O município de Cantagalo, localizado na Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro, com uma população estimada de 20.163 pessoas (IBGE), possui uma rede de atenção primária à saúde com 100% de cobertura populacional, totalizando 8 equipes de Saúde da Família, sendo 4 unidades localizadas na área urbana do município e 4 unidades de saúde localizadas em área rural. O Decreto da Pandemia de COVID-19 pela OMS no dia 11 de março de 2020 trouxe para o Brasil e o mundo um grande desafio: reorganizar o sistema de saúde para combater uma doença pouco conhecida, de alta letalidade e transmissibilidade.Sendo assim, não foi diferente no município em questão a necessidade de uma proposta inicial rápida de enfrentamento do panorama que ainda se delineava, cercado por incertezas, medos, questionamentos e com raros estudos significativos que auxiliassem no desvelar da Covid-19.Dessa forma, em 17 de março de 2020, após reunião das equipes de Saúde da Família de Cantagalo juntamente com a gestão municipal, criou-se o Centro de Referência para Síndromes Respiratórias Agudas (CRSRA) enquanto serviço assistencial e porta de entrada principal de todos os usuários sintomáticos respiratórios. O CRSRA foi formatado a partir da experiência clínica e gerencial de diferentes atores da Estratégia Saúde da Família (ESF) do município em conjunto com a Vigilância em Saúde, visto a necessidade de atendimento e monitoramento de um novo tipo de clientela e de limitar de alguma forma o avanço da doença.
Em 17 de março de 2020, o município de Cantagalo-RJ, organizou, ainda que de forma experimental, toda sua rede assistencial para uma nova lógica de atendimentos, e o CRSRA iniciou suas atividades enquanto principal porta de entrada do sistema, atendendo todos os usuários sintomáticos respiratórios tornando-se um espaço de construção coletiva do cuidado a essa clientela. Seu objetivo era centralizar a assistência a esses usuários, reduzindo o potencial de contaminação da Covid 19 nas unidades de Saúde da Família tendo em vista a circulação inerente de grupos mais vulneráveis que iam buscar outros tipos de atendimento. Além disso, tinha também a função de monitorar os casos ativos e seus contactantes (moradores da mesma residência) e analisar o perfil epidemiológico encontrado a partir dessa estratégia para avaliar a elaboração e necessidade de novas possibilidades de intervenção, caso necessário, ou readequação da organização existente.O CRSRA era composto por componentes da equipe da ESF que se revezavam em equipes diárias de atendimento: médicos, enfermeiros, dentistas, auxiliares de saúde bucal e agentes comunitários de saúde. Os profissionais ali atuantes trouxeram, além do conhecimento técnico específico, a prática do acolhimento e da escuta qualificada que permitiu melhor vinculação com a população e a construção de um espaço não somente assistencial, mas de humanização e aproximação das necessidades de saúde individual e coletiva. O fluxo de atendimento se formatou a partir da elaboração de um protocolo de atendimento que norteou todas as etapas da assistência prestada. Este protocolo teve como referência o protocolo do Ministério da Saúde. A partir dos sintomas apresentados e suspeita diagnóstica ou do contato com outros usuários positivos para Covid 19 além do tempo do início dos sintomas, o usuário era encaminhado ou para testagem (inicialmente por teste rápido de detecção de anticorpos e, um ano depois, por testagem rápida de detecção de antígenos, além de envio de material para o laboratório de referência LACEN) e atendimento médico ou para atendimento médico e posterior testagem, a depender do tempo de sintomas ou tempo de contato de caso positivo. Vale ressaltar que ao longo da execução do protocolo inicial elaborado, foram necessárias inúmeras modificações do fluxo de atendimento, condutas e registro de dados além do tipo de testagem disponibilizada. Isso porque houve a necessidade de se incluir ou modificar os caminhos a serem percorridos, visto que o panorama epidemiológico foi se formatando e modificando ao longo do intercurso da Covid 19, das experiências adquiridas (exitosas ou não), do processo vacinal em curso e dos seus diferentes momentos. Os formulários para coleta de dados passaram por inúmeras modificações incluindo raça, atividade laboral, parâmetros importantes como a saturação de oxigênio, sintomatologia observada, fatores de risco associados (co-morbidades), história vacinal contra Covid e contato com casos positivos. O CRSRA como coordenador do cuidado da rede para Covid 19 municipal, possuía integração com os demais mecanismos da rede de serviços de saúde a fim de resguardar o atendimento integral tais como a acesso a exames diagnósticos de média e alta complexidade (tomografia de crânio, radiografia de tórax, principalmente), assim como acesso a medicamentos e também monitoramento dos casos suspeitos e confirmados da doença.O CRSRA permitiu a detecção precoce da Covid 19 e consequente intervenção precoce, além de monitoramento (via telefonia móvel e aplicativo) da evolução clínica de cada usuário suspeito ou confirmado. Essa prática permitiu redução significativa no número de internações e óbitos pelo rápido manejo e conduta oportuna. Fortemente ligado ao setor de Vigilância Epidemiológica, o CRSRA monitorou também a evolução da Covid 19 na identificação das diferentes variantes e de suas especificidades. No tocante às redes de atenção, o CRSRA articulou-se às equipes de Saúde da Família através de instrumento de referência realizado pelas mesmas e planilha de atendimento diário do CRSRA, acessível a toda a coordenação da rede de atenção à Covid 19 incluindo a APS do município, permitindo que os usuários atendidos, as condutas e os resultados dos exames fossem compartilhados por todos os serviços participantes ampliando, assim, a rede de monitoramento e cuidado. Além disso, os usuários com piora do quadro e clínica, com necessidade de internação, eram encaminhados ao Hospital de Cantagalo pelo médico do dia no CRSRA, seguindo o fluxo de referenciamento.
O CRSRA foi criado na intencionalidade de ser um serviço de combate à Covid 19 no município de Cantagalo. Pensado por componentes da gestão municipal e da APS, tem em sua composição o trabalho de profissionais da Estratégia Saúde da Família que trouxeram sua experiência de atuação no território agregada aos atributos da APS incrementando assim, um atendimento de forma humanizada e voltada para um agravo de alta transmissibilidade. O CRSRA é porta de entrada e coordenador do cuidado da rede de combate a Covid 19, articulando-se com diferentes níveis de atenção para garantir integralidade e longitudinalidade.Os profissionais da APS tiveram duplo papel, sendo fundamental tanto no processo assistencial no CRSRA quanto na ESF mantendo dentro das normas de segurança, a qualidade nesses diferentes pontos de atenção da rede Covid 19, garantindo o acesso aos serviços de saúde e intervindo nas necessidades da população durante a pandemia.A boa aceitação da população, o baixo índice de internações e de evolução para óbito por Covid 19 , a organização e comunicação do serviço e da rede de atenção, o trabalho exaustivo e incansável tanto da gestão municipal, do setor de Vigilância em Saúde quanto da APS, permitiram que o município de Cantagalo fosse reconhecido como referência no cuidado da Covid 19. Dessa forma, o CRSRA demonstrou-se de importante relevância para o bom panorama epidemiológico da região serrana estadual assim como também vem reforçar o papel da APS e seus impactos positivos na saúde da população. Com 100% de cobertura e alcance da ESF, Cantagalo é o melhor município da região na classificação do PREFAPS, e que apesar de todas as dificuldades e limitações advindas da pandemia, da escassez de profissionais que se revezavam em diferentes pontos de atuação inclusive aos finais de semana, do desafio de se (re)organizar o processo de trabalho em saúde em um panorama incerto e amedrontador, acabou se destacando por práticas fortalecedoras do SUS.
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