Redução de danos como estratégia para aumentar a adesão ao tratamento do HIV e outras IST entre pessoas em alta vulnerabilidade usuárias de drogas na cidade do Recife (PE)

A experiência “Redução de Danos como estratégia para aumentar a adesão ao tratamento do HIV e outras IST entre pessoas em alta vulnerabilidade usuárias de drogas na cidade do Recife” foi desenvolvida pela Escola Livre de Redução de Danos (ELRD), em parceria com a Mainline Foundation (Holanda), LANPUD (Rede Latinoamericana de Pessoas que Usam Drogas) e com financiamento da ViiV Healthcare, no período de março de 2024 a fevereiro de 2025. A proposta surgiu da necessidade de fortalecer as estratégias de prevenção combinada ao HIV e ampliar o acesso à saúde de populações historicamente excluídas dos serviços públicos, como pessoas em situação de rua, usuárias de drogas, mulheres trans e juventudes vulnerabilizadas.

O projeto teve como objetivo geral integrar ações de cuidado, formação e advocacy na perspectiva da Redução de Danos, promovendo o enfrentamento ao estigma e a ampliação da resposta do Sistema Único de Saúde (SUS) às populações mais afetadas pela epidemia de HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). Entre os objetivos específicos, destacam-se: (1) ampliar o acesso à testagem e prevenção combinada; (2) fortalecer vínculos comunitários e redes intersetoriais; (3) capacitar profissionais da saúde e assistência social; e (4) produzir e difundir conhecimento técnico e metodológico.

A justificativa baseia-se na constatação de que o acesso à saúde entre populações em extrema vulnerabilidade é historicamente limitado por barreiras institucionais, geográficas e sociais, agravadas pelo estigma e pela criminalização do uso de drogas. A proposta parte do entendimento de que o cuidado em saúde exige presença territorial, escuta qualificada e integração entre práticas biomédicas e sociais.

A implementação combinou diferentes eixos de ação:

– Abordagem móvel e territorial, com visitas semanais a cenas de uso, testagem rápida, distribuição de insumos e encaminhamentos aos serviços do SUS, em articulação com o Consultório na Rua e o Programa Atitude;

– Cursos de fortalecimento social e pessoal, com incentivo financeiro e foco em autonomia, autocuidado, cidadania e prevenção combinada;

– Formação profissional de trabalhadores do SUS e da sociedade civil em Redução de Danos e enfrentamento ao estigma;

– Desenvolvimento de plataforma digital, em parceria com a Fiocruz, para registro e monitoramento das ações em tempo real;

– Curso on-line internacional em Redução de Danos, disponível em três idiomas (português, espanhol e inglês).

– A experiência mostrou-se inovadora ao combinar cuidado direto, inclusão social e formação de redes, consolidando uma metodologia replicável para o fortalecimento do SUS e a promoção da equidade em saúde.

A experiência nasce da constatação de que a epidemia de HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) ainda impacta de forma desproporcional pessoas em situação de rua, usuárias de drogas, mulheres trans, trabalhadores(as) do sexo e juventudes negras e periféricas. No contexto de Pernambuco, e particularmente da cidade do Recife, observa-se a persistência de determinantes sociais e estruturais — pobreza extrema, racismo, desigualdade de gênero e criminalização do uso de drogas — que limitam o acesso dessas populações ao Sistema Único de Saúde (SUS) e às políticas públicas de proteção social.

Nos territórios de maior vulnerabilidade, o cuidado em saúde é dificultado pela fragmentação da rede, pela ausência de serviços especializados em Redução de Danos e por barreiras institucionais e simbólicas marcadas pelo estigma. Muitas vezes, as pessoas atendidas não possuem documentos, vivem em constante deslocamento e enfrentam discriminação em unidades de saúde, o que reforça a exclusão e agrava situações de adoecimento físico, psíquico e social.

Além disso, as estratégias tradicionais de prevenção ao HIV e ao uso problemático de álcool e outras drogas mostram-se insuficientes quando desconsideram os contextos de vida e as dimensões subjetivas do cuidado. A lógica biomédica isolada, centrada na adesão individual, não é capaz de enfrentar os efeitos da marginalização, da violência urbana e da ausência de renda que marcam essas trajetórias.

Diante desse cenário, identificou-se uma oportunidade estratégica de inovação: fortalecer a resposta do SUS por meio de práticas de Redução de Danos integradas à prevenção combinada ao HIV, articulando cuidado direto, formação política e profissional, inclusão social e produção de conhecimento. A proposta surgiu também como resposta à lacuna na formação dos profissionais de saúde e assistência social, ainda pouco sensibilizados para lidar com populações em uso de drogas sob uma perspectiva ética, não moralizante e baseada em direitos humanos.

A iniciativa, portanto, partiu do reconhecimento de que cuidar é estar presente nos territórios, escutar os sujeitos e reconstruir vínculos de confiança. A mobilização da sociedade civil, através da Escola Livre de Redução de Danos, demonstrou que a comunidade pode ser protagonista na formulação de estratégias de saúde pública, produzindo pontes entre o Estado e grupos historicamente excluídos. Assim, o problema inicial — a exclusão e o estigma — foi convertido em uma oportunidade de reconstrução do cuidado no SUS, fortalecendo a equidade, a intersetorialidade e o compromisso com a vida.

A experiência desenvolvida pela Escola Livre de Redução de Danos (ELRD) consolidou um modelo inovador de cuidado e prevenção combinada ao HIV, ao integrar ações territoriais, formação política e profissional, inclusão social e produção de conhecimento. Os resultados alcançados demonstram impacto direto na saúde, cidadania e redução de vulnerabilidades de populações historicamente excluídas do Sistema Único de Saúde (SUS).

Entre março de 2024 e fevereiro de 2025, a experiência alcançou diretamente 2.393 pessoas, promovendo acesso à prevenção combinada, fortalecimento social e vínculos comunitários. Foram 152 testagens de HIV realizadas, com 128 pessoas vinculadas aos serviços de prevenção e tratamento. As ações móveis em cenas de uso e territórios de alta vulnerabilidade garantiram presença contínua e escuta qualificada, aproximando o SUS de quem mais precisa e viabilizando encaminhamentos para saúde, assistência social e regularização documental.

O Curso de Fortalecimento Pessoal e Social, com 94 participantes, gerou transformações significativas: 83% de aumento no bem-estar, 163% em autonomia e melhora expressiva em autoestima, propósito e domínio do ambiente. Cerca de metade das participantes saiu da rua e passou a viver em moradias alugadas; um terço adquiriu celular, ampliando inclusão digital e retomando vínculos familiares e comunitários. Também houve redução ou interrupção do uso de drogas, evidenciando o impacto do cuidado associado à renda e à cidadania.

No eixo formativo, 1.304 profissionais do SUS, da assistência social e da sociedade civil foram capacitados em Redução de Danos, prevenção combinada e enfrentamento ao estigma. As formações descentralizadas e on-line fortaleceram a rede de acolhimento e humanização, ampliando a sensibilidade institucional. Além disso, 248 ações de advocacy com gestores, legisladores e meios de comunicação contribuíram para ampliar a legitimidade política da Redução de Danos e o debate público sobre direitos e saúde.

Entre as inovações estruturantes, destacam-se o desenvolvimento de uma plataforma digital de monitoramento em parceria com a Fiocruz, que permite o registro e análise em tempo real das ações, e o curso on-line internacional em Redução de Danos, disponível em português, espanhol e inglês, ambos como instrumentos de gestão, replicabilidade e disseminação do conhecimento.

Como lição central, a experiência demonstrou que a integração entre cuidado, inclusão e formação é decisiva para reduzir vulnerabilidades e enfrentar o estigma. A articulação entre sociedade civil e SUS produziu resultados concretos e sustentáveis, legitimando a Redução de Danos como política pública de saúde e cidadania, e como um caminho estratégico para o fortalecimento do SUS e o alcance das metas nacionais de eliminação do HIV até 2030.

A principal recomendação para replicar ou adaptar esta prática é compreender que o cuidado em contextos de vulnerabilidade exige presença territorial, escuta qualificada, vínculo contínuo e participação ativa das pessoas atendidas. O cuidado precisa ser construído com as pessoas e não para elas, valorizando saberes locais, trajetórias de vida e formas próprias de resistência.

A Redução de Danos deve ser compreendida não apenas como uma estratégia técnica, mas como um princípio ético e político de cuidado, centrado na dignidade, autonomia e direito à saúde. Isso implica superar abordagens moralizantes ou punitivas e adotar metodologias horizontais, participativas e decoloniais, sensíveis às desigualdades de gênero, raça, classe e geração. A coerência entre princípios e práticas — entre discurso e cotidiano — é o que sustenta a legitimidade e a sustentabilidade de qualquer iniciativa no campo.

É essencial integrar diferentes setores e saberes — saúde, assistência social, habitação, cultura e educação — para garantir respostas efetivas e sustentáveis. Parcerias com universidades, movimentos sociais e órgãos públicos ampliam a capilaridade, fortalecem a rede intersetorial e legitimam politicamente a Redução de Danos como eixo estruturante do SUS. A experiência demonstrou que a articulação entre sociedade civil e serviços públicos é determinante para a efetividade das ações. Recomenda-se formalizar fluxos de encaminhamento e pactuações com a Atenção Primária, Consultórios na Rua, serviços de assistência social e programas de prevenção, criando redes vivas de cuidado e corresponsabilidade.

No campo da gestão e monitoramento, orienta-se o uso de ferramentas simples, éticas e seguras para registro e avaliação contínua das ações, permitindo tomada de decisão baseada em evidências. A plataforma digital desenvolvida pela ELRD em parceria com a Fiocruz é um exemplo de base de dados participativa e adaptável a diferentes realidades locais, fortalecendo a gestão compartilhada e o aprendizado coletivo.

Também se recomenda investir na formação e no cuidado das equipes. O trabalho em territórios de vulnerabilidade envolve desgaste emocional e riscos diários, exigindo supervisões regulares, espaços de escuta e políticas de salvaguarda que protejam trabalhadores e participantes. O bem-estar da equipe é parte essencial da qualidade do cuidado.

Por fim, sugere-se iniciar em escala reduzida, com ações-piloto territorializadas, avaliando impactos e ajustando metodologias antes da ampliação. A chave do êxito está em atuar com empatia, confiança e corresponsabilidade, fortalecendo vínculos e consolidando práticas baseadas em direitos humanos, equidade e justiça social — fundamentos indispensáveis de uma política pública de cuidado transformadora.

autor Principal

escobarneip@gmail.com

Diretor de Formacão e Pesquisa

Coautores

José Arturo Costa Escobar; Anamaria Faria Carneiro; Rafael Silva West; Priscilla Gadelha Moreira

A prática foi aplicada em

Recife

Pernambuco

Nordeste

Esta prática está vinculada a

Rua do Sossego, 264 - Arruda, Recife - PE, Brasil

Uma organização do tipo

Terceiro Setor

Foi cadastrada por

JOSE ARTURO COSTA ESCOBAR

Conta vinculada

12 nov 2025

CADASTRO

12 nov 2025

ATUALIZAÇÃO

01 mar 2023

inicio

28 fev 2025

fim

Condição da prática

Concluída

Situação da Prática

Arquivos

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