O Projeto Multiplicar Trans é desenvolvido pela Casa do Abraço – SAE/CTA, em Jacareí (SP), com ações quinzenais e noturnas voltadas à promoção da saúde e prevenção combinada do HIV e outras ISTs entre travestis, mulheres e homens trans e pessoas não bináries. A iniciativa ocorre em territórios urbanos de maior vulnerabilidade, como bares, adegas, pontos de prostituição, praças e locais de convivência, tendo como ponto de referência o “Murinho”, na Avenida Barão de Jacareí, onde são realizadas abordagens educativas, orientações sobre prevenção combinada e distribuição de kits de redução de danos. O projeto busca ampliar o acesso à testagem rápida, à PEP e à PrEP, além de apoiar itinerários de afirmação de gênero, articulando ações com a rede SUS e fortalecendo vínculos de confiança com a população trans. Por meio da navegação entre pares e do protagonismo de educadoras trans, o projeto constitui uma estratégia inovadora e de alto impacto social, aproximando os serviços públicos dos contextos reais de vulnerabilidade e ampliando o cuidado integral com equidade e respeito à diversidade.
A população trans e não binárie de Jacareí enfrenta barreiras estruturais e simbólicas no acesso à saúde, marcadas pelo estigma, discriminação e invisibilidade institucional. Travestis, homens e mulheres trans e pessoas não bináries vivenciam vulnerabilidades agravadas pela precarização econômica e pela exposição a violências em espaços públicos e de trabalho sexual. As dificuldades de acolhimento nos serviços do SUS, a ausência de fluxos noturnos de atendimento e a oferta limitada de insumos específicos — como camisinhas internas, gel lubrificante, calcinhas de aquendar e materiais de redução de danos — restringem o direito à prevenção e ao cuidado integral. Soma-se a isso o desconhecimento ou dificuldade de acesso às profilaxias PEP/PrEP e aos serviços de afirmação de gênero. Esse cenário reforça a necessidade de estratégias de educação entre pares, presença territorial qualificada e abordagens que reconheçam as especificidades da população trans, superando o estigma e ampliando o vínculo com a rede de saúde. O Multiplicar Trans surge, assim, como resposta inovadora e estruturante para reduzir vulnerabilidades, fortalecer vínculos e garantir o acesso contínuo e digno à prevenção combinada e ao cuidado integral.
A experiência resultou na estruturação de um mapa territorial com 51 pontos de atuação e na implementação de uma logística de presença quinzenal noturna, com ponto fixo de referência para retirada e entrega discreta de insumos. Foram distribuídos 300 kits de redução de danos, contendo preservativos externos e internos, gel lubrificante, lenços umedecidos, calcinhas de aquendar e canudos para uso seguro de drogas aspiradas, conforme as demandas reais da população. O projeto fortaleceu vínculos comunitários e promoveu maior procura por testagem rápida, ativação de PEP em tempo oportuno e adesão à PrEP, além de ampliar o acesso à hormonização e a cuidados de afirmação de gênero. A navegação entre pares facilitou a aproximação com a rede SUS, envolvendo APS, CTA e SAE, e gerou impactos positivos na adesão, na continuidade do cuidado e na redução de barreiras relacionadas ao estigma. O Multiplicar Trans consolidou-se como uma estratégia territorial inovadora, centrada no protagonismo trans, na redução de danos e na efetivação do princípio da equidade no SUS.
Para implementar uma prática semelhante, recomenda-se iniciar pelo mapeamento territorial dos espaços de convivência e vulnerabilidade da população trans, identificando locais, horários e contextos prioritários. É fundamental que o município aposte na estratégia de educação entre pares, com a atuação direta de uma educadora trans na coordenação das ações, pois o par é quem abre o campo, constrói confiança, traduz a linguagem e estabelece um diálogo real e acessível com a população trans e com as trabalhadoras do sexo. Essa troca entre pares é o que garante a adesão, o vínculo e a continuidade do cuidado. O diálogo com a gestão municipal e com a rede SUS é essencial para integrar essas ações à rotina dos serviços, garantindo financiamento estável, insumos adequados e articulação entre Atenção Primária, CTA, SAE, Consultório na Rua e organizações comunitárias. O projeto deve se apoiar nas diretrizes nacionais, estaduais e municipais — como a Política Nacional de IST/HIV/Aids e a Política Nacional de Saúde Integral LGBT+ — para assegurar embasamento técnico, legitimidade institucional e sustentabilidade. Apostar no protagonismo trans e na presença territorial noturna fortalece o vínculo, amplia o acesso à prevenção combinada e consolida uma resposta local ao HIV pautada em equidade, inclusão e cuidado integral.
Rua Purús, 79 - Jardim Paraiba, Jacareí - SP, Brasil
CADASTRO
ATUALIZAÇÃO