terapêutico, especialmente no tratamento de queimaduras e das doenças de pele. Isso porque, como explica Bettina, a presença do acemanana, principal polissacarídeo das folhas da planta, provoca ações antinociceptiva – que anula ou reduz a percepção e transmissão de estímulos que causam dor – anti-inflamatória, cicatrizante e imunomoduladora (2).

A babosa apresenta propriedades medicinais que vão desde laxante, depurativa, hepática e vermífuga, passando por tônico capilar, cicatrizante da pele e mucosas, até atividades antitumorais, anti-inflamatória e antidiabética. O mapeamento das plantas medicinais brasileiras identifica desfechos desta planta para várias doenças, como psoríase, lúpus, entre outras. Mas ela tem contraindicações: para gestantes e lactantes; e uso interno em crianças e portadores de apendicite, varizes e afecções renais (3).

A Zingiber officinale, conhecida popularmente como gengibre, apresenta desfechos para a prevenção de náuseas e enjoos causados por movimentos, em pacientes oncológicos e pós-cirúrgicos. Esta planta, originária da ilha de Java, da Índia e da China, de onde se difundiu pelas regiões tropicais do mundo, incluindo o Brasil, é também reconhecida cientificamente por auxiliar no tratamento das pessoas com diabetes. Ela é, porém, contraindicada para pessoas com cálculos biliares, irritação gástrica e hipertensão arterial.

Estudo sobre a efetividade do gengibre na redução de níveis metabólicos em pessoas com diabetes, publicado na Revista Latino-Americana de Enfermagem (RLAE), confirma análise feita pelo mapeamento das evidências clínicas das plantas medicinais brasileiras: o uso do gengibre pode auxiliar o tratamento das pessoas com a diabetes, e os dados dão suporte para a inserção desse fitoterápico na prática clínica dos enfermeiros. Os pesquisadores brasileiros, das Universidade: Federal do Ceará (UFC), Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Estadual do Piauí (UEP) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), investigaram indivíduos com idade entre 20 e 80 anos, em uso de hipoglicemiantes orais e com valores de HbA1c (indicador metabólico para identificar níveis elevados de glicemia) entre 6,0% e 10%. Os participantes foram alocados em dois grupos distintos e randomizados em blocos, com base nos valores de HbA1c. No grupo experimental, os participantes usaram 1,2g de gengibre e, no grupo controle, 1,2g de placebo, diariamente, durante 90 dias. Os desfechos primários foram a redução da glicemia sérica de jejum e HbA1c e os secundários, a redução dos lipídios e HOMA-IR (indicador ligado à resistência à insulina). Ao todo, 103 pessoas concluíram o estudo, das quais 47 eram do grupo experimental e 56 do grupo controle. De acordo com os pesquisadores, os participantes do grupo experimental apresentaram redução dos valores de glicemia e colesterol total, em comparação com o grupo controle, demonstrando que o gengibre pode ser utilizado para o tratamento da diabetes. Esse exemplo é reforçado pelo estudo de revisão sistemática de 2018, que demonstra o potencial do gengibre como terapia adjuvante ao tratamento da diabetes (4).

Desfechos clínicos do mapeamento de plantas

Bettina conta que os resultados identificados no Mapa de Evidências das Plantas Medicinais Brasileiras estão divididos em 18 subgrupos: Bem-Estar, Vitalidade e Qualidade de Vida; Câncer; Cicatrização; Doenças Crônicas não Transmissíveis; Doenças Infectocontagiosas; Doenças Nutricionais e Metabólicas; Dor; Gestão; Indicadores Mentais; Indicadores Metabólicos e Fisiológicos; Indicadores Psicológicos e Comportamentais; Saúde Bucal; Saúde Mental; Saúde Reprodutiva; Serviços de Saúde; Terapêuticas; e Outros. Os desfechos, ou seja, os resultados na saúde mais comuns relatados nas revisões sistemáticas foram: diabetes mellitus; demência; e transtornos de ansiedade.

Na avaliação da pesquisadora, o Mapa de Evidências Clínicas das Plantas Medicinais Brasileiras apresenta, de forma clara e simples, as principais informações sobre as intervenções e os desfechos de plantas medicinais conhecidas por povos tradicionais e ancestrais.

“E, caso o prescritor tenha interesse em outras informações, como posologia, tempo de tratamento, segurança, interações medicamentosas, ele poderá acessar a íntegra do estudo”, acrescenta. “A partir das informações do Mapa, materiais de divulgação sobre o uso correto, seguro e responsável para os profissionais de saúde e usuários do SUS poderão ser mais bem elaborados”, admite.

O Mapa, segundo ela, pode também contribuir na introdução das plantas medicinais e dos fitoterápicos em programas de saúde do SUS, fortalecendo e embasando a Política de Plantas Medicinais e Fitoterápicos e a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PNPIC). “O fomento das pesquisas poderá ser direcionado para o estudo em todas as etapas da cadeia produtiva de plantas medicinais e fitoterápicos. A cadeia produtiva envolve o cultivo e/ou extrativismo, beneficiamento, metodologias de extração, isolamento (fitofármacos), produção, estudo de estabilidade, garantia da qualidade, validação de processos, prescrição, dispensação e farmacovigilância”, orienta.

Apesar de os estudos sobre as plantas medicinais brasileiras ganharem força nos últimos anos, especialmente em face da publicação da Política e do Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, de editais de fomento para estudos pré-clínicos e o desenvolvimento de novos fitoterápicos, os números de depósito de patentes, de estudos clínicos e registros de fitoterápicos de plantas medicinais brasileiras nativas ainda são escassos, na avaliação da pesquisadora. Bettina reconhece, ainda, que o país conta com pesquisadores de destaque internacional, além de programas promissores, a exemplo das Farmácias Vivas. O programa, implantado no SUS em 2010, compreende todas as etapas, desde o cultivo, a coleta, o processamento, o armazenamento de plantas medicinais, incluindo, também, a manipulação e a dispensação de preparações magistrais e oficinais de plantas medicinais e fitoterápicos (ver ‘Farmácia Viva: política pública brasileira de plantas medicinais que integra conhecimento popular e científico’).

Congresso Pan-Americano de Plantas Medicinais

Em função da necessidade urgente de se promover a área da Fitoterapia, o 1o Congresso Pan-Americano de Plantas Medicinais e Saúde Integrativa: Interseção com as Medicinas Tradicionais e Complementares reúne mais de 130 palestrantes de 15 países, para tratar das plantas sob o ponto de vista da conservação, da sustentabilidade e da saúde planetária. Discute, também, a pesquisa e a inovação tecnológica em plantas medicinais na região Pan-Americana, as plantas medicinais na Medicina Tradicional, Complementar e Integrativa e as plantas medicinais e a Saúde Pública.

Uma das áreas de grande importância no uso clínico de plantas medicinais é a oncologia, abordada no congresso. O tema está no cenário do Curso de Fitoterapia no Suporte Oncológico, fruto de uma parceria entre o CABSIN e a Universidade Technion, de Israel, curso gratuito lançado no congresso com legendas em português.

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Autora: Katia Machado

Revisão científica: Ricardo Ghelman, Gelza Matos Nunes e Caio Portella

Texto publicado originalmente pelo Núcleo de Tradução do Conhecimento das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (NTC-PICS), no site do CABSIN.

Referências

  1. Mapa de Evidências Efetividade Clínica das Plantas Brasileiras
  2. Zhu, Jie, et al. “Effects of ginger (Zingiber officinale Roscoe) on type 2 diabetes mellitus and components of the metabolic syndrome: A systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials.” Evidence-based complementary and alternative medicine 2018 (2018).
  3. Radha, Maharjan H., and Nampoothiri P. Laxmipriya. “Evaluation of biological properties and clinical effectiveness of Aloe vera: A systematic review.” Journal of traditional and complementary medicine 5.1 (2015): 21-26.
  4. Carvalho, G. C. N., Lira-Neto, J. C. G., Araújo, M. F. M. de, Freitas, R. W. J. F. de, Zanetti, M. L., & Damasceno, M. M. C. . (2020). Efetividade do gengibre na redução de níveis metabólicos de pessoas com diabetes: ensaio clínico randomizado. Revista Latino-Americana De Enfermagem, 28, e3369. https://doi.org/10.1590/1518-8345.3870.3369

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