O Projeto Vozes da Alma: saúde mental, educação, arte e comunicação surge da necessidade urgente de enfrentamento às violações de direitos que afetam a saúde integral dos adolescentes do Complexo da Mangueirinha, em Duque de Caxias, especialmente agravadas no período pós-pandemia da COVID-19. Durante a pandemia, adolescentes da favela sofreram com o isolamento, perdas familiares e instabilidade social, o que impactou profundamente sua saúde mental, com aumento de sintomas como ansiedade, depressão, baixa autoestima e desmotivação escolar. Diante disso, o projeto busca promover o bem-estar emocional, fortalecer competências socioemocionais e construir redes de apoio por meio da arte, da educação e da comunicação comunitária.
A iniciativa é coordenada pela Associação Brasileira Terra dos Homens (ABTH) e conta com o apoio de escolas públicas locais. O público-alvo são 80 adolescentes de 11 a 18 anos, indicados pelas escolas parceiras por apresentarem histórico de violência, sofrimento psíquico, evasão escolar ou pertencimento a grupos vulnerabilizados, como a população LGBTQIA+. As ações são orientadas por abordagens de Práticas Narrativas, Pedagogia Social de Paulo Freire e Terapia Narrativa, buscando valorizar as experiências de vida dos jovens e transformar a escuta em estratégia de cuidado.
A implementação se dá através de oficinas semanais de arte, escrita, slam e comunicação, que ocorrem nas escolas e na sede da ABTH. Nessas oficinas, os adolescentes desenvolvem suas habilidades criativas e emocionais por meio da produção de textos, vídeos e peças visuais. Um dos principais produtos em andamento é um documentário produzido pelos próprios jovens sobre personalidades locais do Complexo da Mangueirinha, valorizando a história, a cultura e as resistências da comunidade. As narrativas serão conectadas por intervenções poéticas dos adolescentes em formato de slam, reforçando a identidade cultural e o protagonismo juvenil.
Além disso, os jovens serão formados como Promotores de Saúde, atuando como multiplicadores nas redes da comunidade. Paralelamente, o projeto realiza um curso para profissionais da saúde, educação, assistência social, familiares e lideranças comunitárias, abordando os impactos da pandemia na saúde mental e promovendo estratégias de acolhimento e prevenção. Esta atividade está sendo realizada em parceria com o Movimento Negro Unificado e Fiocruz.
O diagnóstico inicial do projeto, baseado em questionários e grupos focais, revelou não só a fragilidade emocional dos adolescentes, mas também o distanciamento das expressões artísticas nas escolas e o silenciamento das vozes juvenis. Isso reforça a necessidade de construir espaços seguros, afetivos e contínuos de escuta, onde a arte seja instrumento de pertencimento, expressão e transformação.
O projeto está sendo monitorado mensalmente com instrumentos qualitativos e quantitativos, e culminará em um evento público com exposição das criações dos jovens e partilha dos resultados. Espera-se como impacto a redução do estigma sobre saúde mental, o fortalecimento da autoestima e da frequência escolar dos adolescentes, bem como a consolidação de uma rede comunitária ativa e colaborativa, comprometida com a promoção da saúde mental nas favelas.
Durante e após a pandemia de COVID-19, adolescentes do Complexo da Mangueirinha passaram a apresentar, com maior intensidade, sinais de sofrimento psíquico, como ansiedade, depressão, desmotivação escolar e dificuldades de socialização.
O isolamento social, as perdas familiares e a insegurança quanto ao futuro agravaram a saúde mental dos jovens, que já viviam em um contexto de vulnerabilidade marcado por desigualdades sociais, racismo e exclusão. As escolas, por sua vez, têm dificuldade em acolher essas expressões de sofrimento, muitas vezes respondendo com punições ou afastamentos.
A ausência de espaços seguros para expressão emocional e o despreparo das redes de apoio tornam urgente a criação de estratégias comunitárias de cuidado em saúde mental, voltadas à escuta, à prevenção e à valorização das vozes e vivências desses adolescentes.
A prática desenvolvida pelo Projeto Vozes da Alma tem gerado resultados significativos na vida de adolescentes do Complexo da Mangueirinha, especialmente no que se refere à valorização da saúde mental e ao fortalecimento das dimensões pedagógicas da arte, da comunicação e da escuta. Desde o início das oficinas, foi notado um aumento expressivo na participação e no engajamento dos jovens, muitos dos quais apresentavam dificuldades de socialização, baixa autoestima e desmotivação escolar. A proposta de unir educação, saúde mental e expressão artística tem se mostrado eficaz para criar um ambiente seguro, de pertencimento e acolhimento, onde os adolescentes podem explorar suas emoções, contar suas histórias e reconstruir suas narrativas pessoais.
Do ponto de vista pedagógico, o projeto se ancora em práticas narrativas e na pedagogia freiriana, compreendendo o jovem como sujeito de direito, produtor de saberes e protagonista do seu próprio processo de aprendizagem e cuidado. Através de técnicas como o storytelling, slam, diários reflexivos e oficinas de comunicação, os adolescentes têm ampliado sua consciência crítica, seu repertório expressivo e sua capacidade de autorrepresentação. A produção de um documentário sobre personalidades da Mangueirinha, idealizado e executado pelos próprios jovens, tem sido um dos marcos mais importantes do projeto. Eles são responsáveis pelo roteiro, entrevistas, gravações e direção criativa, conectando suas vivências com a história e a potência de seu território.
Além da valorização da cultura local, a prática promove a construção coletiva de saberes e o fortalecimento das habilidades socioemocionais, como empatia, cooperação, escuta ativa, autorregulação emocional e pensamento crítico. As oficinas também funcionam como espaço de alfabetização emocional, onde os jovens aprendem a nomear sentimentos, a lidar com frustrações e a construir alternativas saudáveis para conflitos cotidianos.
Outro ganho importante foi o aumento da autoestima e da confiança dos participantes, que passaram a se perceber como criadores de conteúdo e agentes de transformação na comunidade. A articulação com as escolas e com os serviços da rede também vem sendo fortalecida, contribuindo para uma maior integração entre as dimensões da educação e da saúde no cotidiano desses jovens.
A prática demonstra, portanto, que é possível promover saúde mental de forma inovadora e eficaz a partir do diálogo entre arte, educação e território. Os resultados parciais indicam que a construção de espaços de escuta, expressão e valorização da identidade é fundamental para o bem-estar e o desenvolvimento integral dos adolescentes, principalmente em contextos marcados por violações de direitos e estigmas sociais. O projeto se mostra replicável e inspirador para outras iniciativas que desejem construir pontes entre cultura, afeto e políticas públicas em favelas e periferias.
Para facilitar a implementação de uma prática similar, é fundamental iniciar com uma escuta ativa e qualificada das pessoas que vivem no território. Realizar um diagnóstico local, que vá além de dados quantitativos e incorpore narrativas, saberes populares e percepções da comunidade, é um passo essencial para garantir que a intervenção dialogue com as reais necessidades e potências do lugar.
Valorize os conhecimentos locais, reconhecendo a favela não como espaço de carência, mas como território de saberes, histórias e resistências. A prática deve ser construída de forma colaborativa, respeitando as especificidades culturais e sociais da comunidade, e oferecendo protagonismo aos moradores, especialmente aos adolescentes, que devem ser envolvidos desde a concepção até a execução das ações.
A formação da equipe técnica também deve considerar competências pedagógicas e socioemocionais, além de uma postura ética e horizontal diante dos participantes. Investir em metodologias participativas, como oficinas de arte, rodas de conversa, narrativas orais e projetos autorais, contribui para o fortalecimento da autoestima, da identidade e do senso de pertencimento dos jovens.
Por fim, é indispensável que a iniciativa dialogue com as políticas públicas locais, buscando articular redes de apoio entre educação, saúde, assistência social e cultura. Essa integração amplia o alcance e a sustentabilidade da ação, reforçando o compromisso com uma educação emancipadora, integral e territorializada.
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