- Saúde Mental e Atenção Psicossocial
Elaine Cristina Fontes
- 25 out 2024
O município de Macapá, no estado do Amapá, possui oito distritos que configuram sua zona rural: Bailique, Carapanatuba, São Joaquim do Pacuí, Maruanum, Coração, Pedreira, Santa Luzia do Pacuí e Fazendinha, compostos por diversas comunidades. Um desafio comum a todos esses distritos é a dificuldade de acesso à área urbana e, consequentemente, aos dispositivos da Rede de Atenção Psicossocial. Observou-se que, devido à vulnerabilidade psicossocial e às repercussões psicológicas decorrentes da pandemia de COVID-19, houve um aumento significativo nas manifestações de sofrimento psíquico e nas solicitações de profissionais de Psicologia para atuação nessas localidades. Diante desse cenário, identificou-se a necessidade de desenvolver estratégias territorializadas de manejo, com o objetivo de mitigar o adoecimento e promover a saúde mental.
Nesse contexto, em agosto de 2022, foi iniciado o projeto Saúde Mental Itinerante no município de Macapá. O termo “itinerante” se refere à natureza do serviço, que percorre o território com o propósito de garantir o direito de acesso ao cuidado em saúde mental nos distritos localizados na zona rural, levando em consideração as peculiaridades territoriais e as práticas de promoção de saúde mental já existentes nesses locais. O projeto tem como público-alvo prioritário a população agricultora, ribeirinha, quilombola e extrativista residente nessas regiões, assegurando que essas comunidades, muitas vezes marginalizadas em termos de acesso aos serviços de saúde, recebam o suporte necessário para o cuidado integral em saúde mental.
Objetivo geral:
Garantir acesso ao cuidado em saúde mental nos distritos da zona rural do município de Macapá – AP.
Objetivos específicos:
⮚ Garantir a equidade no acesso ao cuidado em saúde mental conforme princípio do SUS;
⮚ Fortalecer iniciativas comunitárias de promoção de saúde mental;
⮚ Viabilizar acesso a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).
RESULTADOS:
Desde seu início em agosto de 2022, o projeto Saúde Mental Itinerante já realizou 186 atendimentos, com intervenções em diversas localidades, incluindo Tracajatuba I, São Tomé do Pacuí, Corre Água, Carapanatuba, Ipixuna Miranda, Maruanum II, São José do Pirativa, São Sebastião do Pirativa, Curiaú, Abacate da Pedreira, Santo Antônio da Pedreira, Lontra da Pedreira, Ariri, Cachoeira, Bailique e Tessalônica. O contato direto com esses territórios permitiu a elaboração de estratégias de cuidado específicas para cada população atendida.
Entre as demandas identificadas e manejadas, destacam-se solicitações de avaliação diagnóstica e acompanhamento infantil em casos de presença de traços e/ou diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA), Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e Transtornos de Aprendizagem. Em adolescentes e adultos, foram identificados sintomas ansiosos e/ou depressivos em diferentes níveis (leve, moderado e grave), comportamento suicida, sintomas ansiosos e/ou depressivos relacionados à pandemia de COVID-19, e sintomas decorrentes de sofrimento ético-político-afetivo, originado por marcadores psicossociais (como raça, gênero e classe) e/ou por alterações no ambiente natural.
Observou-se um crescente interesse pelo cuidado em saúde mental, evidenciado pela alta procura por atendimentos individuais ou grupais, pela baixa resistência às propostas interventivas, e pela receptividade das equipes de saúde locais para discussões sobre adoecimento psíquico. As demandas comuns foram manejadas de maneira eficaz através do fortalecimento de práticas comunitárias de promoção de saúde mental, adaptadas às especificidades de cada território.
Diante do exposto, torna-se evidente a importância da manutenção e ampliação do projeto Saúde Mental Itinerante, com o aumento do quantitativo de profissionais envolvidos e a garantia de recursos adequados para deslocamento. Essas ações são essenciais para assegurar a continuidade da assistência em saúde mental na zona rural, efetivando os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). Embora as dificuldades territoriais sejam desafiadoras, o projeto demonstrou que é possível realizar intervenções efetivas em territórios líquidos, construindo ações de cuidado adaptadas às realidades locais. Em curto prazo, diversas demandas foram atendidas; no entanto, o cuidado contínuo com a saúde mental dos povos das águas, dos rios e das florestas se destaca como uma prioridade para que essas ações se consolidem como políticas públicas permanentes na saúde mental de Macapá. O projeto pode ser visto como análogo às pontes que conectam as comunidades às regiões por onde o programa passou. Assim como as pontes no meio rural são as principais vias de contato entre as comunidades e os profissionais de saúde, elas abrem os caminhos da Amazônia para estratégias de cuidado em saúde mental. As pontes e os rios proporcionam percursos únicos que nos aproximam da pluralidade presente na saúde mental na Amazônia. Somente através de um olhar sensível ao outro é possível construir tecnologias de cuidado que respeitem e valorizem o território amazônico.
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