Câncer de útero: evidências e experiências à luz da oncologia integrativa

O aumento da incidência e mortalidade por câncer está desafiando os sistemas de saúde em todo o mundo. Fatores epigenéticos – ou seja, tudo que está por cima da genética, literalmente uma camada adicional de complexidade biológica que influencia o DNA -, relacionados ao estilo de vida, têm demonstrado papel central para a prevenção dos cânceres. Já os fatores genéticos, segundo o Instituto Nacional de Câncer do Ministério da Saúde (Inca), só contribuem com 10% a 20% das causas da enfermidade.

Espera-se que, nas próximas duas décadas, o número de novos casos de câncer aumente aproximadamente 50% em todo o mundo. Alguns ainda mais. No Brasil, o câncer do colo do útero é o terceiro tipo de câncer mais frequente na população feminina, atrás apenas do câncer de mama e do colorretal, e a quarta causa de morte de mulheres por câncer. O Inca calcula, para cada ano do triênio 2020/2022, ocorrer 16.590 novos casos de câncer de colo do útero, o que significa um risco estimado de 15,4 casos a cada cem mil mulheres – em 2021, foram diagnosticados 16.710 casos novos, sugerindo 15,3 casos de câncer de colo de útero a cada cem mil mulheres.

O cenário fica ainda mais alarmante ao focalizar as regiões brasileiras: na região Norte, o câncer do colo do útero é o primeiro mais incidente, com 26,2 casos por cem mil mulheres; nas regiões Nordeste e Centro-Oeste, ocupa o segundo lugar do ranking, com índices de 16,1 e 12,3 casos a cada cem mil mulheres, respectivamente; na região Sul, este câncer ocupa a quarta posição, com risco estimado de 12,6 casos por cem mil; e a quinta, na região Sudeste, com 8,6 casos a cada cem mil mulheres.

Trata-se de um problema de saúde pública de grande impacto, atingindo, principalmente, mulheres com maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde. Apesar dos avanços na prevenção e tratamento, levando à redução na mortalidade, à medida que a sobrevida aumenta, sintomas adversos como dor, insônia e fadiga se tornam mais frequentes, demandando terapias complementares para melhoria da qualidade de vida das pessoas com a doença. É, nesse contexto, que se destacam as Medicinas Tradicionais, Complementares e Integrativas (MTCI). As MTCI ou Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS), como no Brasil são referidas, fornecem recursos complementares de enfrentamento em sinergia com o tratamento convencional do câncer.

Oncologia Integrativa e as evidências científicas

A oncologia integrativa fornece uma estrutura para investigar e integrar as MTCI, de forma segura e eficaz, ao tratamento convencional do câncer, ajudando a preencher as lacunas dos cuidados de saúde baseados em evidências e centrados no paciente. Esse campo em crescimento usa modificações no estilo de vida como alimentação e atividade física, terapias não-farmacológicas, a exemplo da acupuntura, massagem, meditação e yoga, e produtos naturais como Zingiber officinalis, Uncaria tomentosa, Viscum album e Curcuma longa, para melhorar o controle dos sintomas e a qualidade de vida dos pacientes com câncer.

Segundo o Mapeamento de Evidências da Efetividade Clínica das PICS, relacionado ao câncer de útero, realizado pelo Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa (CABSIN) e o Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde (Bireme/Opas/OMS), diferentes recursos integrativos mostram-se eficientes e eficazes no manejo dos sintomas associados à questão. Este tipo de mapeamento representa uma nova geração de mapas de evidência centrados nos desfechos clínicos, ao invés dos mapas anteriores, centrados na intervenção terapêutica complementar.

Algumas práticas integrativas são efetivas como recursos de cuidado da saúde mental e no manejo dos efeitos colaterais da quimioterapia e da radioterapia, como fadiga, náuseas e perda de apetite, como mostra o mapeamento.

“Muitas práticas apresentam resultados positivos na qualidade de vida, na redução e controle dos sintomas de dor, fadiga, insônia, ansiedade, depressão, náusea e vômito, entre outros, recorrentes entre as mulheres que passam pelo tratamento do câncer”, lista o diretor do CABSIN e um dos coordenadores do Mapa de Evidências Clínicas das PICS no cuidado das pessoas com câncer de útero, Caio Portella.

O mapeamento, que envolveu 24 estudos de revisão sistemática, revela que as práticas integrativas mais aplicadas no cuidado de mulheres com câncer de útero com efetividade são: acupuntura; massagem; meditação; yoga; práticas corporais chinesas; nutrição; musicoterapia; reflexologia; e fitoterapia. Trata-se de recursos que integram a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) do Sistema Único de Saúde (SUS), ofertados, em sua maioria, na atenção primária à saúde, mas também na atenção hospitalar, como é o caso do Inca.

Portella detalha que o mapa, orientado por pesquisadores especialistas na temática, elenca recursos que podem ajudar no cuidado e na qualidade de vida das mulheres com câncer de útero. “Muitas práticas apresentadas auxiliam em questões decisivas para a continuidade do tratamento e até na sobrevida ou velocidade da recuperação das sobreviventes”, sublinha. Ele acrescenta:

“Seguindo a mesma linha de recomendação de diretrizes internacionais, esses recursos podem nortear políticas públicas nacionais, em alinhamento com condutas encontradas em grandes centros de excelência, como o MD Anderson Cancer Center, nos Estados Unidos, que inclui cuidado integrativo como parte do protocolo clínico”.

Segundo Ricardo Ghelman, oncopediatra, presidente do CABSIN e um dos coordenadores do mapa de câncer de colo de útero, existem quatro revisões avaliadas que reúnem alto nível de confiança e efeito positivo ou potencialmente positivo. Estes quatro estudos validam associações com formulações da Medicina Chinesa, com Ginseng, para fadiga relacionada ao câncer, e Mistletoe (Viscum album), para qualidade de vida, e a Yoga, para os desfechos de saúde mental (qualidade do sono, depressão e transtornos de ansiedade), fadiga relacionada ao câncer e qualidade de vida.

Ghelman lembra, ainda, que a Society of Integrative Oncology (SIO), fundada em 2003, principal organização internacional profissional multidisciplinar, sem fins lucrativos, para oncologia integrativa, promove também comunicação, educação e pesquisa, auxiliando a disseminação da Oncologia Integrativa mundo afora. ”As Diretrizes de Prática Clínica (Practice Guideline) da SIO são diretrizes abrangentes, baseadas em evidências, para incorporar terapias complementares e integrativas na prática clínica da oncologia convencional”, destaca. Segundo o presidente do CABSIN, as Diretrizes de Prática Clínica da SIO, disponíveis gratuitamente, são referenciadas no MedLine e publicadas no site do National Institutes of Health e National Center for Complementary and Integrative Health, em cooperação com a American Society of Clinical Oncology (ASCO).

“As diretrizes publicadas são: Uso baseado em evidências de terapias integrativas durante e após o tratamento do câncer de mama (2017); Uso de Terapias Integrativas como Cuidados de Suporte em Pacientes Tratados de Câncer de Mama (2014); Terapias Complementares e Medicina Integrativa no Câncer de Pulmão: Diagnóstico e Manejo do Câncer de Pulmão (2013); Diretrizes de Prática Clínica Baseada em Evidências para Oncologia Integrativa: Terapias Complementares e Fitoterápicos (2009); e Uso de Terapias Complementares e Oncologia Integrativa no Câncer de Pulmão (2007)”, lista.

Saiba mais

O câncer do colo do útero, também chamado de câncer cervical, é promovido pela infecção persistente por alguns tipos do Papilomavírus Humano – HPV (chamados de tipos oncogênicos). A infecção genital por esse vírus é muito frequente e, na maioria das vezes, não causa doença. Em alguns casos, ocorrem alterações celulares que podem evoluir para o câncer. Essas alterações são descobertas facilmente no exame preventivo (conhecido também como Papanicolau) e são curáveis na quase totalidade dos casos. Por isso, é importante a realização periódica do exame preventivo. Conheça o Comitê de Oncologia Integrativa do CABSIN e a Society of Integrative Oncology.

Autora: Katia Machado

Revisão científica: Ricardo Ghelman, Gelza Matos Nunes e Caio Portella

Texto publicado originalmente pelo Núcleo de Tradução do Conhecimento das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (NTC-PICS), no site do CABSIN.

Referências bibliográficas

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