Este relato de caso apresenta duas experiências em campo de implementação da Terapia Comunitária Integrativa (TCI) em países de baixa e média renda da África Subsaariana: Malawi e Costa do Marfim. A TCI é uma prática terapêutica estruturada e culturalmente sensível que se baseia nas forças comunitárias e no diálogo. Está fundamentada em cinco pilares centrais: pensamento sistêmico, antropologia cultural, teoria da comunicação, pedagogia emancipatória de Paulo Freire e teoria da resiliência.
No Campo de Refugiados de Dzaleka, no Malawi — lar de aproximadamente 60.000 refugiados africanos deslocados pela guerra —, a TCI foi introduzida para enfrentar o estresse psicossocial agudo. Esse sofrimento surgiu não apenas dos impactos de longo prazo da pandemia de COVID-19, que fragilizou os laços comunitários e causou perdas pessoais, mas também da retirada prevista da ajuda humanitária. Em 2025, mudanças de políticas internacionais levaram ao fechamento do escritório do ACNUR, à suspensão dos serviços de saúde e ao fechamento de escolas devido à paralisação de salários de funcionários. A TCI buscou oferecer um espaço seguro, culturalmente enraizado, para a expressão emocional, apoio e fortalecimento da resiliência dentro das estruturas comunitárias existentes.
Na Costa do Marfim (2022–2024), a TCI foi integrada ao programa do Fundo em Benefício das Vítimas para apoiar a regeneração de comunidades afetadas pelo genocídio de 2011. A formação foi oferecida a três ONGs locais, capacitando participantes como facilitadores pares. Comunidades anteriormente dependentes de ajuda material começaram a retomar a posse de seus processos de cura.
No Malawi, 11 sessões de TCI foram realizadas em 2024 e 9 em 2025, envolvendo 43 educadores locais, profissionais de saúde e trabalhadores psicossociais, além de 35 líderes comunitários e jovens. As sessões foram conduzidas em inglês, com interpretação para francês e suaíli, e adaptadas às narrativas locais. Na Costa do Marfim, a formação em TCI permitiu que facilitadores capacitados realizassem círculos que respondiam ao luto, às dificuldades econômicas e aos traumas históricos da comunidade. Essa abordagem buscou reduzir o sofrimento psicológico, fortalecer os mecanismos coletivos de enfrentamento, amplificar as vozes locais e promover resiliência entre os mais afetados por traumas e instabilidade sistêmica.
Uma formação completa em TCI foi oferecida a três ONGs locais diferentes, capacitando participantes a se tornarem facilitadores pares e agentes de mudança. Os participantes relataram sofrer com luto coletivo, problemas econômicos e a destruição de suas casas. A TCI fomentou resiliência nos níveis individual, familiar e comunitário. Após o genocídio em muitas cidades da Costa do Marfim, as comunidades precisaram se organizar com seus próprios recursos e com apoio de ONGs e outras organizações humanitárias que desenvolveram projetos voltados principalmente para a assistência material. Por um lado, isso gerou dependência e expectativas de que as soluções viriam do exterior. Por outro, as comunidades se organizaram em torno de suas próprias crenças religiosas, movimentos de mulheres e outras associações que estavam suficientemente preparadas para receber novos modelos de projetos.
Os resultados incluíram fortalecimento dos laços comunitários, redução do estigma, cura emocional e fortalecimento da liderança local. A TCI ofereceu um “espaço corajoso” inclusivo, ou espace d'écoute, parole et lien (espaço de escuta, fala e vínculo). Em ambos os países, os participantes encontraram solidariedade e empoderamento por meio da experiência compartilhada. A estrutura ressoou fortemente com os valores africanos tradicionais de coletividade e Ubuntu, que entendem o conhecimento como enraizado na interconexão e reciprocidade, independentemente de idade ou status.
Na Costa do Marfim, o programa do Fundo em Benefício das Vítimas incluiu a formação em TCI, entre outras ações voltadas para a regeneração das comunidades. Nas palavras de um jovem participante da formação que já atuava em outras ações no campo: “a TCI mudou completamente minha relação com a comunidade. Eu costumava vir aqui e desenvolver projetos para eles, agora me sinto convocado a estar em uma relação horizontal. Quando estou no círculo, sinto que preciso compartilhar minhas próprias experiências também, não apenas estar ali como alguém de fora que vem ajudar. No círculo, estamos todos juntos.”
Os principais desafios incluíram questões logísticas (como tradução e transporte) e adaptação cultural dos materiais da TCI. Recomendações práticas para implementações futuras incluem: adotar o modelo de “formação de formadores” para fortalecer a capacidade local; estabelecer parcerias com líderes e organizações comunitárias de confiança; integrar a TCI a estruturas existentes de saúde ou educação; e garantir sustentabilidade além do financiamento inicial de projetos. Essa colaboração Sul-Sul destaca a relevância e adaptabilidade da TCI em contextos de países de baixa e média renda. Reforça o potencial das práticas de saúde mental lideradas pela comunidade para democratizar o cuidado, fortalecer a resiliência e valorizar abordagens indígenas de cura.
A TCI também é conhecida como um espaço corajoso para estar, compartilhar, aprender e, entre os falantes de francês, chamada principalmente de espace d'écoute, parole et lien — espaço de escuta, fala e vínculo, ou ainda espaço de círculo. Essa talvez seja uma das boas expressões que se alinham à TCI e facilitam o contato com pessoas que muitas vezes buscam, de forma precária, estratégias para lidar com seus sofrimentos — ou até mesmo para “tirar a pedrinha do sapato”, aquela que, para quem o calça, causa dor e machuca, mas não impede a caminhada, embora precise ser resolvida com estratégias e bons enfrentamentos, e não apenas “empurrada de lado”.
This case report presents two field-based experiences of implementing Integrative Community Therapy (ICT) in low- and middle-income Sub-Saharan African countries: Malawi and Ivory Coast. ICT is a structured, culturally sensitive therapeutic practice that draws on community strengths and dialogue. It is grounded in five key pillars: systemic thinking, cultural anthropology, communication theory, Paulo Freire’s emancipatory pedagogy, and resilience theory.
In Malawi’s Dzaleka Refugee Camp—home to approximately 60,000 African refugees displaced by war—ICT was introduced to address acute psychosocial stress. This distress arose not only from the long-term impacts of the COVID-19 pandemic, which disrupted communal bonds and caused personal losses, but also from the anticipated withdrawal of humanitarian aid. In 2025, international policy changes led to the closure of the UNHCR office, suspension of health services, and school shutdowns due to halted staff salaries. ICT aimed to offer a safe, culturally grounded space for emotional expression, support, and resilience-building within existing community structures.
In the Ivory Coast (2022–2024), ICT was integrated into the Trust Fund for the Victims programme to support the regeneration of communities affected by the 2011 genocide. Training was delivered to three local NGOs, empowering participants as peer facilitators. Communities previously dependent on material aid began reclaiming ownership of their healing.
In Malawi, 11 ICT sessions were facilitated in 2024 and 9 in 2025, involving 43 local educators, healthcare and psychosocial workers, and 35 community leaders and youth. Sessions were conducted in English, with interpretation into French and Swahili, and adapted to local narratives. In Ivory Coast, ICT training enabled trained facilitators to conduct circles that responded to the community’s grief, economic hardship, and historical trauma. This approach aimed to reduce psychological distress, strengthen collective coping mechanisms, amplify local voices, and foster resilience among those most affected by trauma and systemic instability.
A complete training on ICT has been offered to three different local ONGs, empowering participants to become peer facilitators and agents of change. Participants reported suffering collective grief, economic problems, and the destruction of their homes. The ICT has fostered resilience at individual, family and community levels. After the genocide in many cities of the Ivory Coast, the communities had to organize themselves with their own ressources and help from ONGs and other humanitarian organizations that developed projects mostly focused on material assistance. On one hand, this has led to dependence and expectations that solutions would come from abroad. On the other hand, the communities have organized themselves around their own religious beliefs, women's movements and other associations that were enoughly prepared to receive new models of projects.
Outcomes included strengthened community ties, reduced stigma, emotional healing, and enhanced local leadership. ICT offered an inclusive “brave space,” or espace d'écoute, parole et lien (space for listening, speaking, and connection). In both countries, participants found solidarity and empowerment through shared experience. The framework resonated strongly with traditional African values of collectivity and Ubuntu, which views knowledge as rooted in interconnectedness and reciprocity, regardless of age or status.
In Ivory Coast, the Trust Fund for the Victim´s program which the ICT training, among other actions directed to regenerating the communities. In the words of a young participant in the training who was already in the field, in other actions, “the ICT changed completely my relation with the community. I used to come here and develop projects for them, now I feel summoned to be in a horizontal relationship. When I´m in the circle, I feel I need to share my own experiences too, not just be there as someone from outside who comes to help. In the circle, we´re all together.”
Key challenges included logistical issues (e.g., translation, transportation) and cultural adaptation of ICT materials. Practical recommendations for future implementation include: employing a “train-the-trainer” model to build local capacity; partnering with trusted community leaders and organisations, embedding ICT in existing health or educational frameworks, ensuring sustainability beyond initial project funding. This South-South collaboration highlights ICT’s relevance and adaptability in LMIC contexts. It reinforces the potential of community-led mental health practices to democratise care, foster resilience, and honour indigenous approaches to healing.
ICT is also known as a brave space to be, to share, to learn, and between the francophones mostly called as espace de ecoute, parole et lien, space of listening, talking and bounding, or even circle space. That's probably one of the good lines that align to ICT and facilitate contact with people, who are often precariously looking for strategies to solve its injuries or even to take out the pebble in the shoes, that whoever is using the shoes, causing suffering, hurting, but doesn't impeach the walk of a journey, in the other hand need to be solved with strategies and good coping, nor just “rid jagged” and put aside.