- Atenção Primária à Saúde
Bruno Henrique da Silva Ramos
- 13 nov 2024
Ao considerar que a dor crônica acomete 20% aproximadamente dos adultos em todo mundo, através de patologias como a fibromialgia, dismenorreia, dor lombar e enxaqueca, torna-se preocupante notar que, somente 10% destes são diagnosticados a cada ano em todo o mundo, segundo a Aliança Europeia de Dor. Em específico, a FIBROMIALGIA, conceitualmente também descrita como síndrome fibromiálgica (SFM), é uma das mais relevantes síndromes de dor crônica primária a nível mundial, sendo uma entidade clínica descrita desde o século XIX, a qual possui como um dos seus maiores “sinais cardinais” a polimialgia difusa crônica não-inflamatória, acometendo mulheres em sua maioria, com idade entre 35 e 44 anos no Brasil.
Em geral, a fibromialgia está associada, muito além da dor, à comorbidades como fadiga generalizada, hipersensibilidade multissensorial, distúrbios gastrointestinais, cognitivos e do sono, carregando consigo forte incapacidade funcional, sendo as mais prevalentes a depressão e ansiedade, acometendo mais de 50% e 33%, respectivamente, da população fibromiálgica. Para compreensão do impacto dessa patologia na sociedade, nos EUA os custos de saúde de pacientes fibromiálgicas são de 3 a 5 vezes mais elevados quando comparados à população em geral, com valores anuais aproximados de U$10 mil por paciente. Tão assustadores quanto os custos, pacientes como SFM costumam utilizar-se com mais frequência de assistência médica, métodos diagnósticos, bem como de terapias analgésicas.
Além disso, a SFM é vista como estado de saúde complexo e heterogêneo, dado como um distúrbio de processamento/percepção da dor associado a outros fatores secundários, porém, de incerta patogênese, epidemiologia mundialmente variável e de diagnóstico complexo, exclusivamente clínico. Devido a sua complexidade, como citada, carrega como seu maior desafio o manejo diagnóstico, o que traz consigo o sub diagnóstico e o diagnóstico tardio, o que fortemente agrava os sintomas dolorosos e não-dolorosos da sindrome a medida que não encontra-se um diagnóstico e/ou um tratamento efetivo.
Os sintomas não-dolorosos, como fadiga intrusiva, sono não-reparador, humor depressivo, fadiga cognitiva, hipersensibilidades visual, tátil e auditiva, e até mesmo a presença de comorbidades descritas como “alergias”, são, muitas vezes, sintomas norteadores para o diagnóstico da fibromialgia para médicos e médicas com ausculta treinada, entretanto, o sentimento de “excessivos” sintomas torna o manejo clínico em geral, um desafio para os profissionais desatualizados em neurociência da dor, muitas vezes subsidiando pseudo e subdiagnósticos, bem como se torna um cenário proprício para subjulgamentos e rótulos nocivos empregados à paciente, como portadora de “dor psicológica” ou “não tem nada nos exames. Isso é coisa da sua cabeça!”.
Outro fator levado em consideração no manejo da paciente fibromiálgica é a condição temporal prolongada dos seus sintomas, fazendo com que o tratamento da fibromialgia se baseie em um modelo biopsicossocial e gerenciamento terapêutico multimodal, com indicação de abordagens farmacológica e não-farmacológica desde o primeiro instante. Assim, observa-se que os custos se tornam consideravelmente menores à paciente e ao estado quando há precisões clínica, diagnóstica e terapêutica, confrontando o emprego de exames complementares inúteis e de terapias medicamentosas desnecessárias, propedêutica ainda encontrada nos dias atuais.
Com base na alta prevalência da fibromialgia, sendo a causa mais frequente de dores musculoesqueléticas crônicas na última década, representando 40% dos encaminhamentos para atenção especializada em dor, além de acometer 1 a cada 20 pacientes nos cuidados primários, o Programa HumanizaDOR de Fibromialgia, projeto idealizado pelo Dr Bruno Henrique da Silva Ramos, osteopata e clínico da dor, quando, ao observar a necessidade da promoção em saúde dessa vulnerável população, conscientização dos direitos, e antecipação de ações equitativas de atenção e proteção da saúde da demanda crescente de pacientes com SFM na cidade de Barreiras/Bahia, é que, em 2017, a Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal de Barreiras se tornou pioneira na Bahia na implantação do primeiro programa de atenção à sindrome fibromiálgica no estado.
Com uma população de fibromiálgicas estimada na Bahia em torno de 355mil pacientes, a cidade de Barreiras, localizada na macrorregião oeste do estado, antecipou-se na atenção e promoção à saúde das suas pacientes com essa enfermidade ao vislumbrar duas condições de vulnerabilidade vividas e previstas no terrítório: 1) a demanda crescente nos consultórios de APS e atenção especializada de pacientes com fibromialgia, dada uma prevalência estimada em torno de 4250 utentes em todo o município, e 2) o baixo aporte de médicos(as) reumatologistas em todo o estado, em especial na cidade de Barreiras (1 médico apenas antes do implantação do programa), o que diminui de maneira substancial a atenção pública à tais pacientes, devido a síndrome carregar o histórico do seu diagnóstico ainda ser conduzido por tal especialidade, ainda que os mais recentes instrumentos diagnósticos já direcionem-se as suas aplicações aos cuidados primários de saúde.
Logo, o Programa HumanizaDOR de Fibromialgia, fundado em 2017 na cidade de Barreiras/Bahia, promoveu cuidados à população com SFM ao associar a tão necessária atenção especializada multidisciplinar em dor ao apoio da atenção primária, sendo essa útlima especialmente direcionada ao manejo inicial e diagnóstico, visto que a Estratégia de Saúde da Família se posiciona como um também nível fértil, sensível e confiável para a investigação clínica frente os contextos psicológicos, cognitivos, sociais e funcionais que permeiam a síndrome.
Assim, calcado num cuidado integral empregado às pacientes fibromiálgicas, o Programa HumanizaDOR de Fibromialgia iniciou as suas atividades com base em 32 pacientes que já compunham um histórico grupo de pacientes na cidade, assim direcionando suas atribuições a prioridades como:
1) Triagem dos subgrupos de pacientes com base no quadro clínico e comorbidades associadas;
2) Qualificação do manejo diagnóstico ao nível da atenção primária à saúde, como medida de combate ao subdiagnóstico e diagnóstico tardio;
3) Com base nas mais atuais diretrizes nacionais e internacionais de manejo da fibromialgia, a organização dos serviços e práticas em saúde prorizaram abordagens não-farmacológicas para o tratamento da síndrome, a começar pela essencial atividade de “educação sobre dor”, de forma individual, coletiva, para a família e para comunidade.
Com base nos princípios da saúde coletiva, de produção da saúde de distintos atorspor ação dos médicos e da equipe de saúde, mas também do governo, das instituições de ensino em saúde e, principalmente, da comunidade fibromiálgica, o programa direcionou suas atividades muito além da saúde pública tradicional (baseada na tecno-ciência e no modelo biomédico), mas trouxe um olhar humanizador (por isso o nome do programa), com modelo biopsicossocial à explicar e abordar o processo saúde/doença de cada paciente de forma individual.
Para tanto, um ambiente clínico e científico foi criado para o programa, com parcerias com instituições de ensino superior em saúde para apoio às atividades multidimensionais, como a Universidade Federal do Oeste da Bahia, em especial. Fora empregadas abordagens diversas, como psicoterapia individual e coletiva (em especial, terapia cognitivo-comportamental [TCC], terapia exposição emocional e terapia de aceitação e compromisso [ACT]), nutrição clínica e educação nutricional, atividade física como pilates, funcional, capoeira terapêutica e hidroginástica. Consultório farmacêutico também fora empregado, visando a construção de hábitos e comportamentos saudáveis frente ao uso de substâncias, especialmente as analgésicas, bem como na educação frente as terapias farmacológicas já consolidadas, como uso de drogas como antidepressivos tricíclicos, inibidores de recaptação de serotonina e noradrenalina, inibidores de recaptação de noradrenalina, bem como o uso seguro e racional de analgésicos simples e opióides, além dos mais variados antiinflamatórios.
Além disso, foram incorporadas práticas integrativas e complementares em saúde, como terapias de movimento meditativo (mindfulness e yoga), bem como Reiki, bodyTalk e constelação familiar.
A partir das atividades empregadas, de forma orgânica, construídas com base em expectativas realistas e objetivos comuns entre profissionais e pacientes, o programa desenhou-se em abordagens médicas tradicionais, com consultas médicas de rotina de avaliação/reavaliação do quadro clínico nos cuidados primários, mas, quando necessário, referenciados para a atenção especializada, a qual focava suas ações no tratamento.
Com isso, tamanho os benefícios para as pacientes já diagnosticadas e para a comunidade portadora de dor crônica e carente de diagnóstico, partimos de 32 pacientes em abril de 2017, para 206 pacientes em março de 2019. Os resultados se tornaram expressivos não só pelo aumento quantitativo e aderência das pacientes, mas também pela redução média da dor das pacientes de dor 8-9 para dor 3-4 ao longo do período citado, com base no emprego da Escala Visual de Dor. A redução de 67% no uso de psicotrópicos, a medida que houve emprego das terapias não-farmacológicas, se mostrou como um dos maiores positivos retornos dos pacientes e à gestão pública, como redução substancial dos investimentos em medicamentos.
Logo, em 2019, Dr Bruno e o Programa HumanizaDOR de Fibromialgia de Barreiras fora agraciado com o Prêmio Irmã Dulce, por ter sido classificado entre os 10 melhores programas de saúde da Bahia a partir da apresentação dos seus resultados na “Mostra COSEMS Bahia, Aqui tem SUS”, realizada pelo Conselho Estadual dos Secretários Municipais de Saúde da Bahia (COSEMS/BA) na cidade de Salvador/Bahia no ano de 2019. Nessa ocasião, 187 trabalhos apresentados envolvendo 69 municípios foram avaliados por uma banca formada de 14 avaliadores representantes do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS), da Secretaria de Saúde da Bahia (SESAB), Núcleo Estadual do Ministério da Saúde (NEMS/BA), Escola Estadual de Saúde Pública (EESP) e da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
1) O ambiente técnico e científico implementado foi, sem sombra de dúvida, a maior construção do programa e, por consequência, justifica ao excelentes resultados alcançados. Para tanto, foi essencial a abertura de campos de estágios supervisionados multiprofissionais em saúde em conjunto com instituições de ensino pública (como a Universidade Federal do Oeste da Bahia) e privadas.
2) A inclusão de atividades clínicas conjuntas com a Atenção Primária à Saúde, especialmente com diálogo e qualificação permanente com equipes que compunham a Estratégia de Saúde da Família, abriram a possibilidade do diagnóstico ocorrer à tal nível de saúde, assessorando e desafogando clinicamente a atenção em reumatologia, em especial.
Secretaria Municipal de Saúde | Barreiras - Rua Capitão Manoel Miranda - Vila Regina, Barreiras - BA, Brasil
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