Ela é considerada a mais jovem integrante do grupo dos sistemas médicos complexos (ou racionalidades médicas), surgida há cem anos. Trata-se da Medicina Antroposófica, uma ampliação da medicina acadêmica, que busca compreender o ser humano a partir de sua relação com a natureza, incluindo a dimensão da vitalidade, da dimensão psíquica e da dimensão espiritual, e sua individualidade ao longo de sua biografia.
As abordagens terapêuticas antroposóficas, entre massagens, exercícios corporais e mentais, aconselhamento biográfico e uso de medicamentos antroposóficos dinamizados e fitoterápicos, por via oral, tópica ou até injetável, estão pautadas na concepção de que o ser humano é um ser multidimensional físico, vital, anímico e espiritual, em relação direta com os mundos mineral, vegetal, animal e humano, respectivamente. Assim, a Medicina Antroposófica busca tratar a causa de uma doença e, concomitantemente, estimular as forças do organismo a reequilibrá-la, tendo como principais características a transdisciplinaridade, a organização multiprofissional do trabalho em saúde e o estímulo à vitalidade e à resiliência.
“Um dos princípios norteadores do cuidado ampliado pela Antroposofia é considerar o paciente como centro do cuidado e um agente de sua própria transformação e saúde”, explicam os pesquisadores e médicos Ricardo Ghelman, especializado em pediatria, oncologia pediátrica e Medicina Antroposófica, presidente do Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa (CABSIN), e Iracema de Almeida Benevides, especializada em Medicina Antroposófica, Homeopatia e Nutrologia, vice-presidente da Federação Internacional das Associações de Medicina Antroposófica (IVAA).
Os conceitos e princípios orientadores da prática clínica dessa racionalidade médica começam a ser desenvolvidos por volta de 1920, na Europa, pelo filósofo e educador austríaco Rudolf Steiner, criador também da Pedagogia Waldorf. Com base na ideia de que tanto o bem-estar quanto as doenças do ser humano estão ligadas ao corpo, à mente e ao espírito do indivíduo, Steiner – que teve o apoio da médica Ita Wegmann, criadora da primeira clínica médica antroposófica em Arlesheim, Suíça – passou a organizar cursos para médicos e outros profissionais de saúde na Europa, em institutos médico-terapêuticos que, depois, se transformaram em grandes hospitais antroposóficos e institutos de pesquisa, em especial na Alemanha, Suíça, Holanda, Escandinávia e Itália.
“A Antroposofia, do grego ‘sabedoria do homem’, é um caminho ampliado do modelo do conhecimento científico convencional, abrangendo a natureza do ser humano e suas relações com a Terra, seus seres e todo o cosmo, buscando aplicações práticas de seus conceitos em todas as áreas da vida humana. Steiner dizia que a Antroposofia nascia como uma tentativa de orientar o ser humano para suas dimensões humanas”, realça a professora e médica antroposófica e pneumologista, Elaine Marasca.
Desdobramentos científicos da antroposofia na saúde
Esta centenária racionalidade médica compreende um amplo universo de investigações científicas, estando presente nos diferentes níveis dos sistemas de saúde, públicos e privados, de mais de 60 países, incluindo o Brasil, que tem a Antroposofia aplicada à saúde elencada na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PNPIC) do SUS, desde 2006.
“Temos em torno de 20 instituições de pesquisa, a maioria na Europa, mas também no Brasil, que se dedicam a estudar a Medicina Antroposófica e suas terapias”, expõe Benevides.
As diversas investigações científicas, a exemplo das pesquisas de resultados em saúde (em inglês, Medical Outcomes Study), que vão ganhando enorme expressão mundo afora, revelam que as terapias antroposóficas contribuem para a promoção do bem estar físico e mental e o tratamento de muitos males, como dores crônicas, oncologia, artrite reumatoide, resistência microbiana, asma, depressão e ansiedade, entre outros.
“Um dos temas mais estudados no mundo é a aplicação da Medicina Antroposófica no tratamento do câncer, com a planta Viscum album”, realça a vice-presidente da IVAA (veja, também, Práticas integrativas eficazes no tratamento do câncer).
Em artigo publicado na Revista Arte Médica Ampliada, sob o título ‘A indicação do Viscum album para tratar o câncer’, o médico antroposófico Bernardo Kaliks, descreve que “o uso na medicina antroposófica de medicamentos elaborados a partir da planta Viscum album para o tratamento do câncer representa um capítulo extraordinariamente singular no contexto desta medicina e da antroposofia”. Segundo ele, Rudolf Steiner teria mencionado esta planta pela primeira vez em 1904. Posteriormente, em 1908, surgem os primeiros medicamentos preparados com extratos de Viscum album para uso parenteral para tratar o câncer (1).
Marasca também recorda que o medicamento extraído da planta Viscum album, que tem efeito citostático e imuno-estimulante, simultaneamente, sendo destinado, principalmente, à terapia coadjuvante do câncer, foi um dos primeiros medicamentos preparados no primeiro laboratório antroposófico Hyscia, por volta de 1917, na Suíça, sendo, até hoje, um dos mais pesquisados por muitos países, incluindo o Brasil (2,3).
No radar dos cerca de 20 institutos de pesquisas que se dedicam a investigar a Medicina Antroposófica, está também a aplicação dos recursos dessa racionalidade médica no tratamento das doenças crônicas. Publicada em 2004, na National Library of Medicine, a pesquisa ‘Terapias antroposóficas em doenças crônicas: o Estudo de Resultados da Medicina Antroposófica’ (traduzida do inglês) conclui que as abordagens terapêuticas antroposóficas foram associadas à redução em longo prazo dos sintomas de doenças crônicas, melhora da qualidade de vida relacionada à saúde e redução dos custos com saúde. Só em relação ao último ponto, a pesquisa identificou uma economia de 152 euros (4,2%) por paciente, uma vez que os custos de saúde foram de 3.637 euros por paciente no ano pré-estudo e 3.484 euros no primeiro ano de estudo. A investigação foi feita em 141 consultórios médicos da Alemanha, que ofereciam tratamento médico antroposófico, envolvendo 898 pacientes ambulatoriais de um a 75 anos, encaminhados para terapias antroposóficas, como arte, euritmia ou massagem rítmica, ou tratamento médico antroposófico, como aconselhamento biográfico e medicamentos (4).
Publicado em 2007, na BMC Complementary Medicine and Therapies, o estudo ‘Terapia médica antroposófica na doença crônica: um estudo de coorte prospectivo de quatro anos’ (traduzido do inglês), cujo objetivo foi descrever os desfechos clínicos em pacientes com doenças crônicas atendidos por médicos antroposóficos após uma consulta inicial prolongada, revela que os pacientes tiveram redução em longo prazo dos sintomas da doença crônica e melhora da qualidade de vida. Seus resultados sugerem que as terapias antroposóficas indicadas por médicos pode desempenhar um papel benéfico no cuidado de longo prazo de pacientes com doenças crônicas. Os pesquisadores observam que comumente as consultas com médicos antroposóficos são prolongadas, o que permite obter uma história extensa, abordar os aspectos constitucionais, psicossociais e biográficos da saúde e da doença dos pacientes e selecionar a terapia ideal (5).
Ao comparar o tratamento antroposófico (euritmia, massagem rítmica, terapia artística, aconselhamento biográfico e medicação antroposófica) e o tratamento convencional para dor lombar em condições de rotina, o estudo publicado no European Jorunal of Medical Reaserch, em 2007, observa que tanto os pacientes tratados com eurritmia, terapia de massagem rítmica e medicação antroposófica quanto os pacientes tratados com drogas convencionais, como analgésicos e anti-inflamatórios, obtiveram melhoras dos sintomas da dor lombar e de algumas dimensões da qualidade de vida, o que sugere a efetividade da medicina antroposófica para os casos de lombalgia crônica (6). Entre as pesquisas de cefaleia ganha ainda destaque a aplicação da terapia antroposófica em pacientes com diagnóstico de enxaqueca. A questão foi analisada em estudo de coorte prospectivo de dois anos, em ambientes ambulatoriais de rotina, publicado no The Open Neurology Journal, em 2010, verificando melhora dos sintomas da enxaqueca e da qualidade de vida do paciente em longo prazo. As modalidades de tratamento antroposófico utilizadas foram medicamentos (67% dos pacientes), terapia com euritmia (38%), terapia de arte (18%) e terapia de massagem rítmica (13%). A duração mediana da terapia foi de 105 dias (7).
No cenário brasileiro da investigação científica para dor, destaca-se o ensaio clinico fase 2 – aleatório, longitudinal, prospectivo, duplo-cego controlado por placebo, com intervenção paralela de quatro grupos para 48 pacientes com dor muscular e articular com síndrome pós-poliomielite –, conduzido por Ricardo Ghelman, em seu pós-doutorado, no Departamento de Neurologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A intervenção foi composta pelo uso diário de terapia medicamentosa tópica, na forma de gel (insumo e placebo), por 12 semanas. As terapias não medicamentosas foram aplicadas em 12 sessões semanais (Terapia Artística, Terapia Externa Trimebrada e Método Padovan de Reorganização Neurofuncional), seguidas de nove sessões semanais de Aconselhamento Biográfico.
Este estudo concluiu que o tratamento antroposófico multimodal apresentou segurança e eficácia como analgésico nos grupos que receberam as terapias não-farmacológicas, como uma intervenção independente, e que esses resultados apareceram muito mais precocemente quando associado ao gel transdérmcio com insumo em comparação com o gel placebo. A utilização multimodal deste tratamento antroposófico, que combina terapia farmacológica tópica com não-farmacológica, correspondeu ao padrão de melhor eficácia neste estudo, tanto para a redução da dor quanto para a melhoria da qualidade de vida e da resiliência (8).
Estudo sobre a aplicação da terapia antroposófica no tratamento de transtornos de ansiedade, realizado durante dois anos, em ambientes ambulatoriais de rotina, por sua vez, conclui igualmente que os pacientes tiveram melhora em longo prazo dos sintomas e da qualidade de vida. De acordo com os pesquisadores, os transtornos de ansiedade afetam 6% a 19% dos adultos no mundo ocidental, a cada ano, e estão associados a deficiências substanciais, redução da qualidade de vida, redução da capacidade de trabalho e aumento dos cuidados de saúde. Identificam que nem todos os pacientes com transtornos de ansiedade se beneficiam de terapia convencional e 20% a 60% dos pacientes não respondem à psicoterapia ou medicamentos ansiolíticos (9).
As terapias antroposóficas mostram-se eficazes e eficientes, também, no tratamento da asma. A pesquisa ‘Terapia antroposófica para asma: um estudo de coorte prospectivo de dois anos em ambientes ambulatoriais de rotina’ (tradução do inglês), publicado no Dovepress, uma plataforma de acesso aberto à pesquisa científica e médica, demonstra que pacientes com asma em tratamento antroposófico apresentaram melhora em longo prazo dos sintomas e da qualidade de vida. Foram estudados 90 pacientes (54 adultos e 36 crianças), dos quais 88% receberam medicação antroposófica, 22% foram tratados com terapia com euritmia, 10% com arteterapia e 1% com massagem terapêutica rítmica (10).
Abordagens seguras e eficazes
No contexto dos estudos baseados em evidências em Medicinas Tradicionais, Complementares e Integrativas (MTCI), Paulo Maurício de Oliveira Vieira, que é médico antroposófico e de família e comunidade e coordenador do Centro de Referência em Medicina Antroposófica do SUS de São João del-Rei, em Minas Gerais, realça a pesquisa prospectiva multicêntrica observacional, realizada na Alemanha, com 1.631 pacientes, citada em artigo publicado em 2015, pela Revista Arte Médica Ampliada, sob o título ‘Medicina Antroposófica: um sistema de medicina integrativa originado na Europa’ (11). A investigação de atendimentos ambulatoriais de pessoas que estavam iniciando tratamentos com a Medicina Antroposófica, com foco nos distúrbios de ansiedade, asma, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, depressão, dor lombar, enxaqueca e outras indicações crônicas, em condições rotineiras, fornece uma visão geral das principais questões de pesquisa, métodos e achados, concluindo que o tratamento antroposófico foi seguro e promoveu melhora dos sintomas das dores, distúrbios e transtornos observados e na qualidade de vida, sem aumento de custos.
As diversas pesquisas realizadas pelo Núcleo de Medicina Antroposófica da Universidade Federal de São Paulo (NUMA/Unifesp), sob a coordenação dos professores Mary Nakamura, Jorge Hosomi e Ricardo Ghelman, desde 2007, e na Unidade de Pediatria Integrativa do Instituto da Criança e do Adolescente do Hospital das Clínicas e no Departamento de Pediatria Oncológica da Universidade de São Paulo (UPI/USP), coordenado por Ricardo Ghelman, com foco na implantação de terapias externas na UTI da oncologia pediátrica, desde 2015, apresentam resultados semelhantes.
“De acordo com a maioria dos estudos revisados por pesquisadores das duas instituições, as terapias médicas antroposóficas resultaram em desfechos clínicos favoráveis. São utilizadas tanto por pacientes do sistema de saúde padrão como por pacientes com interesse especial por esta abordagem terapêutica, sendo consideradas satisfatórias e seguras para os pacientes”, garante Vieira.
Ghelman confirma: “As terapias médicas antroposóficas resultam em desfechos clínicos favoráveis de acordo com a maioria dos estudos revisados, podem ser utilizadas tanto por pacientes do sistema de saúde padrão como por pacientes com interesse especial por esta abordagem terapêutica e são seguros e efetivas, devido ao menor índice de tratamento hospitalar e menor custo de medicamentos, particularmente em doenças crônicas”.
Referências da antroposofia no SUS
Já são várias as experiências exitosas da Medicina Antroposófica no Sistema Único de Saúde (SUS), tornando essa racionalidade médica mais conhecida entre os usuários do sistema. É o caso do trabalho desenvolvido em São João del-Rei, Minas Gerais, referência para o SUS. A aplicação da antroposofia no sistema público municipal de saúde começa no ano de 2002, com uma equipe da Estratégia Saúde da Família (ESF). “Na época, eu fui contratado como médico da equipe e fiz a proposta de ampliação do trabalho com a Medicina Antroposófica. A adesão de toda a equipe da unidade básica de saúde garantiu a implantação do trabalho”, recorda Vieira. Ele acrescenta: “O desafio foi implantar uma medicina, até então cara e elitizada, em uma realidade de comunidade marginalizada e pobre”.
A aplicação da medicina antroposófica no SUS municipal desponta com a criação de uma horta de ervas medicinais, a obtenção de prateleiras de secagem de ervas e a aquisição de camas para terapias. “Tudo foi obtido a partir da doação dos usuários do serviço, possibilitando que, com simplicidade, a unidade de saúde fosse montada para este fim”, relembra o médico. “A contribuição dos moradores transformou a unidade de saúde em um local de partilha e construção de uma nova forma de atendimento, respaldando politicamente o apoio da Secretaria Municipal de Saúde”, complementa.
Sem dispor de tempo livre suficiente dos membros da equipe para realizar todas as atividades necessárias para o exercício da medicina antroposófica, alguns voluntários ficaram responsáveis pela horta e outros se ofereceram para ajudar nas terapias. “Desta forma, com ajuda de uma massagista rítmica e uma técnica de enfermagem, oferecemos na ocasião cursos em terapias externas antroposóficas para quem quisesse participar, independente do grau de escolaridade. Aproximadamente, 25 pessoas juntaram-se ao trabalho, entre elas agentes de saúde, técnicos de enfermagem e moradores do bairro, das quais duas eram analfabetas”, narra Vieira.
A abordagem farmacológica antroposófica inicia com os compostos fitoterápicos, preparados conforme a necessidade e a prescrição médica, e os preparos de tinturas de plantas medicinais, conforme a fórmula farmacêutica. “Nesse contexto, uma tintura que causou impacto na assistência foi a tintura de Saião (Bryophyllum pinnatum). Muitos usuários substituíram o uso de ansiolíticos por essa tintura”, cita o coordenador, lembrando-se ainda de outras duas terapias antroposóficas que se somam ao serviço: a geoterapia, misturando uma argila encontrada na comunidade a infusões de plantas, conhecidas como analgésicas na cultura local, como Arnica Mineira (Lychonophora pinaster Mart) e Erva de São João (Ageratum conyzoides); e Terapia Externa Trimembrada. A geoterapia com infusões é aplicada no local da dor, em forma de emplastos, duas vezes por semana, servindo para o tratamento dos pacientes com dores agudas. A Terapia Externa Trimembrada, criada por Vieira, inclui o escalda-pés, a aplicação de deslizamentos na pele com óleos, associada à fricção em regiões de órgãos com pomadas metálicas ou compressas, e os enfeixamentos.
A Medicina Antroposófica é fomentada em São João del-Rei, quando, em 2008, a ONG Associação Comunitária Yochanan (ACY) passou a ser parceira da Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Na ocasião, foi criado o Centro de Referência em Medicina Antroposófica (CRMA) na SMS, do qual Vieira é o atual coordenador. A unidade passou a fazer parte da rede de assistência do município, recebendo pessoas referendadas das unidades básicas de saúde e das equipes de Saúde da Família, encaminhadas por médicos ou enfermeiros. “A ACY é composta, em grande parte, por moradores da comunidade. Através dela recebemos apoio de outras organizações, como a Associação Beneficente Tobias e o Instituto Mahle, que foram importantes para implantação do Centro de Referência em Medicina Antroposófica. Atualmente, a ACY nos ajuda, mas não recebe verba de outras instituições e vive do apoio dos usuários”, descreve.
De acordo com Vieira, outro impulso dado ao CRMA foi a aprovação de um projeto divulgado pelo Departamento Estadual da Política Estadual de Práticas Integrativas e Complementares (PEPIC), para construção de uma farmácia de manipulação em medicamentos antroposóficos, no ano de 2010. Além disso, em 2014, o CRMA passa a ser campo de estágio para os alunos do Curso de Medicina da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), do qual Vieira é também professor. “Em 2016, o Centro foi integrado ao Programa Institucional de Bolsas de Extensão do Departamento de Medicina, que teve como objetivo fomentar a redução do uso de medicamentos ansiolíticos e antidepressivos nas populações residentes em territórios das equipes da Saúde da Família do município, através de tratamento complementar fundamentado na Medicina Antroposófica”, recorda.
Intitulado ‘Psicotrópicos, um clamor pela independência’, o programa estende-se, hoje, a usuários do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) do território. “Junto com alguns usuários dos serviços de saúde mental, estamos elaborando um dispositivo de cuidado, fundamentado na antroposofia e na psicologia analítica. Este trabalho está em construção e pretendemos que ele seja construído de uma maneira simples e que possa ser replicado por todos os participantes”, anuncia.
Na avaliação de Elaine Marasca, a experiência de São João del-Rei, o trabalho desenvolvido pela Clínica Tobias, um centro de formação e atendimento com a Medicina Antroposófica, criado por um grupo de médicos liderados pela Drª Gudrun Burkhard, em São Paulo, em 1960, a Associação Comunitária Monte Azul, ONG orientada pela antroposofia, fundada em 1979, por iniciativa da educadora Ute Cremer, com projetos e programas nas áreas de educação, saúde, cultura, assistência social e meio ambiente, desenvolvidos por meio de quatro núcleos que atuam na periferia da cidade de São Paulo, o Programa de Homeopatia, Acupuntura e Medicina Antroposófica (PRHOAMA), da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (MG), que atende aos usuários do SUS da capital mineira, desde 1994, e o Núcleo de Medicina Antroposófica da Universidade Federal de São Paulo (NUMA/Unifesp), que, desde 2007, conta com os Ambulatórios de Obstetrícia Antroposófica (em funcionamento até hoje) e o Ambulatório de Dor na Neurologia (até 2018), expressam a importância que a Medicina Antroposófica ganha no SUS, tornando-se referências da PNPIC/SUS, no que tange à prática da antroposofia aplicada à saúde.
No caso da Associação Comunitária Monte Azul, a proposta de medicina ampliada se dá através de três frentes. A Casa Angela, um centro de parto humanizado, localizada no Núcleo Monte Azul, atende gratuitamente usuárias do SUS que moram em São Paulo, adolescentes, gestantes e mães em situação de risco e vulnerabilidade social, além de pacientes particulares, oferecendo assistência humanizada ao parto natural, em ambiente seguro, acolhedor e respeitoso. O Ambulatório Médico Terapêutico da ONG, segunda frente deste trabalho, embora bem mais antiga, proporciona o acesso da população de baixa renda ao atendimento e aos recursos médico-terapêuticos da medicina antroposófica. Com um modelo único no mundo em equipe multidisciplinar antroposófica, conta com cerca de 30 profissionais – sendo metade deles voluntários –, que, em 2019, segundo informe disponível em seu site, realizaram mais de 10 mil atendimentos médicos, terapêuticos e de enfermagem, sendo 64% gratuitos. Entre os atendimentos e as atividades oferecidas pelo ambulatório destacam-se as consultas de Clínica Geral, Ginecologia, Pediatria, Psiquiatria, Psicologia, Odontologia, Fisioterapia e Fonoaudiologia, os procedimentos de enfermagem e a oferta de terapias externas, artística, massagem rítmica, euritmia e aconselhamento biográfico
A Associação é responsável, também, pela rede assistencial de saúde no distrito Jardim São Luís, por meio da Estratégia Saúde da Família. Por meio de parceria com a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo, iniciada em 2001, administra nove unidades básicas de saúde (UBS), uma Assistência Médica Ambulatorial (AMA) e três AMA/UBS integradas. Segundo site da ONG Associação Monte Azul, este serviço conta com uma Equipe Multiprofissional de Atenção Domiciliar, dez equipes de Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf) e 18 equipes de odontologia, atendendo uma população de mais de 270 mil pessoas.
Por sua vez, o PRHOMA, vinculado ao SUS de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, conta com 16 homeopatas, dez acupunturistas e dois médicos antroposóficos, que atendem em 21 unidades básicas e em uma unidade secundária. O acesso ao programa se dá através do centro de saúde onde o usuário do SUS está cadastrado. No centro de saúde, o usuário pega uma guia de referência, que pode ser fornecida pelo auxiliar de enfermagem, enfermeiro, dentista, fisioterapeuta ou médico.
Autora: Katia Machado
Revisão científica: Ricardo Ghelman, Gelza Matos Nunes e Caio Portella
Texto publicado originalmente pelo Núcleo de Tradução do Conhecimento das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (NTC-PICS), no site do CABSIN.
Referências
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